A AUSTERIDADE E A INTERGOVERNAMENTALIDADE
Contrariamente às múltiplas reuniões do Conselho Europeu havidas este ano, a do último fim-de-semana foi indiscutivelmente importante. Pelas piores razões. Em primeiro lugar, porque dela resultou o compromisso de passar a tratado as ruinosas políticas de austeridade que vinham sendo impostas de facto, com base numa correlação de forças que os Estados em dificuldades nunca tiveram a coragem de tentar inverter ou, pelo menos, alterar por pouco que fosse. E depois, porque marca inequivocamente a passagem para o domínio da intergovernamentalidade daquilo que antes pertencia de jure ao foro comunitário.
Entre os que mais tem a perder com estas alterações ninguém levantou a voz, ninguém se opôs. Como cordeiros, alinhados e em fila, aceitaram ser sacrificados em nome de um futuro que somente o fanatismo levado ao extremo, acompanhado de doses maciças de subserviência, pode justificar.
Aceitar que possa ser pela via do rigor orçamental, alcançado – se é que será – à custa de brutais ajustamentos em sectores fundamentais para o desenvolvimento, levará necessariamente a recessões duradoiras nos países intervencionados ou em vias de o serem, com o conhecido cortejo de misérias associado a essas políticas: desemprego, baixa de salários, eliminação ou limitação dos direitos sociais em todos os sectores: habitação, saúde, ensino, segurança social, nomeadamente.
É claro que os fanáticos como Gaspar, porventura o Álvaro, mais o Crato e o Macedo, pensam – e o Primeiro Ministro, se pensasse – que será pelo aumento das exportações que tudo se resolverá. Puro engano, pelas razões sobejamente conhecidas. O aumento das exportações tem limite, as exportações dependem de factores que o exportador não controla e, em última instância, seria economicamente impensável, porque economicamente impossível, tornar a União Europeia numa espécie de Alemanha.
Seguro é essa quebra brutal nas despesas orçamentais levar a uma forte contracção da iniciativa privada. Como tantas vezes se tem dito, o problema não está no défice orçamental, mas no défice estrutural da economia portuguesa, no défice de conta corrente de que se falou no último post, não havendo nada, absolutamente nada, na política da União que tenha sido feito para o eliminar ou gradualmente atenuar. Nem relativamente a Portugal, nem em relação aos vários países que se encontram na mesma situação.
Para superar a presente situação, que decorre, por um lado, da entrada em cena dos países emergentes e, por outro, da “arquitectura” da moeda única, a zona euro teria de ser refundada no sentido de uma aproximação a um conceito federativo, de raiz democrática, onde estivessem efectivamente presentes – e não como pura retórica - os vínculos de solidariedade, a começar pela solidariedade orçamental, muito mais importante de que os famosos “eurobonds” que, por si só, nada de estrutural resolverão.
Como nada do que está sendo feito aponta neste sentido, indo antes na direcção de uma dominação completa dos mais fracos pelos mais fortes, sem que da parte dos governantes, a começar pelos nossos, se esboce o mais leve sinal de defesa das prerrogativas nacionais, alguém mais tarde ou mais cedo vai ter de assumir esse papel.
Ver-se-á depois quem e por que meios. Assim, não vai ser possível continuar por muito mais tempo. E é perante este cenário que a esquerda tem de se posicionar e ir agindo em conformidade com vista a uma nova situação na qual ou é protagonista ou será derrotada!
1 comentário:
Para ver se percebo,
-O défice é da própria economia no todo, não só do Estado, é grave e tem vindo a agravar-se (aqui não há volta a dar aos números do Medina C. ou do Eugénio Rosa tanto faz)na base de tudo está o desequilíbrio comercial desde há décadas ou, melhor dito, desde há séculos.
- O aumento possível das exportações não vai ser suficiente.
- A substituição de importações por produção interna é muito difícil no contexto das obrigações internacionais.(concordo com tudo isto)
Então, que saída? Abandono do euro/UE e adopção de um regime de autarcia económica tipo Albânia do camarada Enver? (isto não pretende ser qq provocação).
Eu penso, o que posso e sou capaz, e não consigo vislumbrar saída que não passe por um futuro cheio de dificuldades muito sérias.
Solidariedade: pode não a haver dos ricos em relação aos pobres dentro da própria UE mas os portugueses também nunca a viram como um espaço de solidariedade mas, sobretudo, como uma espécie de 2º Brasil, agora mais perto e onde os novos garimpeiro nem precisavam de se embrenhar no perigoso sertão, esta é que é a verdade, ou, pelo menos, uma parte dela.
Há um aspecto em que Portugal ou quem o representou não tem nem merece perdão: a forma perdulária, negligente e criminosa como gastou montantes astronómicos que recebeu e que pediu emprestado. O Capitalismo, mesmo selvagem/global, não responde por tudo, há muita malfeitoria que releva da pura criminalidade comum.
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