quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

UMA EUROPA DOS CIDADÃOS?






UMA OUTRA ANÁLISE ALEMÃ



Para quem se insurgiu contra o texto “As alternativas com que Portugal se defronta” por ter perigosamente exagerado o “problema alemão” na Europa de hoje, talvez seja interessante ler a análise que Ulrich Beck acaba de fazer em artigo ontem publicado no jornal “Le Monde”.

Ulrich Beck começa por dizer que a Europa, depois de um primeiro milagre – transformar os inimigos em vizinhos -, para fazer face à avalanche de riscos de um mundo globalizado, garantir a paz, a liberdade e a segurança dos seus cidadãos, precisa de um segundo milagre – passar da Europa da burocracia à Europa dos cidadãos.  

Seguidamente Beck exprime as suas angústias sobre o futuro da democracia, a ponto de perguntar se para salvar o euro a Europa terá de abolir a democracia. E dá como primeiro exemplo a reacção europeia à intenção expressa por Papandréou de consultar os seus concidadãos sobre uma questão de importância vital para o seu futuro bem como a impossibilidade prática de debater e decidir sobre o futuro da Europa quando há governos que já estão sob tutela ou quando se faz apelo a profissionais da liquidação (liquidatários) como Monti ou Papademos.

Por outro lado, Ulrich Beck também não tem problemas em subscrever a análise da “Der Spiegel” quando esta afirma que há um poder emergente que obedece a uma lógica de império, já não militar mas económico, que estabelece uma diferença entre países devedores e países credores, cujo fundamento ideológico é (aquilo a que ele chama) o euronacionalismo alemão, ou seja, a versão europeia do nacionalismo do “deutschemark”.

É por esta via que a cultura alemã da estabilidade é elevada à categoria de ideia europeia dominante. A estabilização do poder hegemónico repousa no assentimento dos países europeus independentes.

(De facto, esta ideia é dominante na Alemnha, como ainda recentemente se pôde constatar, quando o líder parlamentar da CDU de Merkel, no último congresso do partido, se vangloriava de eles (os alemães) terem posto a Europa a “falar alemão”).

Beck prossegue na sua análise questionando se não será mais realista perguntar se o fundamento daquela hegemonia não estará antes no poder de sanção como parece resultar da perda de soberania decretada por Merkel como preço a pagar pelos países excessivamente endividados.

Reconhece depois Beck que à divisão entre países da zona euro e países que não fazem parte da zona euro há que acrescentar, dentro da zona euro, a dramática divisão entre os que tiveram de recorrer ao “fundo de resgate”, ou que a ele em breve recorrerão, e os que financiam esse resgate, deixando claro que os primeiros não têm outra saída que não seja a sujeição às exigências do euronacionalismo alemão.

E, assim, o multilateralismo vai dando lugar ao unilateralismo; a igualdade à hegemonia; a soberania à ausência dela; o reconhecimento da dignidade democrática à privação desse reconhecimento. E, conclui, “mesmo a França, que durante muito tempo dominou a União Europeia, segue presentemente as prescrições de Berlim por receio de perder o triplo A”.

Segundo BecK, o futuro que germina no laboratório de salvamento do euro assemelha-se a uma variante europeia tardia da União Soviética. Tal como na URSS também agora há planos quinquenais com a diferença de que se não destinam à produção de bens e serviços mas à redução da dívida. E a sua aplicação é confiada a “comissários” que, com base nos “mecanismos de sanção”, estão habilitados a tudo fazer para destruir as “aldeias Potemkine” – obras de fachada, ou como diriam os nossos fiéis mandatários da Troika “uma economia alicerçada nos bens não transaccionáveis” - dos países endividados.

Finalmente, Beck sugere uma nova conduta das autoridades alemãs, de modo a evitar que tanto os cidadãos dos países endividados como os dos países credores passem a ver a Europa como um inimigo, para finalmente concluir que somente uma Europa dos cidadãos poderá salvar o projecto europeu.

Escusado será dizer que mais do que este voto piedoso do prestigiado sociólogo alemão – que não se vê como possa realizar-se – o que nesta análise interessa sublinhar é o projecto de hegemonia alemã que a propósito da crise da dívida, ou, mais correctamente, do euro, está sendo levado à prática com a vista à criação de uma “Europa alemã” e que tal como anteriores projectos vindos do mesmo lado, com a mesmo finalidade, também este estará condenado ao fracasso, acabando por arrastar no seu insucesso o projecto da “unidade europeia”.





4 comentários:

Anónimo disse...

"Também este estará condenado ao fracasso".

Haja esperança, que é ela que que vence o medo da derrota.
V

Miguel Serras Pereira disse...

Bom, se a Europa dos cidadãos é um vioto piedoso, não vejo porque o será menos um Portugal, ou Espanha ou Grécia, ou etc. dos cidadãos.
Acresce que se a Europa dos cidadãos significa alguma coisa, essa coisa não poderá ser senão uma sociedade de iguais, ou a caminho de o ser: tudo o resto é só "fumaça".
Ora, a proridade de uma transformação igualitária das instituições que nos governam, a sua democratização efectiva - da administração pública às empresas, das opções políticas gerais à paideia a adoptar, e assim por diante -, é, apesar de tudo, mais verosímil à escala europeia e através de uma reconstrução democrática da Europa, do que através do retrocesso às "independências nacionais" e às "soberanias plenas", servidas com os molhos patrióticos consabidos, que serviram de acompanhamento aos massacres de massa do século passado ou às diversas "balcanizações" e crispações tirânico-identitárias dos nossos dias.

Por fim, o que é, para mim, espantoso, é que V., JM Correia Pinto, a partir de uma análise como a que faz do "estado da questão social" chegue a conclusões que acabam, volens nolens, por a escamotear ou diluir. Tão espantoso como a oposição quase arrepiante que, no post anterior a este, o vemos estabelecer, ainda que implicitamente, entre liberdade e igualdade.

msp

Anónimo disse...

Se a Europa dos cidadãos é um voto piedoso, porque o será menos um Portugal, Espanha, Grécia dos cidadãos?
Essa é muito boa!
Porque Portugal, Espanha, Grécia existem.
E a Europa não...

A.M.

Anónimo disse...

Excelente comentario! Nao vale apena alimentar a esperanca, a Europa politicamente,geograficamente,economicamente e socialmente, nunca se unira por estas vias a nao ser...
Aqui,neste momento e agora so resolvemos o problem com a RUA e com um governo que nos servia! Assim por este caminho...teremos que encostar.. ali ao lado... e aprender o espanhol..( eu ja falo!)