quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A SUBSERVIÊNCIA EM POLÍTICA

O CASO PORTUGUÊS



Sem excessiva preocupação de rigor pode dizer-se que há fundamentalmente três tipos de subserviência em política.

Há uma primeira modalidade de subserviência, a que alguns chamam falsa subserviência, que ocorre quando o Estado que se considera superior, em princípio culturalmente muito superior, é derrotado militarmente por um Estado mais forte, o qual, não obstante a vitória alcançada, não reúne condições para dominar e integrar o Estado vencido.

Nesta modalidade o Estado vencido alimenta com falsa modéstia a vaidade do vencedor, ciente de que mais tarde ou mais cedo acabará por o “integrar” na sua civilização tal a diferença cultural que os separa.

Há quem pense que foi isto que se passou com a conquista da Grécia pela Macedónia e depois do “mundo helénico” por Roma. Contudo, o exemplo mais frequentemente indicado é o da China que desde tempos imemoriais sempre foi integrando os “vencedores” transformando-os em…chineses. Pelo menos terá sido assim até à chegada dos “bárbaros” do outro lado dos oceanos e à “guerra o ópio” cujas consequências, pela primeira vez, na história milenar da China, não deixaram dúvidas quanto à natureza da derrota.

A segunda modalidade de subserviência é a mais comum: é a que aceita servilmente as directrizes do mais forte na convicção de que quanto mais se identificar com ele maiores são as hipóteses de beneficiar de um tratamento de favor. É a lógica do “bom aluno” no sentido mais pejorativo do conceito. É a covardia política levada ao seu expoente máximo.

A terceira modalidade de subserviência surge por via da identidade ideológica entre Estados cujos governos perfilham a mesma a mesma “concepção do mundo”, sempre que existe uma extraordinária desproporção (em todos os domínios: demográfico; territorial; económico; militar; etc.) entre o Estado mais forte e o mais fraco. Se é certo que o permanente alinhamento do mais fraco pelo mais forte poderia, em princípio, ser imputado à mesma visão estratégica dos assuntos a tratar, a verdade é que raramente as coisas se passam assim. De facto, se mesmo nas ideologias que se reclamam dos mais saudáveis princípios da igualdade e da fraternidade entre os seus membros, o permanente alinhamento – ou o alinhamento em questões importantes – dos mais fracos pelos mais fortes leva a que o interesse estratégico daqueles seja repetidamente desprezado em benefício do mais poderoso, por maioria de razão acontecerá naquelas que fazem da competição e do domínio um dos traços mais marcantes da sua identidade.

Vem tudo isto a propósito do Memorandum assinado com a Troika e da sua execução pelo governo Passos Coelho. De facto, uma coisa é, para quem persegue dentro do sistema uma saída, ter de aceitar a imposição de um diktat por inexistência de alternativas e, principalmente, de meios para as tentar pôr em prática. Outra, completamente diferente, é o excesso de zelo e o exibicionismo com que tal programa é posto em obra por quem tem de o executar.

Há no caso português um misto da segunda e da terceira modalidades de subserviência, qual delas a mais perigosa. A segunda modalidade de subserviência é publicamente assumida pelos responsáveis políticos e a terceira, embora pareça não ser comum a todo o Governo, está todavia muito presente nas intervenções do seu responsável máximo e nas daqueles que, oriundos da chamada “sociedade civil”, ocupam as pastas chave da governação na actual conjuntura política – finanças, economia, saúde e educação.

De facto, parece haver algumas razões para supor que nem todo o CDS terá uma agenda tão fanaticamente neoliberal, apesar de os sectores mais liberais do partido também estarem representados no Governo, nem tão-pouco certos outros membros do PSD estarão tão incondicionalmente ao lado da “ortodoxia” neoliberal protagonizada pelo Ministro das Finanças. Alguns, porque o que realmente pretendem é aproveitar a passagem pelo poder para fazer negócios e ganhar influência, ora protegendo amigos antigos ora fazendo novos amigos; outros, porque temem que o excesso de fervor doutrinário acabe por socavar as bases do partido pela inevitável desgaste que tais medidas acabarão por ter no tecido económico mais frágil da economia portuguesa.

A junção daquelas duas modalidades de subserviência - a propriamente servil e a de base ideológica - na mesma entidade vai certamente acarretar prejuízos irreparáveis a Portugal e ao seu futuro, que ficará mais comprometido depois posto em prática o programa da Troika do que propriamente estava antes.

Entre esses danos irreparáveis estão as privatizações da TAP – um verdadeiro crime de lesa Pátria -, da RTP, da RER, das Águas de Portugal, dos CTT, da ANA, entre outras.

Numa altura em que a União Europeia caminha para o colapso e a desagregação da Europa é o cenário mais provável com o consequente surgimento dos seus conhecidos nacionalismos selvagens, a entrega a mãos estrangeiras de interesses estratégicos nacionais ou a sua liquidação pura e simples, como acontecerá no caso da TAP, exige que tais actos não possam ser praticados sem que aqueles que neles colaborarem conheçam de antemão as consequências futuras das suas condutas.

De facto, o aprovisionamento e a distribuição da água, o transporte da electricidade e de outros interesses estratégicos nacionais não podem ser referendados. Só por tontice política se pode sugerir ou pedir que tais medidas sejam decididas por referendo. Tais bens e o seu domínio exclusivo pertencem ao povo, à comunidade nacional e ponto! Não há discussão nem votação sobre isso. O que há a fazer por quem realmente está contra é deixar muito claro que tais empresas e os bens que constituem o objecto do seu negócio regressarão, na primeira mudança de governo a sério, ao património nacional sem qualquer indemnização!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

PASSOS COELHO: O SENTIDO DE UM DISCURSO

O VERDADEIRO OBJECTIVO DAS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE



Não se trata de uma expressão de desespero de quem critica, mas antes de uma constatação que os factos comprovam e a história ensina: a política que está a ser posta em prática pelo governo português conduzirá necessariamente ao desastre. Conduzirá a uma situação idêntica à da Grécia por maior que seja o esforço para tornar as duas situações diferentes.

O ponto basilar das respectivas situações é o seguinte: os apertados programas de austeridade que a Alemanha pôs em prática, sob a ameaça, em caso de incumprimento, de cessação dos meios financeiros, estão a dar lugar, como não poderia deixar de ser, à estagnação económica dos países que os aplicam e logo depois à recessão.

A defesa obstinada do cumprimento de tais programas por parte daqueles que a eles estão sujeitos ainda agrava mais a situação. Impedidos, por razões de política interna, de cortar drasticamente de uma só vez muitas das despesas que gostariam de ver eliminadas, tais governos, como é o caso do português, têm necessariamente de recorrer ao aumento dos impostos para assegurar as metas convencionadas. Quanto mais os impostos, directos e indirectos, sobem, mais a procura interna diminui, menos crescem as receitas e mais necessários se tornam cortes imediatos na despesa.

Com a procura interna a diminuir drasticamente, diminui ou estagna o investimento, tanto o nacional como o internacional, aumentando consequentemente o desemprego. Restam as exportações que, como se sabe, dependem tanto de quem compra como de quem vende. Ou seja, resta a incerteza, de qualquer modo elas constituem um vector sempre insuficiente de relançamento do crescimento se outros não actuarem no mesmo sentido.

Sem crescimento da economia, os juros da dívida sobem e a possibilidade de angariar dinheiro nos mercados torna-se uma miragem, a não ser a preços absolutamente proibitivos. E sem dinheiro dos mercados, a única solução, antes da falência, é continuar a pedir dinheiro à Troika que irá pondo mais dificuldades para o conceder ou impondo condições cada vez mais condizentes com os reais objectivos políticos que tem em vista.

Ora isto, ou seja, as dificuldades que já antevêem não têm nada a ver com a Grécia, contrariamente ao que diz o Primeiro Ministro. Tem a ver, na sua génese, com a zona euro e com a situação criada pela moeda única e, mais tarde, ou seja, agora, com as políticas de austeridade impostas para combater a chamada “crise da dívida”. Que não é apenas uma crise do Estado português, como falsamente se afirma. É uma crise da economia portuguesa no seu conjunto, nomeadamente do sector privado, a começar pelo sistema bancário.

 É igualmente falso, contrariamente ao propalado por certos economistas, que a crise do sector privado tenha sido impulsionada e potenciada pela crise da dívida pública. Pelo contrário, foi a incapacidade competitiva de largos sectores do aparelho produtivo português que impeliu o Estado para investimentos em infra-estruturas em grande escala exactamente para lhe proporcionar actividades e lucros em áreas protegidas da concorrência, além obviamente do alto apelo ao consumo, nomeadamente de bens importados, promovido, em última instância, pelo sector bancário, mediante a concessão de crédito barato com dinheiro emprestado pelo estrangeiro.

Fechado este parênteses, importa dizer que há da parte de alguns economistas, e de políticos que defendem as políticas de austeridade em curso, a convicção de que elas trarão no futuro resultados positivos. Interessa porém averiguar que tipo de resultados são estes. Se há alguns que acreditam que tais políticas acabarão por gerar um clima de confiança interno e internacional capaz de fazer reverter a situação - a tal “fada da confiança” que em situações económicas similares nunca apareceu a ninguém na história do capitalismo e também não vai aparecer em Portugal nem que seja por obra e graça de um “quarto segredo de Fátima” – outros há, e serão porventura a maioria, que defendem estas políticas porque têm plena consciência de que elas acabarão por produzir um resultado completamente diferente do que publicamente alardeiam.

O objectivo dos ideólogos, escondidos sob o “manto diáfano” da competência técnica, como Vítor Gaspar e outros membros deste Governo, a começar por Passos Coelho, é o lançamento irreversível das bases económicas que permitam construir um outro modelo de sociedade. Um modelo que nada tem de novo – um modelo repescado do que começou a ser posto em prática, com outros meios e noutras conjunturas, principalmente a partir das últimas duas décadas do século XIX com o desenvolvimento do capitalismo è escala transnacional. Numa palavra o que hoje se pretende é: assegurar ao capital a maior liberdade de movimentos, fazer regressar o trabalho à condição de mercadoria igual a qualquer outra e reconduzir o Estado ao exercício de funções mínimas: defesa da propriedade e garantia da liberdade de acção dos titulares dos meios de produção. E mais uma ou outra função imposta pelas específicas situações do tempo presente.

A entrevista de Nuno Crato à RTP, na semana passada, embora expressa com muitas cautelas, foi suficientemente eloquente acerca do que está na mente dos governantes quanto ao futuro da educação em Portugal - um dos sectores onde se pretende introduzir profundas alterações estruturais. Traído apenas quando mostrou a sua preferência pelo modelo de escola – a escola anglo-saxónica -, Nuno Crato deixou bem claro para quem o quis entender que o actual modelo de ensino público não tem futuro, embora a sua substituição pelo que está na mente dos governantes não seja trabalho para apenas uma legislatura e, menos ainda, em tempo de crise.

A incomodidade de Crato face à excelência das instalações das novas escolas era evidente. Tão evidente quanto a de Passos Coelho na inauguração do ano escolar no distrito de Viseu. Muito mais do que o dinheiro necessário para assegurar a manutenção daquele tipo de escolas, percebe-se que o desconforto de um e de outro é acima de tudo ideológico: quem nada paga não deve ter direito a instalações tão boas. A excelência das instalações deve ficar reservada a quem tiver dinheiro para as frequentar, logo à iniciativa privada.

A tal liberdade de escolha de que o Ministro tanto falou só pode ser, como é óbvio, a liberdade de quem tem dinheiro. Quem tem dinheiro, escolherá o que é bom e pagará por isso. Quem não o tem, terá de contentar-se com o que lhe derem! Não será, por isso, exagerado vaticinar que a algumas das escolas públicas, nomeadamente as que estão dotadas de excelentes instalações, possa acontecer o que está acontecendo com outras actividades do Estado: serem entregues à iniciativa privada mediante um qualquer processo de privatização. Tudo dependerá das potencialidades do negócio…

Pois bem, contra isto que se está a passar não há dentro do sistema respostas substancialmente diferentes daquelas que estão a ser dadas, pelo menos enquanto não voltar a haver dinheiro muito barato. Aparte um ou exagero por excesso de zelo, o programa da Troika, aplicado com mais ou menos flexibilidade, levará necessariamente às mesmas consequências. Ele constitui um verdadeiro colete-de-forças para a economia portuguesa e a sua execução tem em vista a institucionalização de um modelo de sociedade diferente do que hoje temos. Tal modelo irá sendo posto em execução na Europa pela ordem inversa das potencialidades económicas das respectivas economias. As mais fortes resistirão mais tempo à destruição do essencial do estado social. As mais fracas vão ter de abdicar num gradualismo crescente ao essencial desse estado de bem-estar no ensino, na saúde, no emprego, na segurança social e na saúde.

Claro que as alternativas existem. Mas fora do sistema, não dentro. Por isso não serão fáceis de pôr em prática e levarão anos a consolidar-se…

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

AUTONOMIA REGIONAL: MUITOS PODERES, POUCAS OBRIGAÇÕES

O QUE SE ESPERA DA AR E DO  PR

O regime das regiões autónomas em Portugal ou das regiões em Espanha, para citar um exemplo geograficamente próximo, está constitucionalmente delineado nas respectivas Constituições e Estatutos numa perspectiva que facilita ou até incita à irresponsabilidade. Há muitos direitos e poucas obrigações. Não está de forma alguma em causa a transferência de poderes da mais variada espécie para as regiões, alguns dos quais até soberanos. Pelo menos, em Portugal não está. Em Espanha a situação poderá ser – e certamente é – diferente. O que está em causa é que essa transferência de poderes não seja acompanhada das correspondentes obrigações, em termos tais que o seu incumprimento se reflicta apenas e só sobre a região que as viola.

Se tal não se afigurar juridicamente possível – e admite-se, pelo menos em certos domínios, que nem sempre seria possível configurar o princípio da unidade do Estado com tais consequências - terá de encontrar-se um meio de impedir que o prevaricador possa politicamente ficar impune ao abrigo dos privilégios do poder regional.

No governo da República - governo em sentido amplo - o Presidente da República pode demitir o Governo – órgão de soberania – quando tal se torne necessário ao regular funcionamento das instituições. Demitindo o Governo, o PR pode, sem dissolver o Parlamento, nomear um outro Primeiro Ministro, nos termos do artigo 187.º da Constituição. Para não acontecer o que já sucedeu nos primeiros anos da democracia saída do 25 de Abril, o PR começa por indigitar o PM e só depois de este lhe dar garantias de que conseguirá formar Governo, o nomeará formalmente. Se o indigitado não conseguir formar Governo, o PR pode ainda, se politicamente achar esse caminho viável, indigitar outra personalidade. Se depois dessa insistência o indigitado não conseguir formar governo, o mais provável é que o PR dissolva o Parlamento e marque eleições legislativas.

A demissão do governo por irregular funcionamento das instituições – situação que em Portugal nunca ocorreu – seguida de eleições legislativas não garante que o responsável pelo governo exonerado não volte a ganhar as eleições e o PR se veja de novo confrontado com a “quase obrigação” de o nomear Primeiro Ministro.

É, porém, verdade que se o irregular funcionamento das instituições, que determinou a demissão do Governo, for de tal modo grave que de forma alguma aconselhe a nomeação da mesma personalidade para o cargo de Primeiro Ministro, o PR, sem desrespeitar os resultados eleitorais, poderia recusar-se a indigitar a personalidade que antes demitiu, independentemente da “legitimidade” readquirida em novas eleições. O mais provável é que o não faça. Assim como também é muito provável que no contexto nacional tal situação não ocorra, já que os eleitores, actuando sem os constrangimentos típicos dos “pequenos espaços”, tendem a punir pelo voto o partido dos anteriores governantes.

Claro que estamos a falar de situações graves e inequívocas e não de “tricas” ou de disputas políticas entre o PR e o PM, pois, neste o caso, o mais provável até seria que o Presidente “desrespeitado” nas urnas se visse compelido à demissão.

Nas regiões autónomas, o regime jurídico é muito diferente. O PR não pode demitir o presidente de um governo regional por irregular funcionamento das instituições, apesar de lhe competir a ele - Presidente da República - assegurar o regular funcionamento das instituições em todo o território nacional. E o representante da República tão-pouco o pode fazer. O PR pode dissolver a Assembleia Regional e por essa via provocar eleições, mas já não pode impedir que aquele que até então chefiava o Governo a ele regresse, na mesma qualidade, se o seu partido vencer as eleições. Teoricamente, podê-lo-ia fazer o representante da República já que é ele nomeia o presidente do governo regional, tendo em conta os resultados eleitorais. Mas se ninguém, salvo o parlamento regional, pode exonerar o presidente regional, como poderia o representante da República deixar de nomear o chefe do partido mais votado, mesmo que esse seja aquele que politicamente, por motivos graves, levou o PR a dissolver a Assembleia Legislativa Regional?

A inexistência de um sistema de controlo político em última instância, propicia, num regime teoricamente democrático, a prática, pelos presidentes dos governos regionais, desde que tenham maioria parlamentar, de verdadeiras tiranias (no sentido político-filosófico do termo) sem qualquer tipo de sanção política, apesar de tais práticas poderem ser altamente prejudiciais para muitíssimas pessoas que nada tem a ver com a respectiva região, nem nada podem fazer para inverter o seu rumo político.

O poder que antes existia de dissolução dos órgãos de governo das regiões autónomas por prática de graves actos contrários à Constituição desapareceu, em homenagem ao princípio da autonomia. O exercício deste poder, embora teoricamente não impedisse, em nova eleições, a vitória dos mesmos governantes que antes praticaram actos graves contrários à Constituição, tinha pela sua natureza excepcional e pela gravidade do seu exercício um indiscutível efeito dissuasório sobre o eleitorado que, por mais constrangido que estivesse nas suas escolhas, seria levado a pensar duas vezes antes de votar.

Tudo isto tem a ver com o que se passou na Madeira. Atenção: não está necessariamente em causa a dívida, apesar de os seus limites máximos estarem juridicamente regulados. Não está em causa a situação aqui tantas vezes aludida de o capital, por falta de competitividade no quadro comunitário aberto, se ter refugiado nas actividades onde não tem de sofrer a acção da concorrência dos mais fortes. Não é isso que está em causa: aquela consequência é uma inevitabilidade do sistema no caso de haver dinheiro barato à disposição de quem dele precisa… É uma inevitabilidade pelo menos até o sistema rebentar, seja por falta de liquidez, seja, posteriormente, por insolvência. Mas isso já é outra conversa.

Nem sequer está em causa, para quem já se habituou a conviver dentro do sistema, o regime de compadrio e nepotismo que existe por todo o lado, principalmente no âmbito do poder descentralizado, pelo menos enquanto não cair sob a alçada da Justiça. Até lá – um lá que, como se sabe, nunca ou quase nunca chega – só os eleitores podem obviar a esse mal, já que os políticos que exercem funções de supervisão sem “provas” - as famosas provas – nunca actuam. E mesmo os eleitores só o farão se não estiverem completamente condicionados pelo poder a que estão submetidos. Por múltiplas razões, desde a sua dependência económica do Governo à convicção de que a mudança lhes seria altamente prejudicial.

Digamos, magnanimamente, que, no caso da Madeira, não está em causa o que já seria muito grave. O que está em causa, na Madeira, é o facto de a dívida ter sido dolosamente escondida e de o próprio prevaricador se vangloriar agora, eleitoral e politicamente, do acto que cometeu. Podem entretanto já lhe ter recomendado que faça a maquilhagem das suas declarações. Mas isso de nada vale. Toda a gente ouviu o que disse Jardim e a convicção com que o fez. Para o Presidente do Governo Regional da Madeira o acto, os múltiplos actos praticados ao longo dos anos, de ocultação dolosa da dívida, tem uma justificação política e moral irrecusável.

Ora, isto é politicamente inaceitável. Exige-se por isso que os dois órgãos de soberania directamente provenientes do voto popular tomem sobre o assunto uma posição. Uma posição inequívoca que, tendo em conta tudo o que se passou, e os reais prejuízos que a irresponsável conduta causará a milhões de portugueses, declare Jardim uma personalidade politicamente non grata!

Não adianta estar a pedir ao PM que faça isto ou aquilo, porque faça o PM o que fizer – e não é de acreditar que faça muito mais do que já fez – a sua acção terá sempre pouca força. Essa força só pode provir dos órgãos verdadeiramente representativos. É desses, da Assembleia da República e da maioria que a domina, e de Cavaco Silva, como Presidente da República, que se espera uma decisão e a consequente actuação - uma actuação politicamente de tão graves consequências como uma moção de censura ou a exoneração do Governo.

É simplesmente inadmissível que perante actos desta gravidade o Presidente da República se limite a apelar à coesão nacional ou falar em falhas de comunicação das autoridades da Madeira ao INE e ao BP. Como é possível que Cavaco, sempre tão interventivo em questões da dívida – da dívida ostensiva, não escondida – nada mais tenha a dizer sobre a situação da Madeira? Como é possível que Cavaco Silva que em Julho do ano passado se não coibiu de sobressaltar os portugueses, despertando-os da sua dormência estival, para lhes falar acaloradamente de uma questão menor do Estatuto político administrativo dos Açores, e agora nada mais tenha a dizer sobre o que se passou na Madeira?

Em conclusão: tanto o PR como a AR têm de actuar politicamente; se nada fizerem e se limitarem a deixar correr a situação dificilmente, aos olhos dos portugueses, deixarão de ser politicamente tão responsáveis como Jardim!

domingo, 18 de setembro de 2011

VIVA A GRÉCIA!

QUASE CERTA FALÊNCIA CONTROLADA DA GRÉCIA

Já não há qualquer espécie de dúvidas de que a opinião pública alemã, completamente orientada por uma imprensa reaccionária e revanchista, quer eliminar do euro certos países ou então afastar a Alemanha dessas más companhias.

É claramente o que pensam os filhos e os netos dos nazis da Baviera, agora com nome CSU, e mais aqueles que se acolhem no CDU ou no FPD. São hoje como foram ontem. Ou talvez melhor: nunca deixaram de ser o que foram porque a desnazificação nunca passou de uma história mal contada. Eram tantos e tantos, e por todo lado, que, com excepção dos grandes “chefões” e dos criminosos mais conhecidos, todos ficaram onde estavam. Como substituí-los se todos estavam comprometidos? Substitui-los por quem?

O tempo passou, os nazis foram pela lei da vida desaparecendo, mas o clima que os criou, agudizado em tempos de crise, continua presente numa sociedade que, não obstante todas as expiações a que hipocritamente se submeteu, não deixa de olhar para outros em função da raça. E é esse preconceito racial, agora disfarçado de preconceito cultural, que permanece presente na sociedade alemã quando se trata de encontrar um compromisso que pressuponha a aceitação da diferença.

Quando Merkel diz que o multiculturalismo falhou, o que quer ela dizer? Muito simplesmente que os turcos nascidos na Alemanha se não tornaram alemães como ela gostariam que acontecesse. É exactamente o mesmo raciocínio que agora a afasta dos gregos e que amanhã a afastará dos portugueses não obstante o servilismo que rodeia a relação oficial com ela. Também aqui, na União Europeia, na zona euro, ela esperaria que todos nos tornássemos alemães. Pois é: mas não somos, nem queremos ser!

Apesar de todos os alertas, dos apelos angustiados que se vão ouvindo principalmente da parte daqueles que já desempenharam altas funções na Europa, a crise caminha para um beco sem saída. Bem pode Merkel, depois de ter admitido a “falência controlada” da Grécia ou de o seu Ministro da Economia ter mesmo admitido a saída da Grécia do euro, encontrar-se pela enésima vez com Sarkozy para mais umas fotografias e umas tantas frases soltas sobre a viabilidade do euro e permanência da Grécia nele, que nada disso contribuirá, um milímetro que seja, para a solução da crise.

Enquanto persistir a imposição dos severos programas de austeridade fiscalizados pelos gauleiters do neoliberalismo os países endividados estarão condenados a acrescentar crise à crise, sem qualquer hipótese de crescimento.

A última reunião dos ministros das Finanças, em Wroclaw, com a presença do Secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, não poderia ser mais elucidativa. O desentendimento entre os “patrões” da zona euro e a administração americana é total. Há visões muito diferentes, de um e do outro lado do Atlântico, sobre como fazer face à crise do euro. Os americanos parecem recear que a falência de um país da zona euro alastre até aos seus domínios, enquanto do lado de cá o objectivo primeiro continua a ser o de fazer vergar a Grécia…ou criar-lhe um situação que a obrigue a abandonar o euro, o que se torna, em qualquer dos casos, cada vez mais provável por inviabilidade prática de corresponder às exigências que lhe fazem.

Imagine-se que para além de todas as dificuldades que a Alemanha tem levantado com vista a impedir a remessa da sexta tranche (cerca de 8 mil milhões de euros) da ajuda em curso, aparece agora a Finlândia, apoiada pela Eslováquia, a Holanda e a Áustria, a exigir à Grécia garantias (depósito de dinheiro (!!!), bens imobiliários, etc.) de reembolso pela parte do empréstimo pelo qual se responsabilizará.

É evidente que nada disto pode ser entendido à letra. O que os “verdadeiros finlandeses”, os selvagens neoliberais de Bratislava e os incorrigíveis austríacos realmente querem é a falência da Grécia e a subsequente saída do euro. Aliás, a Eslováquia, pela voz dos neoliberais (SaS), di-lo expressamente.

Como tanto os “verdadeiros finlandeses” de Timo Soini, como os neoliberais de Richard Sulik não representam senão uma pequena parcela dos respectivos eleitorados (19% e 12,5%), é caso para perguntar que “força é essa” que lhes permite congelar um empréstimo absolutamente decisivo para o futuro próximo da Grécia.

Curiosamente, com excepção da Holanda, os países que estão levantando dificuldades suplementares na concessão do empréstimo são antigos aliados da Alemanha nazi. Coincidências? Em política não há coincidências…

Por tudo isto torna-se cada vez mais incompreensível – e mais ainda depois das “ajudas” de Jardim – que os governantes portugueses continuem orgulhososamente a demarcar Portugal da Grécia, numa espécie de delação de segunda categoria,  como ainda ontem se ouviu a Passos Coelho e hoje a Portas e a Cavaco.

Enfim, as coisas estão cada vez mais claras: os cordeirinhos sacrificiais que sob a pele do “bom aluno” esperam escapar, dessolidarizando-se dos que se encontram na mesma situação e indo além do que conjunturalmente lhes é exigido, que se cuidem…Serão os próximos…

Espantoso é também que ninguém fale da Irlanda. Não falam em Bruxelas nem em Berlim os patrões do dinheiro, não falam os jornalistas nos jornais nem nas televisões, apesar de o défice da Irlanda ser o dobro do da Grécia - mais de 32%. E de a dívida ser também colossal para utilizar uma expressão tão cara aos nossos governantes.

A razão é muito simples: é que o défice da Irlanda foi contraído para salvar os bancos em consequência da “borbulha” imobiliária - uma constante da cultura neoliberal - que só se tornou um “pecado” porque rebentou. É essa sua génese que quase o torna virtuoso para a gente de Bruxelas e de Berlim, não obstante o seu extraordinário montante.

Verdadeiramente, o que eles reprovam, o que eles invejam, é o estilo de vida dos gregos. O sol, as praias, as esplanadas, as ilhas, aquela convivência serena com os deuses. O que eles não aceitam é que os próprios deuses tenham sido criados à imagem e semelhança dos homens. Sem imperativos categóricos nem máximas calvinistas. Sem verdades absolutas em nome das quais se combate a religião do outro, se discrimina, se extermina até, se necessário for. É isso que os bárbaros não aceitam. Viva a Grécia!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

JARDIM E AS CONTAS ESCONDIDAS





E, AGORA, ONDE VÃO BUSCAR O DINHEIRO?



A primeira grande demonstração de “solidariedade europeia” que por estas bandas se costuma ouvir, principalmente - mas não só - nas instâncias políticas dirigentes, quando no contexto da situação portuguesa se aborda a crise do euro (a que servilmente chamam crise da dívida) , consiste, a propósito ou a despropósito, em declarar bem alto, para ser ouvido em Berlim e em Bruxelas: “Nós não somos a Grécia”.

Com esta imbecil declaração pretendem, dentro da tal lógica do "bom aluno", captar as boas graças de quem manda, sugerindo um regime de excepção justificado por “bom comportamento” com completo desprezo pelas consequências que tais declarações possam ter sobre a situação da Grécia.

Independentemente de a situação grega ter no essencial as mesmas causas que determinam a crise noutros países periféricos, não é de excluir que a existência de causas específicas possam ter concorrido para a situação existente. Causas a que a populista imprensa europeia não se tem cansado de atribuir grande relevo, a ponto de tais causas , com a passagem do tempo, terem passado a ser consideradas pela generalidade da comunicação social como as verdadeiras causas da crise grega. Basta recordar as reportagens na RTP da panfletária Sandra Felgueiras para logo se perceber até que ponto as grandes centrais da desinformação europeia já “meteram na cabeça” da imprensa aquilo que elas querem que ela diga e escreva.

Pois bem: agora temos a “Grécia em casa”. Os ingleses, e outros, já falam na Madeira como a “ilha desonesta”. Nada que não se soubesse. Toda a gente sabia que a Madeira gastava muitíssimo mais do que aquilo que tinha. A única dúvida estava em saber quanto devia. Sabia-se que era muito, mas não se sabia – nem ainda se sabe com rigor – quanto.

Tudo começou, quando, no actual contexto de “aperto financeiro”, Jardim deixou de ter dinheiro para cumprir os compromissos correntes. Entre optar pelo insulto e pela chantagem (que cada vez vale menos…ou mesmo nada) como tantas vezes tem feito e lançar um angustiante SOS, Jardim, contando com as cumplicidades partidárias do continente, optou por esta última via, convencido que esse seria o melhor caminho para “sacar mais algum”.

Acontece que por incontornáveis razões objectivas a situação que hoje por cá se vive é muito diferente daquela com que Jardim estava habituado a conviver. E aquele SOS levou os “fiscais” do neoliberalismo, com tenda montada em Portugal, a exigir do Ministro das Finanças uma avaliação rigorosa da dívida da Madeira. É de crer que essa avaliação ainda não esteja concluída, mas o que já foi descoberto dá para entender que a dívida da Madeira é “colossal” quando comparada com a do continente.

Agora, o que interessa saber é quem a paga e como. E não se ouvem sobre este assunto declarações tranquilizantes.  O que se ouve é dizer que na Madeira há “obra”, que ela se vê e que a Madeira é hoje muito diferente do que era há trinta anos atrás.

Tudo isso é verdade, como igualmente é verdade que o mesmo se passa no continente. Também por cá não há qualquer semelhança, em matéria de infra-estruturas e serviços prestados ao cidadão, entre o que hoje existe e o que existia há quinze anos, com a diferença de, há pouco mais de dez anos, a dívida da Madeira ter sido absorvida pelo continente, o mesmo é dizer perdoada.

Portanto, esse argumento não pode ser utilizado por aqueles que diabolizaram a despesa e que por via de uma campanha sem precedentes a identificaram com o desperdício. É desses mesmos, dos Passos Coelho, das Ferreira Leite, dos Cavaco e dos economistas de meia tigela que regularmente debitam banalidades ideológicas na televisão que nós queremos agora que digam quem paga a conta da Madeira.

Habituados por covardia ou cumplicidade política a calarem-se ou até a apoiarem os desmandos de Jardim, é agora chegada a ocasião de sem meias palavras dizerem o que pensam disto e como deve a questão ser resolvida.

Até agora ainda não se ouviu nada que vala a pena reter…

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

AINDA A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO LIMITE DO DÉFICE

INDÍCIOS PREOCUPANTES




O PSD pela voz de Passos Coelho insiste na constitucionalização do limite do défice. Deixa cair a revisão constitucional para mais tarde, mas insiste numa revisão urgente circunscrita à introdução daquele normativo. E invoca o exemplo de Espanha. O PS hesita. Aparentemente o PS não tem posição sobre o assunto. Seguro diz que é preciso ouvir os órgãos do partido.

Incrível: o PS acaba de realizar um Congresso. Um Congresso que o novo Secretário Geral apelidou de inovador. E na moção de estratégia do SG não há uma palavra sobre o assunto. Por outras palavras: a experiência diz que quando o PS em questões fundamentais não tem posição significa que tem a posição do PSD. Mesmo quando tem, muitas vezes cede, quanto mais quando não tem.

Este é assunto de grande responsabilidade. O futuro do modelo de sociedade a institucionalizar em Portugal depende da constitucionalização ou não daquele princípio. Já aqui foi detalhadamente explicado que será por essa via que se limitarão as despesas do Estado social em áreas tão importantes como a saúde, a segurança social e o ensino. Como também já foi dito, o aumento extraordinário de impostos a que o governo recorreu no ano em curso foi uma medida excepcional, de emergência, para fazer face a uma situação a que não poderia acudir de outro modo.

A doutrina neoliberal vai exactamente no sentido oposto: diminuir os impostos aos ricos e cortar drasticamente nas despesas sociais, entregando aos privados, a título lucrativo, as tarefas que antes eram desempenhadas pelo Estado.

Só não percebe isto que não percebe nada do que se está a passar. Aliás, a Troika, fiscal do pensamento neoliberal, foi muito clara: nada de mais impostos; diminuição da despesa.

O exemplo espanhol é um mau exemplo; um péssimo exemplo; tanto política como economicamente. Se o PS pretende louvar-se nele acontecer-lhe-á ainda pior do que vai acontecer ao PSOE em Novembro. Ficará por muitos e muitos anos arredado do poder…

Aliás, o fundamento invocado por Zapatero não vale nada economicamente falando. Os mercados não se “acalmam” com a constitucionalização dos limites do défice. Os mercados “acalmam-se” quando o peso da dívida (tecnicamente: o serviço da dívida) se tornar sustentável. E isso só acontece se as economias dos Estados endividados crescerem…com défice ou sem défice.

A exigência de constitucionalização não é dos mercados, mas de Merkel, que busca por esta via garantias suplementares de cumprimento do PAC, para acalmar a sua opinião pública. Aliás, não deixa de ser curioso este zelo alemão pelo cumprimento das normas jurídicas. O mesmo zelo que reputados juristas nazis passaram a demonstrar no dia seguinte à derrota, a ponto de se terem tornado, alguns deles, nos grandes corifeus do direito natural! Ironias...

Ao PS cabe escolher o que quer para Portugal: ou uma regra que a curto prazo inviabilizará o que ainda resta do Estado social …ou a aquilo a que próprio PS já chamou a institucionalização do “cartão de pobre”, como ersatz neoliberal do Estado social. E a Seguro cabe-lhe igualmente escolher se quer ser o “Constâncio” de Passos Coelho (como aqui já foi vaticinado) ou se quer realmente abrir uma nova era para o Partido Socialista.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O BECO SEM SAÍDA DA AUSTERIDADE

A POSIÇÃO DO PS


 

O caminho que Portugal iniciou desde que ficou subordinado aos ditames da Troika é o mesmo que levou a Grécia à situação em quer se encontra. A história de todas as ortodoxias está recheada de episódios que eloquentemente negam a verdade que os ortodoxos defendem.

Com a crise do euro passa-se o mesmo. Qualquer pessoa descomprometida com a ortodoxia dominante sabe que os programas de austeridade impostos aos países devedores da zona euro agravam a sua situação económica e tornam inevitável a bancarrota. Pois se não há crescimento, se há recessão e se o rendimento das pessoas diminui e o desemprego aumenta como se poderá pagar o que se deve? Não pode. Só mesmo a cegueira ideológica pode dizer o contrário.

Infelizmente, em Portugal, o PS não se demarcou desta lógica e continua agarrado a compromissos que, a manterem-se, arrastarão o país para a catástrofe. E, bem vistas as coisas, não há hoje qualquer razão para se manter fiel àquilo com que ontem entendeu concordar.

De facto, não faltam argumentos ao PS para se distanciar do Memorandum. O PS não precisa de inventar nada, precisa apenas de reiterar aquelas que sempre foram, pelo menos no plano retórico, as suas posições sobre a forma de combater a crise: compatibilizar as políticas restritivas com as políticas de crescimento por via do investimento público.

Independentemente das muitas razões de crítica que possa haver quanto à incidência daquelas políticas restritivas e também das muitas reservas quanto às opções de investimento adoptadas bem como à sua execução, o que interessaria agora sublinhar era o princípio então defendido. Depois, o PS pode também afirmar que no Governo sempre manifestou a vontade de recusar a entrada do FMI no país contra o que então já era a vontade declarada do PSD e outras instâncias dirigentes. E retomar ainda o argumento de que somente num contexto de emergência financeira, originado pela recusa do PEC IV, se viu obrigado a assinar o Memorandum de Entendimento.

Volvidos alguns meses de execução daquele Memorandum pelo Governo PSD/CDS, o PS já dispõe de elementos suficientes para saber que a política económica nele imposta, independentemente de quem a execute, levará o país à ruína pela via da chamada profecia auto-cumprida.

De nada adianta continuar a insistir no estúpido argumento de que Portugal não é a Grécia, porque o que está em jogo nesta crise não se decide, nem depende de julgamentos morais sobre comportamentos passados, mas antes tem a ver com uma verdade bem mais prosaica que simplesmente nos diz que é impossível pagar a dívida sem crescimento económico e até sem alguma inflação. Só dando concretização prática a esta verdade, isto é, só invertendo o grau de probabilidade de reembolso dos credores relativamente ao que hoje existe, será possível “acalmar” os mercados.

Continuando a defender as políticas económicas decorrentes do Memorandum, o PS não se demarca um milímetro da acção governativa, nem tão-pouco se compreende em que consiste a nova atitude do Partido quanto à condução política nacional tão insistentemente anunciada no Congresso de Braga por António José Seguro. De facto, para além da insistente demarcação subliminar relativa à direcção política do PS no passado recente, pouco mais fica de verdadeiramente inovador quanto ao que realmente interessa. Poderá haver diferenças de imagem, mas essas só interessam ao novo Secretário Geral do Partido, nomeadamente na sua relação com a imprensa, mas pouco ou mesmo nada aos portugueses.

Assim sendo, o grande desafio que se coloca ao PS nos tempos mais próximos é sua posição relativamente às políticas do Memorandum: ou rompe com elas ou continua a apoiá-las qualquer que seja a fraseologia com que tenta disfarçar esse apoio.

Aliás, o PS parece ter memória curta. Se o PS rompesse com o apoio ao Governo na execução da política ditada pela Troika não faria nada de radicalmente muito diferente do que fez Cavaco Silva quando ganhou o congresso do PSD na Figueira da Foz. Também ele acabou com o governo do Bloco Central que era, por assim dizer, o fiel executante do acordo alcançado com o FMI.

É verdade que as situações são diferentes e que Cavaco quando rompeu já sabia dos milhões que vinham a caminho e que lhe permitiriam marcar uma diferença assinalável relativamente à situação anterior, pelo menos enquanto a “festa” durasse: passar da pelintrice à falsa prosperidade. Hoje exige-se mais. Exige-se a coragem de romper com uma política que não dá o menor sinal de poder vir a alterar-se. De facto, tudo indica que das várias hipóteses que teoricamente se perfilam quanto ao futuro da UE as preferidas por Berlim são claramente aquelas que lhe permitam separar-se do contágio das más companhias - afastando-as ou afastando-se.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O EURO À BEIRA DO COLAPSO



QUANTO MAIS TEMPO VAI DURAR ISTO?

 As chamadas construções “voluntaristas” estão sempre, mais tarde ou mais cedo, votadas ao fracasso. A História tem-no demonstrado com um número exuberante de exemplos a que ninguém costuma dar atenção, salvo quando a situação já se tornou irremediável.
A criação da moeda única europeia é um desses “voluntarismos” construídos à revelia de toda a lógica política e até económica. Percebeu-se - melhor, a França percebeu - que o fim do comunismo na Europa tornava inevitável a reunificação alemã e que esta, mais cedo ou mais tarde, faria da Alemanha um Estado verdadeiramente independente.
Mais: desta vez, por força de todas as circunstâncias que rodearam o fim da II Segunda Guerra Mundial, o tal Estado do “meio da Europa”, que por várias vezes tinha emergido e outras tantas sucumbido, seria um Estado fortíssimo economicamente. Um Estado como antes nunca tinha havido.
E percebeu-se também que a guerra como modo tradicional de resolver os conflitos políticos estava definitivamente afastada entre Estados muito poderosos pela devastação que os novos meios bélicos, à disposição desses Estados, necessariamente causariam aos respectivos contendores.
Essa a razão porque, perante várias inevitabilidades, a França entendeu que a moeda única seria o meio mais adequado para “acantonar” a Alemanha no novo quadro político criado pela desagregação da União Soviética. Pensou-se que da criação de uma moeda única, a culminar a construção de um grande mercado interno, resultaria uma tal teia de ligações entre os membros da Comunidade Europeia, doravante também chamada União, posto que sem natureza federativa, que tornaria indissolúvel a “construção” assim criada e seria, por via dela, possível manter politicamente as coisas na Europa de modo sensivelmente idêntico ao que existira desde fim da II Guerra Mundial, ou mas precisamente, desde 1958 até então.
A construção assim criada veio a revelar-se, ao fim de pouco mais de dez anos, não só artificial, porque não assentava em qualquer base política séria capaz de lhe assegurar consistência, como economicamente calamitosa pelas desigualdades que acentuava e os desequilíbrios que consolidava, embora os dois aspectos estejam indissociavelmente ligados.
Quando as consequências desta construção artificial começaram a aflorar à luz do dia e pouco depois a manifestar-se com a crueza que os factos hoje revelam, começou por se dizer que cada um deveria cuidar de si e que as situações verificadas mais não eram do que o resultado de mentalidades culturalmente impreparadas, financeiramente indisciplinadas e economicamente incapazes de se integrarem num grandioso projecto de conjunto. Pouco depois começou a haver a percepção, sem que contudo as censuras morais tivessem terminado, de que as tais situações indiciadoras de profundos desequilíbrios se não fossem de algum modo ”atalhadas” nas suas consequências mais graves poderiam afectar a própria estabilidade do conjunto que corria o risco de ruir como um castelo de cartas.
Optou-se então por medidas de natureza paliativa, mesmo assim acompanhadas de severas restrições que, mais do que “disciplinar e educar” os "prevaricadores", apenas serviam para acentuar e agravar ainda mais os tais desequilíbrios.
E como tais desequilíbrios, inicialmente circunscritos aos países mais pequenos e economicamente pouco representativos, passaram a manifestar-se nas grandes economias, com o risco de alastrar a quase todas, com excepção de apenas quatro, estas – ou melhor, a mais forte destas - a Alemanha -, começou a dar sinais cada vez mais evidentes de já ter um plano B susceptível, embora com algum prejuízo, de rapidamente ser posto em prática para evitar o que a sua opinião pública considera ser um prejuízo muito maior: o pagamento das dívidas de todos os endividados ou a maior parte delas.
Tal plano B poderá não começar a executar-se amanhã, mas acabará por se tornar inevitável a curto prazo quando a crise, além dos Estados, começar também a atingir dramaticamente a solvabilidade dos grandes bancos.
A ideia que alguns perfilham de que será a crise económico-financeira a potenciar a união política da Europa é ainda mais tonta do que a presidiu à criação do euro nas concretas condições em que foi criado.
O que virá a seguir ninguém sabe, embora o acontecimento mais próximo que se pode ter como referência seja o desmoronamento do padrão-ouro.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A CONFIRMAÇÃO DE UM FALHANÇO



OS DADOS DO INE



Os elementos ontem dados a público pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam aquilo que já se sabia, mas que o Governo, ideologicamente dominado pelo neoliberalismo, teimava e teima em não ver: que a sua política económica não resolve, antes agrava, os males estruturais de que sofre a economia portuguesa.

O segundo trimestre do ano apresenta uma quebra do consumo privado como não há registo nas estatísticas nacionais, o mesmo se passando com o consumo público. Tendo, por outro lado, em conta que o investimento caiu igualmente (como não poderia deixar de ser), o destino da economia, no “bom estilo” da ortodoxia neoliberal, ficará exclusivamente entregue à sorte das exportações.

Como, porém, as exportações dependem mais da conjuntura económica internacional do que das “virtudes” de quem exporta, é de prever, face ao afrouxamento da economia dos Estados Unidos e da União Europeia, inclusive de uma provável recessão, o pior para os portugueses.

A brutal carga de impostos infligida aos contribuintes corre o risco de nem sequer, no plano puramente formal, cumprir o objectivo a que em teoria se destinava: reduzir o défice em 2011 para 5,9%, já a quebra das receitas será de tal ordem, por força da diminuição da procura interna (de certeza ainda mais acentuadas nos dois últimos trimestres), que inviabilizará aquele objectivo.

Aliás, os sinais de alarme estão por todo o lado. O BCE que ficará na história por ter subido a taxa de juros quando se desencadeou a maior crise económica depois de 1929, voltou, há pouco tempo, a incorrer no mesmo erro por temer uma pretensa subida dos preços numa conjuntura em que a situação dos países em crise da zona euro exigia uma política exactamente oposta. Ontem, Trichet já veio dizer que os juros não subiriam, decisão que mais não é do que a constatação de um falhanço: a incapacidade de as políticas de austeridade impostas na zona euro conduzirem ao crescimento. Claro que a decisão de BCE não foi tomada para não prejudicar ainda mais os países em crise, mas por nas grandes economias (a começar pela Alemanha) já haver também sinais muito evidentes de desaceleração económica.

Entretanto, a Grécia parece recusar-se a cumprir o estúpido programa de austeridade que a Troika lhe impôs…por já ter chegado à conclusão que ele apenas acrescenta recessão à recessão. As ameaças logo se fizeram sentir, por parte a Alemanha e da Holanda, a ponto de pela primeira vez se ter falado, oficialmente, na saída da Grécia do euro.

Espera-se que a Grécia resista, que não ceda, deixando levar as coisas à beira do precipício, por haver a antecipada certeza de que o “tombo” não será igual para todos: os mais fortes cairão de mais alto…

De facto, ninguém na UE pode impor a expulsão do euro. O que poderia acontecer, se à Grécia não for emprestado dinheiro, é que ela entre em bancarrota. Só que se tal acontecesse, o euro teria também os seus dias contados.

Oxalá a Grécia resista e dê uma lição aos lacaios da alta finança e aos servis “bons alunos” que já tudo perderam. Até o respeito por eles próprios…


quinta-feira, 8 de setembro de 2011

SOBRE A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DÉFICE

O DEBATE QUE ESTÁ POR FAZER



Muito se tem falado ultimamente sobre a constitucionalização do défice nos países da zona euro. Não porque o défice seja uma coisa nova, na maior parte dos países ele sempre existiu, mas porque a adopção de uma moeda única na União Europeia tornou mais evidente, e até acentuou, as diferenças de competitividade entre os diversos países que a integram.

Depois de institucionalizada pelo Tratado de Maastricht a criação de uma moeda única para os países que satisfizessem os critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a ela quisessem aderir, e, posteriormente, da sua entrada em circulação, começou a verificar-se que tais critérios, existentes à partida, por uma razão ou por outra começaram a ser desrespeitados pelos mais diversos Estados.

Primeiro foram os alemães e os franceses, em consequência dos efeitos da reunificação alemã; depois alguns outros que, bem cedo, não conseguiram disfarçar a falta de competitividade das suas economias; finalmente, vários outros que, por força da crise financeira internacional, acabaram por expor à luz do dia a fragilidade do seu tecido económico, durante anos dissimulada pelo refúgio em actividades de tipo especulativo levadas a cabo ao abrigo da concorrência internacional.

É neste contexto, de grandes diferenças de competitividade e da imensa liquidez por elas geradas, que os Estados menos competitivos se endividam muito para além dos limites estabelecidos no PEC e os défices orçamentais se agravam na razão directa da extensão da crise, também muito para além do limite máximo permitido.

Onde antes havia liquidez passou, em consequência da crise, a haver escassez de dinheiro e onde antes havia juros baixos passaram a ser exigidos juros correspondentes à taxa de desconfiança que os países endividados inspiram aos seus credores quanto à possibilidade de solvência dos compromissos assumidos. A tal ponto que alguns deles tiveram que recorrer à ajuda externa para assegurar o regular financiamento das suas economias.

E é assim que a Grécia, com um défice de 10,8%, paga juros a dez anos de 19,913%; que a Irlanda com um défice de 32,4% paga juros de 8,757%; que Portugal com um défice de 9,1%, paga 10,735%; que a Espanha com um défice de 9,2%, paga 5,261%; a Itália com 4,6”%, paga 5,557%; a França com 7%, paga um juro superior ao da Alemanha, mas muito abaixo da Espanha e da Itália; e a Alemanha com 3,3%, paga ligeiramente abaixo dos 2% .

Perante este quadro, a política seguida na Europa para combater a crise e a “desconfiança” dos mercados foi a de reforçar as políticas de austeridade, impondo aos países deficitários a obrigação de num curto espaço de tempo eliminar o défice.

Como se tem visto e como seguramente se continuará a ver, tal política, além dos sacrifícios imensos infligidos a uma grande parte da população e do desemprego por ela gerado, não “acalmou” os mercados, antes pelo contrário os “excitou” ainda mais, por verem nela o caminho mais curto para a falência dos Estados endividados.

Não sendo tal política imposta com base em qualquer princípio de racionalidade económica, mas antes ditada pelos mais férreos preconceitos ideológicos, não será de estranhar que o passo seguinte que a União Europeia, por inspiração (imposição) da Alemanha, se prepara para dar seja a constitucionalização dos limites do déficite, isto é, a inexistência de défice por imperativo constitucional.

A Alemanha já adoptou esta medida o ano passado e a Espanha, à beira de ser intervencionada pelo FEEF, inscreveu-a também na Constituição como princípio, por iniciativa de Zapatero e com o apoio do PP.

Considerando o papel que a Constituição desempenha em Espanha, atentas as condições em que foi aprovada e o compromisso que ela representa como ápice de um processo de transição muito particular, o menos que se poderá dizer desta emenda constitucional é que ela quebrou o consenso alargado das várias forças políticas que a votaram. Zapatero, que tanto prometeu, sairá do Governo completamente desprestigiado pelas múltiplas cedências que foi fazendo à direita, desde a Igreja aos “mercados”, numa clara demonstração de quando as dificuldades apertam é sobre os mais fracos que sempre acabam por incidir os sacrifícios exigidos.

O objectivo de Zapatero – impedir a “intervenção” da Espanha e “acalmar” os mercados – está longe de, pela via escolhida, poder ser alcançado. De facto, o que está assustando os mercados é a falta de crescimento. E sem crescimento não há dívida que possa ser paga.

Em Portugal, o Primeiro Ministro, na recente viagem que fez à Alemanha, contra aquilo que parecia ser a orientação do Governo, numa das suas típicas demonstrações de “aluno obediente”que procura pelo servilismo captar as boas graças dos mestres, logo se prontificou a afirmar que via com muito bons olhos, também em Portugal, a constitucionalização dos limites do défice.

Na ausência de qualquer debate sério sobre o assunto, sem que sequer a maior parte das pessoas saiba do que se está a falar, o Primeiro Ministro do alto da sua conhecida experiência governativa manifestou uma vontade que não se percebe bem se é a do seu partido, a do Governo ou a sua simples opinião pessoal num assunto que ultrapassa em muito qualquer uma destas três dimensões.

Antes de mais é preciso compreender-se– e em Portugal não há sinais de que isso tenha sido compreendido – que o défice de que se está a falar é o estrutural e não o conjuntural, ditado por uma má conjuntura económica. De modo que, qualquer constitucionalização dos limites do défice, a concretizar-se, sempre teria que estabelecer-se sem prejuízo das situações de catástrofe, de recessão económica ou de outras que escapem ao controlo do Estado.

Por outro lado, a eliminação do défice estrutural não é meta que possa alcançar-se, sem quebra das mais elementares regras de razoabilidade, em menos de dez anos. A própria Alemanha, que tanto se orgulha da disciplina das suas finanças públicas, estabeleceu um prazo alargado para a eliminação do défice federal e outro para o dos länder.

E se tal meta passar a ser o objectivo político de qualquer força política, é preciso que essa força política, antes de eleições, diga muito claramente como a vai alcançar: se à custa do aumento de impostos e, nesse caso, quais; se à custa da redução da despesa e qual; se à custa de das receitas e das despesas, quais, e em que proporção.

Mas há mais: a eliminação do défice estrutural implica, depois de alcançada essa meta, opções muito claras de política orçamental que os cidadãos têm o direito de conhecer previamente. E a razão é muito simples: se passa a haver menos dinheiro, uma vez que só se contará com aquele que não implique um compromisso que pese estruturalmente sobre os anos futuros, tem de se saber a que fins passam a estar consignadas as receitas cobradas.

Ou seja, como medida meramente cosmética a constitucionalização do défice não serve para nada, pois já se percebeu que os ditos mercados estão muito mais preocupados com a falta de crescimento do que com a ausência de défice; se, pelo contrário, se trata do estabelecimento de um princípio ou de uma regra quantificada destinada a eliminar o défice estrutural, a questão é bem complexa e exige posições muito claras sobre o assunto. Posições que não se compadecem com as costumadas profissões de fé, de que os economistas do sistema se tornaram hoje os principais arautos, quando se limitam a anunciar que o simples facto de a meta proposta ser alcançada logo engendrará um clima de crescimento e prosperidade que torna dispensáveis e inúteis quaisquer exercícios prévios relativos à aplicação das receitas.

E por aqui também se vê quão irresponsável, antidemocrática e pérfida é a política que o Governo tem em curso relativamente à redução do défice. Como num dos posts anteriores deste blogue se disse, tal política apenas se compreende no quadro de uma pretendida transformação estrutural da sociedade portuguesa, visando a construção de um modelo económico ferreamente neoliberal com as consequências sociais por demais conhecidas.




quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A ENTREVISTA A MAHMOUD AHMADINEJAD

NA RTP 1 POR MÁRCIA RODRIGUES



Sem explicações prévias, o Presidente do Irão foi esta noite entrevistado por Márcia Rodrigues na RTP 1.

São tão raras, ou quase inexistentes, as hipóteses de ouvir em directo, numa entrevista, uma personalidade internacional de quem tanto se fala e de quem só se ouve aquilo que as grandes centrais de informação querem que se ouça, que a primeira coisa a fazer, para lá dos méritos ou deméritos da entrevista em si, é felicitar a RTP e a jornalista pelo acontecimento.

Dito isto, é lamentável que a entrevista tenha sido exclusivamente conduzida sob a óptica da “cartilha ocidental” relativamente ao Irão, ou seja, completamente dominada, no que respeita às perguntas, pela lógica do “Eixo do Mal”.

A jornalista ficou certamente muito contente por ter dito de viva voz a Ahmadinejad aquilo que os americanos e a imprensa ocidental espalham sobre o Irão – comportamento que somente pode considerar-se corajoso se a mesma jornalista igualmente for capaz de em idênticas circunstâncias confrontar Bush ou Blair com as suas acções, imputando-lhes de princípio ao fim da conversa os graves crimes que tanto um como outro cometeram durante os respectivos mandatos. Mas será quase pedir-lhe o impossível já que nem um nem outro lhe concederiam tal entrevista, salvo a peso de ouro, algo manifestamente incomportável para a deficitária situação em que a RTP se encontra.  

Mas foi pena que a Márcia não conhecesse melhor o Irão, com base em fontes credíveis, e também um pouco da sua história recente, pelo menos do fim do século XIX para diante, e não tivesse aproveitado esta oportunidade, não apenas para falar com Ahmadinejad sobre o programa nuclear, sobre a ameaça israelita e americana, sobre as últimas declarações de Sarkozy, sobre a situação na Líbia e nos países árabes em geral, mas também sobre certas questões internas relacionadas com a sua economia, com o conceito de república islâmica, enfim, uma entrevista que nos permitisse conhecer melhor o “outro” e não tanto colocar o “outro” sob a provocação constante dos clichés com que é retratado no mundo ocidental.

No Ocidente tende hoje a desprezar-se a questão colonial, nomeadamente com a configuração que ela tomou depois da Conferência de Berlim de 1885, muito por força da hipócrita propaganda das principais potências coloniais que tendem a remeter para o esquecimento um passado que deixou marcas muito profundas, principalmente nas mais antigas civilizações, humilhadas e exploradas por dominações estrangeiras com total desprezo pelo seu passado, pelos seus valores, enfim, pela dignidade dos seus povos.

A América que conheceu o colonialismo embora num quadro completamente diferente do que existiu na África e na Ásia, pelo menos para aqueles que no continente americano acabaram por tomar nas suas mãos os destinos dos respectivos os territórios, começou por reagir contra as manifestações de colonialismo, manteve o protesto, mesmo depois da II Guerra Mundial, contra as suas manifestações mais serôdias, mas breve a Guerra Fria acabou por impor as suas leis e pouco depois a politica americana, pelas múltiplas intervenções em território alheio, terminou por se confundir com a dos colonialistas do passado, se não mesmo a colaborar com eles na espoliação das riquezas alheias, como aconteceu no Irão aquando o golpe perpetrado pela CIA, em 1953, que depôs o nacionalista Mossadegh.

De qualquer modo, não obstante as suas limitações, a entrevista não deixou de ser um interessante momento de televisão.

MINISTRO DAS FINANÇAS ANUNCIA UM PAÍS DIFERENTE



DE CIÊNCIA NADA, DE FÉ MUITO




A entrevista que o Ministro das Finanças hoje concedeu à SIC, certamente para dar as explicações que segundo a direita o povo sente falta, não acrescenta rigorosamente nada ao conhecimento que já se tinha das suas concepções em matéria finanças públicas e do consequente projecto de sociedade que, por via delas, tem em mente concretizar.

O Ministro acredita, contra toda a história do pensamento económico, que se puser os portugueses a pão e água, aumentando os impostos, reduzindo drasticamente o investimento público, diminuindo o consumo interno, consegue assegurar-lhes um futuro de crescimento e de prosperidade daqui a quatro anos, tantos quantos os necessários para que a transformação estrutural da economia portuguesa comece a produzir aqueles resultados.

Tal transformação decorrerá da execução de um rigoroso “programa de ajustamento estrutural” destinado a eliminar o défice orçamental bem como a limitar drasticamente a intervenção do Estado na economia, mediante a privatização imediata de toda a actividade empresarial do Estado e, posteriormente, de outros sectores onde agora intervém como prestador de serviços de natureza social. O Ministro não o disse, mas este é também o objectivo da coligação no poder se para tanto tiver tempo.

Por outras palavras, o Ministro acredita – mas acredita com aquela fé própria daqueles a quem foi revelada a verdade absoluta - que se o défice orçamental for eliminado e se o Estado “sair” da economia, Portugal percorrerá uma senda de crescimento e prosperidade, capaz de pôr termo de uma vez por todas ao fatalismo histórico de um país recorrentemente deficitário e endividado.

Claro que ligado a “isto” está um conjunto de medidas, que o Ministro por razões meramente tácticas não anuncia, inscritas na vulgata neoliberal, válidas para todas as áreas da vida em sociedade.

Trata-se de um pensamento primário, velho, apresentado com a certeza das verdades reveladas e por isso mesmo muito perigoso. O primarismo do raciocínio assenta antes de mais na impossibilidade prática de por uma via puramente recessiva se alcançar índices de crescimento económico, indispensáveis à diminuição absoluta e relativa do peso da dívida, o mesmo é dizer à sua sustentabilidade.

Sem aumento da procura interna, com redução drástica do investimento público e dos rendimentos dos que trabalham por conta de outrem com níveis baixos e intermédios de remuneração, a sorte do modelo económico preconizado pelo Ministro das Finanças fica exclusivamente dependente do investimento externo virado para a exportação e da própria exportação, ou seja, de factores quase completamente dependentes da conjuntura económica externa.

Se o modelo em si e para quem nele se revê representa um falhanço anunciado, que o tempo se encarregará dramaticamente de confirmar como já o fez noutras ocasiões, ele sempre constituiria, mesmo na hipótese improvável de relativo “sucesso”, um modelo a rejeitar por pretender institucionalizar uma sociedade brutalmente desigual, alicerçada em princípios individualistas com rejeição de qualquer ideia de solidariedade e de justiça social.

É o “mito” de Milton Friedman levado ao extremo da sua concretização prática fora das raízes anglo-saxónicas que o geraram.

Que não haja qualquer dúvida, o discurso do Ministro das Finanças assenta numa concepção estruturada de um modelo de sociedade neoliberal destinado a ser levado à prática por fases: primeiro o equilíbrio orçamental, que há-de ser estruturalmente alcançado à custa da despesa (e não fundamentalmente à custa das receitas como por razões meramente conjunturais parece estar acontecendo); depois a eliminação gradual do Estado em todos os sectores economicamente relevantes de modo a circunscrevê-lo àquilo a que chamam as suas “funções tradicionais”, também ditas de “soberania”.

Esta segunda fase (os “cortes racionais” na despesa) pressupõe um relativo êxito na primeira sem o qual é politicamente impensável proceder a alterações estruturais na saúde, no ensino e na segurança social – grandes objectivos do pensamento neoliberal que o próprio Bush em oito anos de poder não conseguiu levar completamente à prática (de facto, teve de recuar na reforma da segurança social e não logrou destruir o Medicare nem o Medicaid).

Em resumo, foi isto que o Ministro das Finanças ontem veio dizer aos portugueses.