O PROBLEMA DA RECTIFICAÇÃO
Soube-se agora que há uma divergência na lei de limitação dos
mandatos autárquicos (Lei n.º 406/2005) entre o texto que foi remetido para
publicação, depois de cumpridas todas as formalidades legais e constitucionais,
e o texto publicado. Até aqui nada de novo, como adiante se explicará. A
rectificação das leis existe exactamente para sanar estas divergências.
Acontece, porém, que esta divergência não decorre de um típico erro material do
processo de impressão e publicação da lei, mas de uma correcção feita pela Casa
da Moeda Imprensa Nacional, ao que se diz, ao abrigo de um acordo (tácito ou
expresso) com o Parlamento que teria autorizado a Imprensa Nacional a fazer,
nos textos para publicação, as correcções de acordo com as regras de revisão.
O Parlamento pode combinar o que bem entender com a Imprensa
Nacional em matéria de revisão de texto. O que não deve é permitir que a
Imprensa Nacional modifique um texto, seja a que título for, depois de
promulgado pelo Presidente da República, ou mais correctamente, depois de cumpridas
todas as formalidades legais e constitucionais. Se o Parlamento ou o Governo
querem ter a certeza que os textos aprovados estão redigidos em português
correcto devem enviá-los à Casa da Moeda para esse efeito antes de os remeterem
ao Presidente da República para promulgação ou assinatura. É certo que o Parlamento
ou o Governo têm sempre à sua disposição o instituto da rectificação que poderá
ser usado quando entendam que as correcções introduzidas alteram o sentido da
lei. Também é certo que o Governo e o Parlamento dispõem de serviços que
acompanham a conformidade dos textos publicados com os textos originais, mas nada
disso justifica que a Casa da Moeda esteja autorizada a corrigir os textos que
recebe para publicação.
Provavelmente, para não dizer seguramente, que este “acordo”
com a Imprensa Nacional foi feito por tanto o Governo como o Parlamento
acreditarem pouco na eficiência dos seus serviços de “fiscalização de
conformidade”, evitando por aquela via os gravíssimos inconvenientes que sempre
decorrem da publicação de textos legais defeituosos.
Seja por esta ou por outra razão quando há uma divergência entre
o texto original e o texto publicado essa divergência pode ser sanada por via
da rectificação.
A rectificação é feita mediante declaração do órgão que
aprovou o texto original, tem lugar quando há uma divergência entre aquele texto
e o texto publicado e destina-se a sanar com efeitos retroactivos esse erro
material. Para que a rectificação possa fazer-se é necessário: 1.º que se trate
de um diploma publicado na 1.ª série do DR; 2.º que exista uma divergência
entre o texto original e o texto publicado; 3.º que a correcção seja feita até
60 após a publicação do texto rectificando.
A não observância deste prazo determina a nulidade da
rectificação.
Para efeitos de rectificação o que é o texto original? O
texto original só pode ser o que é remetido para publicação depois de cumpridas
todos os requisitos legais e constitucionais. Só este texto assegura
integralmente a seriedade das rectificações e impede que por via delas se façam
verdadeiras alterações retroactivas aos diplomas publicados. É certo que
relativamente aos diplomas aprovados pelo Parlamento, dada a natureza deste órgão
e o seu modo de funcionamento, dificilmente a “batota” seria possível, mas já
relativamente ao Governo (ou a outra entidade com acesso à 1.ª série) ela seria
muito fácil de pôr em prática. E como não pode haver um regime para o
Parlamento e outro para as demais entidades, o critério a ter em conta para
efeito de aferição da existência de erro material tem de ser o acima indicado. Além de que, de outro modo, nos diplomas que exigem a promulgação ou outra intervenção do Presidente da República se estaria a dar força normativa a um texto que o PR efectivamente não promulgou ou no qual não interveio.
Dito isto, não há qualquer dúvida que a divergência existente
na Lei n.º 406/2005 entre o texto original e o texto publicado já não pode ser
rectificada. É esse o regime da Lei n.º 74/98 (com as alterações introduzidas
pelas Leis n.ºs 2/2005, de 24 de Janeiro; 26/2006 de 30 de Junho; e 42/2007 de
24 de Agosto) que limita a rectificação, como acima se já disse, ao prazo de 60
dias após a publicação do texto rectificando.
Portanto, a lei de limitação dos mandatos autárquicos que
está em vigor é a que foi publicada no Diário da República sob o n.º 406/2005.
Não se trata de um texto apócrifo, logo inexistente, apesar da natureza do erro
que contém. Trata-se de um erro que poderia ter sido corrigido se o Parlamento tivesse
entendido que a divergência existente representava uma alteração do sentido da
lei. Como não achou, deixou-a ficar como foi publicada de acordo com o tal
entendimento existente com a imprensa Nacional sobre a revisão de textos.
Evidentemente que o Parlamento pode, se tiver a maioria
necessária para esse efeito, fazer uma nova lei com a tal redacção que constava
do texto original ou outra. Mas será uma nova lei. E mesmo que o Parlamento a
denomine lei interpretativa, reproduzindo o texto original ou dando um novo
sentido ao texto em vigor, ela não será uma lei interpretativa verdadeira e
própria. Será uma lei que o Parlamento denominou interpretativa para, por essa
via, lhe atribuir efeitos retroactivos. Só que neste caso, como a
retroactividade tem limites constitucionais, será necessário averiguar se os
infringe ou não.
Em conclusão: a descoberta de Cavaco (os jornais dizem que
foi Cavaco que descobriu a divergência – sete anos sempre dão para alguma coisa…)
não altera rigorosamente nada a interpretação que aqui havíamos feito. O texto
legal tal como está redigido está num português perfeito; se estivesse redigido
como consta do texto original quereria dizer exactamente a mesma coisa, apenas
estaria redigido num português menos correcto. Para efeitos de interpretação, o
texto original, mesmo que se lhe atribua o valor que se atribui aos chamados
trabalhos preparatórios, já que outro não pode ter, não acrescenta nada de
relevante. A lei, em sede interpretativa, não tem outro sentido que não seja a
proibição do quarto mandato consecutivo aos presidentes da câmara e da junta de freguesia
qualquer que seja a autarquia a que se candidatem.
2 comentários:
Nem mais!
Absolutamente, de acordo.
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