O VERDADEIRO OBJECTIVO DAS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE
Não se trata de uma expressão de desespero de quem critica, mas antes de uma constatação que os factos comprovam e a história ensina: a política que está a ser posta em prática pelo governo português conduzirá necessariamente ao desastre. Conduzirá a uma situação idêntica à da Grécia por maior que seja o esforço para tornar as duas situações diferentes.
O ponto basilar das respectivas situações é o seguinte: os apertados programas de austeridade que a Alemanha pôs em prática, sob a ameaça, em caso de incumprimento, de cessação dos meios financeiros, estão a dar lugar, como não poderia deixar de ser, à estagnação económica dos países que os aplicam e logo depois à recessão.
A defesa obstinada do cumprimento de tais programas por parte daqueles que a eles estão sujeitos ainda agrava mais a situação. Impedidos, por razões de política interna, de cortar drasticamente de uma só vez muitas das despesas que gostariam de ver eliminadas, tais governos, como é o caso do português, têm necessariamente de recorrer ao aumento dos impostos para assegurar as metas convencionadas. Quanto mais os impostos, directos e indirectos, sobem, mais a procura interna diminui, menos crescem as receitas e mais necessários se tornam cortes imediatos na despesa.
Com a procura interna a diminuir drasticamente, diminui ou estagna o investimento, tanto o nacional como o internacional, aumentando consequentemente o desemprego. Restam as exportações que, como se sabe, dependem tanto de quem compra como de quem vende. Ou seja, resta a incerteza, de qualquer modo elas constituem um vector sempre insuficiente de relançamento do crescimento se outros não actuarem no mesmo sentido.
Sem crescimento da economia, os juros da dívida sobem e a possibilidade de angariar dinheiro nos mercados torna-se uma miragem, a não ser a preços absolutamente proibitivos. E sem dinheiro dos mercados, a única solução, antes da falência, é continuar a pedir dinheiro à Troika que irá pondo mais dificuldades para o conceder ou impondo condições cada vez mais condizentes com os reais objectivos políticos que tem em vista.
Ora isto, ou seja, as dificuldades que já antevêem não têm nada a ver com a Grécia, contrariamente ao que diz o Primeiro Ministro. Tem a ver, na sua génese, com a zona euro e com a situação criada pela moeda única e, mais tarde, ou seja, agora, com as políticas de austeridade impostas para combater a chamada “crise da dívida”. Que não é apenas uma crise do Estado português, como falsamente se afirma. É uma crise da economia portuguesa no seu conjunto, nomeadamente do sector privado, a começar pelo sistema bancário.
É igualmente falso, contrariamente ao propalado por certos economistas, que a crise do sector privado tenha sido impulsionada e potenciada pela crise da dívida pública. Pelo contrário, foi a incapacidade competitiva de largos sectores do aparelho produtivo português que impeliu o Estado para investimentos em infra-estruturas em grande escala exactamente para lhe proporcionar actividades e lucros em áreas protegidas da concorrência, além obviamente do alto apelo ao consumo, nomeadamente de bens importados, promovido, em última instância, pelo sector bancário, mediante a concessão de crédito barato com dinheiro emprestado pelo estrangeiro.
Fechado este parênteses, importa dizer que há da parte de alguns economistas, e de políticos que defendem as políticas de austeridade em curso, a convicção de que elas trarão no futuro resultados positivos. Interessa porém averiguar que tipo de resultados são estes. Se há alguns que acreditam que tais políticas acabarão por gerar um clima de confiança interno e internacional capaz de fazer reverter a situação - a tal “fada da confiança” que em situações económicas similares nunca apareceu a ninguém na história do capitalismo e também não vai aparecer em Portugal nem que seja por obra e graça de um “quarto segredo de Fátima” – outros há, e serão porventura a maioria, que defendem estas políticas porque têm plena consciência de que elas acabarão por produzir um resultado completamente diferente do que publicamente alardeiam.
O objectivo dos ideólogos, escondidos sob o “manto diáfano” da competência técnica, como Vítor Gaspar e outros membros deste Governo, a começar por Passos Coelho, é o lançamento irreversível das bases económicas que permitam construir um outro modelo de sociedade. Um modelo que nada tem de novo – um modelo repescado do que começou a ser posto em prática, com outros meios e noutras conjunturas, principalmente a partir das últimas duas décadas do século XIX com o desenvolvimento do capitalismo è escala transnacional. Numa palavra o que hoje se pretende é: assegurar ao capital a maior liberdade de movimentos, fazer regressar o trabalho à condição de mercadoria igual a qualquer outra e reconduzir o Estado ao exercício de funções mínimas: defesa da propriedade e garantia da liberdade de acção dos titulares dos meios de produção. E mais uma ou outra função imposta pelas específicas situações do tempo presente.
A entrevista de Nuno Crato à RTP, na semana passada, embora expressa com muitas cautelas, foi suficientemente eloquente acerca do que está na mente dos governantes quanto ao futuro da educação em Portugal - um dos sectores onde se pretende introduzir profundas alterações estruturais. Traído apenas quando mostrou a sua preferência pelo modelo de escola – a escola anglo-saxónica -, Nuno Crato deixou bem claro para quem o quis entender que o actual modelo de ensino público não tem futuro, embora a sua substituição pelo que está na mente dos governantes não seja trabalho para apenas uma legislatura e, menos ainda, em tempo de crise.
A incomodidade de Crato face à excelência das instalações das novas escolas era evidente. Tão evidente quanto a de Passos Coelho na inauguração do ano escolar no distrito de Viseu. Muito mais do que o dinheiro necessário para assegurar a manutenção daquele tipo de escolas, percebe-se que o desconforto de um e de outro é acima de tudo ideológico: quem nada paga não deve ter direito a instalações tão boas. A excelência das instalações deve ficar reservada a quem tiver dinheiro para as frequentar, logo à iniciativa privada.
A tal liberdade de escolha de que o Ministro tanto falou só pode ser, como é óbvio, a liberdade de quem tem dinheiro. Quem tem dinheiro, escolherá o que é bom e pagará por isso. Quem não o tem, terá de contentar-se com o que lhe derem! Não será, por isso, exagerado vaticinar que a algumas das escolas públicas, nomeadamente as que estão dotadas de excelentes instalações, possa acontecer o que está acontecendo com outras actividades do Estado: serem entregues à iniciativa privada mediante um qualquer processo de privatização. Tudo dependerá das potencialidades do negócio…
Pois bem, contra isto que se está a passar não há dentro do sistema respostas substancialmente diferentes daquelas que estão a ser dadas, pelo menos enquanto não voltar a haver dinheiro muito barato. Aparte um ou exagero por excesso de zelo, o programa da Troika, aplicado com mais ou menos flexibilidade, levará necessariamente às mesmas consequências. Ele constitui um verdadeiro colete-de-forças para a economia portuguesa e a sua execução tem em vista a institucionalização de um modelo de sociedade diferente do que hoje temos. Tal modelo irá sendo posto em execução na Europa pela ordem inversa das potencialidades económicas das respectivas economias. As mais fortes resistirão mais tempo à destruição do essencial do estado social. As mais fracas vão ter de abdicar num gradualismo crescente ao essencial desse estado de bem-estar no ensino, na saúde, no emprego, na segurança social e na saúde.
Claro que as alternativas existem. Mas fora do sistema, não dentro. Por isso não serão fáceis de pôr em prática e levarão anos a consolidar-se…
4 comentários:
Custa a acreditar em tanto maquiavelismo, mas os argumentos apresentados dão que pensar. Cumps.
Como quase sempre, excelente texto!
No entanto, não concordo com a visão que parece ter sobre a educação. Se fosse possível medir a produtividade, melhor a eficiência, dos recursos que a essa função têm sedo afectados,o que implicava quantificar e valorar a respectiva produção, chegaríamos a conclusões decepcionantes, assim... Não será por acaso que as ideias que o N Crato tem defendido recebem o apoio de muita gente incluindo, e talvez sobretudo, professores.
Se as medidas da "troika"/governo levam ao resultado que prevê, e tudo parece indicar que tem razão, então o que acha que vai na cabeça de quem as prescreve? Trazer o Balgladesh para a orla mediterrânica?
Cumptos.
LG
É preciso, acho eu, aprofundar esta reflexão. Uma e mais vezes...
Não que eu, por mim, discorde do essencial.
E esta candura de um trader tb tem que se lhe diga:
http://youtu.be/kpg76VjTa58
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