segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A DIREITA QUE IMPORTA TER EM CONTA


O APROFUNDAMENTO DO EURO

Entrando directamente no assunto. Sem grandes considerações nem teorizações, salvo as imprescindíveis.

Não é o Nuno Melo, nem o seu falecido tio-cónego e os seus “combatentes da liberdade”, nem a Cristas ou o Portas, ou o ex-conselheiro de Cavaco para assuntos constitucionais, nem mesmo alguns dos mais assanhados reaccionários do PSD que verdadeiramente nos devem preocupar. Esses contam pouco e só mesmo os iguais a eles neles se podem rever. Além de que essa direita já levou una valentíssima “trepa” no 25 de Abril e tão cedo não voltará a levantar cabeça. E se levantasse acontecia-lhe o mesmo que à cobra da quadra do Zeca Afonso no disco do Sérgio Godinho.

Mais perigosa é a outra direita. Uma direita mais moderna, bem-pensante com lugar assegurado nos “jornais de referência”, nas televisões e que entre inócuas tiradas de esquerda, quase sempre desenterradas de um anti-fascismo mais consensual que imaginar se possa, deixa ficar a mensagem da imperiosa necessidade de um governo de direita com ou sem o PS, mas sempre com o apoio do PS, tal como ela o concebe.

E é a partir deste pressuposto omitido que essa direita adianta uma argumentação alicerçada em pomposas palavras de recorte indefinido destinadas a sugerir o perigo que Portugal correria (convém dizer Portugal, que é uma entidade incorpórea de contornos quase míticos e não portugueses que cheira a povo e a odores pouco recomendáveis) se o PS cometesse o gravíssimo erro de aceitar fazer Governo ou aceitar ser apoiado no Governo por comunistas e bloquistas. Porquê? Porque não se pode confiar que esse Governo constitua uma alternativa minimamente sólida para poder aceitar no plano internacional, entenda-se da União Europeia, não tanto os compromissos já firmados, mas muito mais os aprofundamentos de determinadas matérias como. por exemplo, um aprofundamento do euro.

Primeira nota que interessa sublinhar é esta: este argumento não está desenvolvido nem é expresso com o mesmo primarismo com que qualquer Cavaco, Portas ou mesmo Assis o faria. Todavia, o juízo é exactamente o mesmo, se é que não é pior, e as suas consequências são as mesmas, se é que não são piores.

Em primeiro lugar, neste simples raciocínio está sibilinamente subentendido que é a política externa que dita a política interna. Por maiores que sejam os condicionamentos ou até os constrangimentos na cabeça do governante nunca pode estar outra ideia que não a oposta. Esse princípio basilar está aqui “deitado às urtigas”. E é também sob este aspecto que a nova direita se distingue – e muito - da velha direita. Sob a capa de um cosmopolitismo chique, esta direita está sempre pronta a pôr-se de cócoras perante o estrangeiro – não qualquer estrangeiro, evidentemente, mas daquele estrangeiro à qual ela julga pertencer.

Mas há mais: o aprofundamento do euro. O que é que isto quer dizer? Quer isto dizer que a Europa não é democrática, que em Bruxelas está sediada uma burocracia que os cidadãos não elegeram cuja actividade governativa é pautada pelos interesses do grande capital? Que há em Bruxelas um agrupamento soberano que toma decisões cruciais que influenciam a vida de milhões de pessoas que não está previsto em nenhum tratado nem em nenhuma lei, que funciona sem regras e sem escrutínio democrático de nenhuma espécie? Que esse agrupamento, chamado Eurogrupo, formado pelos ministros das finanças da zona euro se reúne à porta fechada, sem actas e sem nenhuma informação relevante fornecida aos cidadãos, salvo a formada pelas suas ditatoriais decisões? Que esse agrupamento é dominado pela Alemanha, com o apoio dos seus aliados tradicionais e com o tradicional colaboracionismo francês? Aprofundamento do euro quer dizer que o Banco Central Europeu cuja acção é vital para a vida de milhões de pessoas e cuja política é determinante para a economia dos países da zona euro, de economia desigual e assimétrica, tem de ter uma política monetária e de crédito destinada a atenuar as desigualdades existentes? Aprofundamento do euro quer dizer que o BCE tem de ter uma política monetária e de crédito destinada a fomentar o desenvolvimento económico e o emprego como missões prioritárias da sua actividade? Em resumo: aprofundamento do euro quer dizer uma profunda reforma da zona euro que tome na devida conta as assimetrias existentes, conceba a política do BCE como uma política ao serviço de todos os Estados, capaz também ela de contribuir para uma mais equitativa distribuição dos rendimentos entre os cidadãos dos países da zona euro?

Se o “aprofundamento” do euro quer significar reforçar a democracia, reforçar o desenvolvimento económico, combater as assimetrias, fomentar o emprego, criar os pressupostos para uma mais justa distribuição dos rendimentos entre os cidadãos dos Estados da zona euro não esteja esta direita preocupada com as posições do Bloco ou do PC nem tema que o PS possa incorrer no desvario de não apoiar este aprofundamento.

Mas será isto o que verdadeiramente se quer dizer quando se fala no “aprofundamento do Euro”? Ou será que com o “aprofundamento do euro” o que se pretende é entregar a gestão da zona monetária a um ministro das finanças europeu que actue sob a influência dominante das politicas defendidas pela Alemanha, um aprofundamento que aliene por completo a democracia da decisão, que se elimine a soberania nacional na concepção das política monetária e de crédito, que torne a política orçamental nacional menos digna do que a de uma qualquer filial de uma grande multinacional? 

Se for isto o “aprofundamento do euro”, como temos boas razões para supor que é, ninguém poderá de facto contar com o apoio do Bloco nem do PC. Disso qualquer eleitor de esquerda tem a certeza. E quer continuar a tê-la!


4 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Está tudo em aberto, meu caro
e se tudo está em aberto,
nenhum caminho está fechado

(nada ficará como antes)

Majo disse...

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~ Muto bem, JMCP!
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Jaime Santos disse...

Eu gostaria de ser tão otimista. Mesmo que esse cenário que desenha e que permite uma substancial alteração da natureza da UEM fosse possível, e ninguém de bom senso acredita nisso, a questão que se colocaria é se seria desejável que Portugal se tornasse uma espécie de Nevada da Europa. Mesmo numa Federação rica como os EUA existem assimetrias regionais significativas... O problema é que a ideia de autarcia simplesmente não funciona, aliás a nossa Economia desde os anos 50 que é deficitária. Ou seja, não dispomos de qualquer modelo viável alternativo ao existente e não vale apontar para o programa do PCP ou do BE, porque uma coisa é diagnosticar os males do Presente, outra é dispor de um plano para atingir uma visão no Futuro...

Anónimo disse...

O autor está certo, o problema é que parte do princípio de que Portugal é um país soberano, e ele é apenas um bocadinho soberano e valha-nos a consolação de que outros ainda o são menos. Nem estou a pensar no grau de "soberanidade" que resulta directamente do número de Divisões....