INSISTINDO NO ÓBVIO
Desde há muito que se sabe que não é pela via do equilíbrio orçamental que se debelam as crises do capitalismo. No entanto, esta velha receita está outra vez na moda. Na União Europeia muitos países, entre os quais Portugal, estão a sofrer as consequências de políticas económicas restritivas que levam, como levaram no passado, a consequências recessivas altamente prejudiciais para largos estratos da população.
Escusado será dizer – mas é conveniente frisá-lo numa época em que o óbvio tende a ficar permanentemente obscurecido – que aquelas políticas estão sempre associadas a um preconceito ideológico que tem por base o papel do Estado na economia.
Ou seja, quem pretende um capitalismo sem entraves – e hoje até já se chama a isso “democratização da economia” – não quer o Estado na economia. Não o quer nem como produtor de bens nem de serviços seja nas áreas económicas propriamente ditas, seja também nas áreas sociais. E também não o quer como regulador da actividade económica porque o "mercado encarrega-se disso muito melhor do que os burocratas".
E há quem infelizmente acredite nisto, inclusive contra os seus próprios interesses. Dizendo melhor: hoje quase toda a gente acredita nisto tal o domínio ideológico do neoliberalismo.
Talvez por isso valha a pena transcrever um texto de um livro que hoje já se pode considerar um clássico da literatura económica – “Pour comprendre les théories économiques”, pags. 266/267, de Jean-Marie Albertini e Ahmed Silem.
“ Nos Estados Unidos, quando a crise de 1929 se desencadeou, a Administração Hoover não viu nela senão o rebentamento de uma bolha especulativa. Como a crise da bolsa se propagou à economia, afundando-a, a Administração foi forçada a intervir. Em 1929 as políticas são directamente inspiradas pelas teorias liberais. Estas políticas tentam diminuir o custo de produção das empresas para restabelecer as margens de lucro e encorajam a poupança para fazer baixar as taxas de juro.
Concentram-se na baixa de salários. Assim, a empresa pode fazer mais lucros, baixar os preços, vender mais e ter mais oferta de emprego. Todavia, a baixa de salários, para ser eficaz e aceitável, deve ser acompanhada de uma luta contra as violações da concorrência que impeçam a descida dos preços e contra os custos de produção inimigos do lucro e do abaixamento dos preços. Para fazer baixar a taxa de juro, a fim de permitir às empresas contrair empréstimos em melhores condições, as doutrinas económicas liberais encorajam a poupança. Para alcançar este objectivo e para voltar a ganhar a confiança dos aforradores, incentivando-os a poupar mais graças à baixa de impostos, elas diminuem as despesas públicas e preconizam o equilíbrio orçamental. Colocando-se no plano microeconómico sem atender aos efeitos macroeconómicos, estas políticas levaram a um tremendo fracasso.
Enquanto na maior parte das grandes potências industriais estas políticas eram abandonadas, em França, os governos, para dar confiança aos detentores do capital, ligaram-se ao “bloco-ouro” (O "bloco ouro" é constituído pelos países que querem manter uma certa paridade da moeda nacional com o ouro - França, Itália, Bélgica, Holanda, Polónia e Suiça) e à defesa do franco Poincaré (O “franco Poincaré” é o novo valor do franco decidido em 1928 depois da desvalorização em 80% do franco “Germinal” – o franco aprovado em 7 do Germinal do ano XI, ou seja, 27 de Março de 1803). Pior ainda, em 1934 o Governo Laval cortou as despesas públicas e baixou os salários dos funcionários bem como as pensões de guerra. Os funcionários deveriam dar o exemplo, favorecendo, assim, a aceitação de uma diminuição do rendimento de todos os assalariados. Em 1935, o orçamento do Estado é um dos raros que na Europa está equilibrado. Contudo, esta política deflacionista acabará por ter um efeito inverso ao esperado. Pouco exposta ao exterior, a França que, por força da sua agricultura e do seu império colonial, tinha sido menos atingida do que outros países pela crise, sofreu então um brutal aumento do desemprego. O economista Jacques Rueff, autor do “Subsídio de desemprego – causa do desemprego permanente” era um dos inspiradores desta política. (…) O governo Laval e Jacques Rueff são de certo modo os pais adulterinos da “Frente popular”.
Como se vê, estas teorias neoliberais que passam por ser a grande novidade da política económica são velhas e com “provas dadas”. A única diferença, aliás, abissal diferença, é que noutras épocas havia uma força proletária organizada com capacidade para se opor a estes desmandos sociais e hoje, infelizmente, a capacidade de reacção é muito menor.
Hoje mandam “os mercados”, ou seja, os Vampiros, cuja letra de Zeca Afonso, mais do que a realidade que pretendeu retratar, acaba por ser premonitória do que estava para vir…”São os mordomos do universo todo/senhores à força, mandadores sem lei…Se alguém se engana com o seu ar sisudo/ e lhes franqueia as portas à chegada/ eles comem tudo, eles comem tudo/ eles comem tudo e não deixam nada”