quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CAVACO E O RESTO DA DIREITA

AS DUAS POSIÇÕES DA DIREITA

O resto da direita está dividido quanto ao discurso de Cavaco. Simplificando, pode dizer-se que os apoiantes de Marcelo Rebelo de Sousa afirmam que do discurso se não pode deduzir que Cavaco não dê posse a um governo de António Costa, se houver uma maioria parlamentar que o apoie com base num acordo. Enquanto, a outra parte, mais fiel aos princípios que a regem, entende que o discurso de Cavaco se situou no âmbito dos seus poderes constitucionais, sendo, portanto, igualmente legítimas qualquer das opções que com base nele venha a adoptar.

Os apoiantes de Rebelo de Sousa não querem defrontar-se com a situação de o seu candidato ser obrigado durante a campanha eleitoral a ter de responder sobre o que fará uma vez eleito. Se Cavaco deixasse perpetuar até ao fim do seu mandato o governo rejeitado de Passos Coelho, Rebelo de Sousa não tinha como fugir à pergunta do que fará ele uma vez eleito: dissolve o Parlamento e marca novas eleições ou dá posse a um governo que goze de apoio parlamentar maioritário? Perante esta situação, Marcelo não pode esquivar-se. Vai ter que tomar posição e ambas as respostas o prejudicam, como mais ainda o prejudicaria a ausência de qualquer resposta.

Pelo contrário, os outros, entre os quais se conta Santana Lopes, embora reconheçam que o discurso de Cavaco teve o efeito perverso de ajudar a unir a esquerda, não deixam de sublinhar que as palavras de proferidas pelo Presidente da República aquando da indigitação de Passos Coelho se situaram no âmbito da constitucionalidade e não são assim tão diferentes das que outros presidentes, no passado, igualmente proferiram perante situações semelhantes, devendo atribuir-se a uma campanha orquestrada pela esquerda a ideia de que o discurso de Cavaco se situa fora dos poderes presidenciais.
Quanto à posição de Rebelo de Sousa e dos seus apoiantes, pouco haverá a dizer. Marcelo afirmou durante anos que o candidato presidencial de direita só poderia ganhar a eleição presidencial se tivesse capacidade para cativar cerca de dez por cento do eleitorado que tradicionalmente vota à esquerda ou se o candidato da esquerda fosse muito fraco. É essa a estratégia de Marcelo. Ela passa, primeiro, por dividir a esquerda e depois por tentar seduzir aquela parte do voto da esquerda que se situa mais à direita. Portanto, para Marcelo nada melhor do que Cavaco dar posse a António Costa, se a rejeição de Passos se confirmar. E nada pior do que a manutenção em funções de um governo de direita rejeitado.

Já quanto àquela parte da direita, mais fiel aos seus princípios antidemocráticos, que admite como igualmente válidas e politicamente aceitáveis qualquer das decisões que Cavaco venha a adoptar, no fundo o que essa direita verdadeiramente pretende é que Cavaco não dê posse a António Costa, mantenha Passos em gestão até ao fim do seu mandato e que o novo presidente convoque novas eleições para serem ganhas pela direita. Estes são os três objectivos que a direita tem em vista e todos eles assentam num único pressuposto: a esquerda não tem legitimidade para governar. Pode ter assento no Parlamento, até convém que tenha, mas governar está fora de questão.

Santana Lopes, agora bem mais próximo do Santana Lopes que conhecemos nos fins da década de setenta e durante a década de oitenta do século passado, é o que melhor e com mais clareza exprime este pensamento. Claro que Santana Lopes, como não é tão ignorante como Cavaco e como também conhece os meandros do direito constitucional, procura refugiar-se em pretensos lugares paralelos da história da democracia portuguesa para fundamentar a sua posição. E então invoca duas situações em defesa do seu ponto de vista.

A primeira, ocorrida em 1983 – portanto, já depois da revisão constitucional que altera os poderes do Presidente da República (1982) -, quando o Presidente Eanes, tendo dissolvido o parlamento maioritariamente formado pelos deputados da Aliança Democrática, composta pelo PSD/CDS/PPM, que haviam concorrido coligados e vencido as eleições de 1980, manteve Balsemão em funções por largos meses – até à tomada de posse de Mário Soares à frente do IX Governo Constitucional.
Não há semelhança nenhuma entre as duas situações, nem as coisas se passaram assim. Em primeiro lugar, o Governo Balsemão (VIII Governo Constitucional) caiu por dentro em virtude das desavenças entre Freitas e o Primeiro-ministro. Freitas nunca aceitou ser segundo de Balsemão, de modo que quando Eanes anunciou a decisão de dissolver o parlamento e depois a concretizou em Janeiro de 1983, não só não havia nenhuma outra alternativa política com apoio parlamentar como o próprio governo já tinha pedido a demissão. As eleições foram marcadas para o dia 25 de Abril e o Primeiro-ministro seguinte (Mário Soares) tomou posse quando constitucionalmente tinha que tomar. Não houve, portanto, qualquer prorrogação do governo em funções de mera gestão por o Presidente se negar a dar posse a uma outra solução de governo integrada por partidos diferentes dos que haviam até então governado. Como se vê por este simples exemplo, o passado está cada vez mais difícil de “prever” do que o futuro…

A segunda, ocorrida em 204, refere-se ao XVI Governo Constitucional presidido por Santana Lopes. Diz-se que o Presidente de então, Jorge Sampaio, condicionou a posse do governo à aceitação de uma espécie de “caderno de encargos” por ele imposto. Também não há qualquer semelhança entre a situação então ocorrida e actual, salvo a que decorre de em ambos os casos ficar bem patente que as eleições legislativas são eleições para deputados e não para primeiro-ministro! De facto, Sampaio, depois da demissão de Durão Barroso, para ocupar o lugar de Presidente da Comissão Europeia, hesitou longamente sobre se deveria ou não empossar Santana Lopes, que nem sequer deputado era, como primeiro-ministro. E acabou por concluir que, mantendo-se a coligação pós-eleitoral que apoiava o Governo Barroso e que sendo esta maioritária no Parlamento, deveria empossar como Primeiro Ministro a personalidade por ela indicada. A coligação indicou Santana Lopes e Sampaio deu-lhe posse. É verdade que no discurso de posse – e não antes – Sampaio teceu várias considerações sobre o caminho que o Governo deveria seguir. Considerações que se poderiam justificar se se destinassem a marcar a posição do Presidente relativamente ao Executivo, mas que já seriam descabidas, como foram, se tivessem a pretensão de balizar a acção do Governo. Tratou-se porventura do momento mais infeliz da Presidência Sampaio (sem esquecer a intervenção da NATO na Jugoslávia à margem do Direito Internacional), parecendo que subjacente a essas considerações havia uma espécie de má consciência ditada pela posse, como primeiro-ministro, alguém que nem sequer às legislativas havia concorrido.

De qualquer modo, Sampaio cumpriu a Constituição ao dar posse a Santana Lopes, devendo as ditas considerações sobre a acção do governo, proferidas na posse e não antes, entender-se como reveladores da sua posição perante o Governo e não como uma sujeição do programa do Governo à vontade do Presidente. Essa função, de apreciação do programa de governo e das eventuais consequências dessa apreciação, cabe no ordenamento jurídico-constitucional português inequivocamente ao Parlamento!


Assim, por mais que a direita tente justificar o discurso de Cavaco e a eventual recusa de um Governo de esquerda nenhuma dúvida poderá subsistir de que semelhante comportamento violaria gravemente a Constituição.

2 comentários:

Jaime Santos disse...

Discordo da parte final da sua análise. A verdade é que a CRP dá a Cavaco uma grande margem de manobra sobre o que fazer (porque não é de todo específica sobre isso, e por isso obriga-nos constantemente a recorrer à 'tradição' constitucional). Mas se Cavaco optar por manter Passos Coelho em funções de gestão até Junho de 2016, situação que provavelmente levaria a um segundo resgate, o ónus será dele e da Direita. E depois, vai obrigar Marcelo a assumir-se, como bem diz. Ora, isso é a última coisa que Marcelo quer. E 2,7 milhões de votos devem chegar bem para eleger um PR de Esquerda. Assim, não se percebe a profusão de candidaturas neste campo político. Na minha opinião, Sampaio da Nóvoa, não sendo alguém com experiência política é, por exclusão de partes, aquele que apresente melhores condições de fazer o pleno da Esquerda, já que Maria de Belém não irá longe como Marcelo light e quer Marisa Matias, quer Edgar Silva, apesar das qualidades humanas e da competência e coerência de cada um, são candidatos para fazer o pleno dos partidos que os apoiam, BE e PCP, e só...

O Puma disse...

Cadáveres adiados

mesmo que as direitas se façam de Cristo