quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

PARA NÓS, A EUROPA ACABOU

AGORA RESTA SABER COMO SAIR DELA



Para o Partido Socialista a conclusão de que a Europa acabou vai ser extremamente dolorosa.
Primeiro, porque o PS – o PS de Soares – tinha da Europa uma ideia completamente diferente daquilo em que ela hoje se tornou. Para Soares a Europa era antes de mais a barreira inexpugnável contra o comunismo, uma barreira construída com alguma ideologia, mas acima de tudo alicerçada na prosperidade que a social-democracia assegurava aos que, não sendo titulares dos meios de produção, tiravam vantagem de um pacto social que garantia uma distribuição da riqueza razoavelmente equitativa. É nesta convicção, e no contexto socioeconómico existente na Europa Ocidental do pós guerra, que Soares não hesitou em virar as costas àquilo que sempre tinha sido o posicionamento de Portugal no mundo, convencido, como estava, que desse ancestral relativo isolamento europeu só poderia resultar pobreza, desigualdade, discriminação, tudo factores que ele associava à criação de condições propícias ao nascimento ou manutenção de regimes não democráticos.
A “Europa connosco” de Soares é, portanto, uma palavra de ordem estratégica destinada ao fomento de uma forte classe média capaz de pôr o país a coberto de qualquer tentação totalitária.
Apesar de a Europa Ocidental nunca ter verdadeiramente sido aquilo que Soares imaginava que ela fosse, a verdade é que ela se transformou a partir da década de oitenta do século passado, mais impressivamente da década seguinte, numa Europa que passou a caminhar desabridamente para a total assimilação dos grandes princípios ideológicos do capitalismo liberal impulsionados pelo mundo anglo-saxónico, curiosamente oriundos da Europa Central (Friedrich Hayek, Joseph Scumpeter, Karl Popper, entre outros), mas que encontraram na cultura do individualismo americano o terreno fértil para medrarem com toda a pujança algumas décadas mais tarde.
Estes “antepassados próximos” da Escola de Chicago, mais alguns princípios do pensamento neoconservador que desde a década trinta foi forjando na América uma nova doutrina política, curiosamente alicerçada num passado trotskista, são os inspiradores teóricos daquilo em que a Europa hoje se tornou, inicialmente por força do relevantíssimo papel desempenhado pelos partidos socialistas e social-democratas europeus que foram os primeiros a deitar mão à obra de destruição do capitalismo regulado que antes tinham ajudado a implantar e depois pela consolidação dessa desregulamentação que os partidos abertamente de direita acabaram por fazer, concluindo o que restava destruir da obra deixada inacabada pelos socialistas.
Obviamente que para este resultado – nunca será de mais lembrá-lo – contribuiu decisivamente a desagregação da União Soviética e o colapso do chamado “socialismo real”, que até então tinham sido a verdadeira razão de ser do “capitalismo regulado”. Terminada a Guerra Fria, da qual o chamado “mundo livre”, nomeadamente a América, saiu aparentemente vencedor, uma nova era nasceu fundamentalmente caracterizada por um capitalismo sem barreiras que estendeu a sua influência aos quatro cantos do mundo e encontrou na economia global a sua verdadeira matriz.
Supor que a História a partir daí acabaria e que os antagonismos até então atribuídos à exacerbação ideológica da luta de classes tenderiam a desaparecer pelo papel “pacificador” que a democracia seria a chamada por toda a parte a desempenhar, foi uma ideia em que muitos chegaram a acreditar, mas que a própria realidade se encarregou de desmentir logo a seguir.
De facto, não somente aquilo que parecia certo se tornou duvidoso – como, por exemplo, a vitória na Guerra Fria, antes atribuída à América e que hoje parece cada vez mais justificar-se atribuí-la à China, que tendo estado dos dois lados, sempre com uma estratégia própria, é indiscutivelmente o Estado que mais vantagens consolidadas retirou do fim do confronto leste-oeste – como a apregoada democracia tida por factor decisivo no relacionamento interestatal está por tudo lado, embora de forma mais visível nos países desenvolvidos, a ser subrepticiamente substituída pelo poder dos mercados que ou escolhem eles próprios os governantes ou transformam os governantes eleitos em simples executantes dos seus interesses a ponto de essa representação já apresentar hoje as características típicas do mandato imperativo.  
Se já era difícil para os países mais frágeis integrados no círculo dos países desenvolvidos suportar a tirania do capital financeiro, a situação tornou-se ainda mais complicada para aqueles que no espaço europeu integraram a zona euro. Por todas as razões que já foram escalpelizadas à saciedade em escritos anteriores, o euro tal como tende a ser entendido pelas potências hegemónicas, na realidade pela Alemanha, com a colaboração defensiva da França e o interesse de mais duas ou três economias relativamente equilibradas, transformou-se para as economias periféricas num factor de pobreza a médio prazo – drástica redução dos salários nominais, aumento do desemprego, redução ou mesmo eliminação de múltiplas prestações sociais tudo redundando num considerável aumento do custo de vida acompanhado de uma considerável diminuição dos rendimentos – que tende a ser suportado no presente com a promessa de uma vaga prosperidade futura.
É porém óbvio que não mudando a zona euro a sua matriz, antes tendendo a agravá-la nos seus efeitos mais desequilibrantes, como se está vendo pelas novas imposições da Alemanha, aos países periféricos, inviabilizada que está qualquer solução alternativa construída na perspectiva da assumpção conjunta dos prejuízos gerados pela experiência que favoreceu uns e prejudicou outros, apenas restam duas possibilidades: ou manterem-se na zona euro até à sua rejeição em bloco pela explosão social dos múltiplos descontentamentos, sem perspectivas, que necessariamente vão ocorrer; ou prepararem-se para dizer adeus a esta Europa e tentarem reconstruir o seu futuro integrados no mundo moderno, voltando a valorizar aquilo que foi a vertente mais constante das suas respectivas histórias.
Ao PS, como principal partido impulsionador desta ligação umbilical à Europa, uma ruptura como a que se avizinha vai custar-lhe muito e terá necessariamente efeitos traumáticos, tanto mais graves quanto é certo haver no PS muita gente que não tem verdadeira consciência da colonização do partido pelo pensamento neoliberal ou mesmo por alguns princípios do neoconservadorismo, certamente por não haver na sua prática política uma posição agressiva na defesa daqueles princípios nem o partido, pela sua história, se poder considerar herdeiro de comportamentos de puro proselitismo como os que se encontram em outros sectores da sociedade portuguesa.
Já o PSD, que verdadeiramente não é nada, a não ser uma federação de múltiplos interesses construídos à volta do poder, e que está hoje no governo na defesa fanatizada de uma ideologia que, apesar de nunca lhe ter sido estranha, sempre perdeu relevância, na hora da verdade, para a irreprimível tentação de realizar negócios, tenderá a adaptar-se ao quer vier, com aquele ou outro nome, desde que possa manter a sua irresistível vocação para por via do poder aceder a vantagens que de outro modo não alcançaria. 
Mas, para finalizar, há também uma certa esquerda, cosmopolita, recém-convertida à democracia como valor absoluto – e sabe-se como em política é perigoso prosseguir o absoluto, mais ainda se for o Bem – igualmente influenciada por certos princípios iniciadores do neoconservadorismo, para a qual o abandono da Europa como ideia mítica a deixará verdadeiramente órfã de uma das ideias fundadoras da sua transmutação.

3 comentários:

Anónimo disse...

Aprecio muito, quase tudo o que por aqui escreve e, sobretudo, a forma como expõe as ideias, mas, neste post, discordo, (o que é que isso lhe interessa!!) de uma certa e excessiva dicotomia que estabelece entre o PS e o PSD. Na origem (74/75) haveria uma certa diferença até na origem social. Em 75 o PS fazia campanha ao som da Internacional!. Contudo, quando em 75/76 a rapaziada do PS, muito pé-rapado, começou a provar o que era a boa-vida com o dinheiro que escorria dos camaradas europeus sobretudo alemães (fundação J.Fontana...) as ditas origens marxistas ( afinal "o que divide o Ps do Pc não é Marx, nem mesmo Lenine" -Mário Soares) foram mandadas às malvas. Depois, quando essa teta foi substituída pelo engordar do Estado e das sinecuras que através dele se atribuíam e da corrupção em larga escala, o aparelho do PS soltou-se completamente dessa matriz inicial e apenas se distingue do PSD razões cosméticas: é necessário que os eleitores possam "alternar" nas suas "escolhas". Será daí que alguns estabelecimentos foram buscar o nome de "Alterne".
Para M. Soares era tão boazinha a RFA! Não foi ele que disse ao correspondente do Monde que a adesão (e ainda não havia globalização, ainda estava de pé o Muro, ainda se pensava que o exército vermelho era uma ameaça real)seria um "tremblement", que seleccionaria o que era são, deitando abaixo tudo o que fosse caduco e ineficiente....
Agora, mesmo que o muro estivesse de pé, pensam eles que lhe iria ser estendida a teta eternamente? O crescimento ilimitado do Estado fazendo de cada migalha um Instituto, de cada Câmara um conglomerado de E.Ps.? Mesmo sem a "crise", algum dia chegaria a conta a tais desmandos. ( a título de pequeno exemplo veja-se as dotações de juízes nos tribunais superiores, mais ainda, veja-se o organograma da Secção da Madeira (essa gigantesca região autónoma!) do Tribunal de Contas! Elucidativo!.
Depois admiram-se que a Direita se aproveite da onda para, numa espécie de thatcherismo, escavar o SNS e o que se seguirá, apesar e se conhecerem os efeitos do thatcherismo na sua própria casa!!!

LG

Anónimo disse...

Queria dizer escavacar em vez de escavar.
LG

JM Correia Pinto disse...

Respondendo a LG
Não se pode deixar de concordar com muito do que diz. O passado próximo fala por si. Mas há uma diferença que não pode ser escamoteada: há muita gente de esquerda no PS, gente que queria para o país uma coisa muito diferente daquela que existe. Não se pode meter tudo no mesmo saco.
Obrigado, como sempre, pelos comentários.
CP