quarta-feira, 7 de outubro de 2015

AFINAL QUEM NÃO QUER GOVERNAR?


AFINAL QUEM FICAR A PROTESTAR?

Durante anos ouvimos a conhecida lengalenga de que havia dois partidos que não queriam governar nem assumir responsabilidades governamentais, facto que muito dificultava a acção do PS e da esquerda em geral, pois mesmo quando estavam em maioria na Assembleia da República não havia qualquer possibilidade de entre os seus componentes se fazer um acordo, por mínimo que fosse, enquanto a direita sabia superar as suas divergências sempre que se tratava de exercer o poder, como os vários exemplos de coligações entre o PSD e o CDS amplamente comprovavam.

Já tivemos oportunidade neste blogue de emitir sobre este tema a nossa opinião, tentando fazer a demonstração de que o verdadeiro partido de protesto do xadrez político português é o PS. Um partido de poder e de protesto que carecia como nenhum outro de uma activíssima base de protesto para exercer o poder. Assim foi com Soares, com Guterres e com Sócrates. Todos eles, como primeiros-ministros, tiveram no seio do próprio partido aquela indispensável componente de protesto que lhes permitia fazer uma política próxima da direita sem que o partido perdesse por completo a sua matriz de esquerda.

Agora o jogo acabou. A avaliar pelo que se lê nas redes sociais e principalmente o que se ouve nas antenas abertas das várias estações de radio existe uma fortíssima componente do eleitorado socialista que não compreenderá que na presente conjuntura se entregue o poder à direita, havendo à esquerda quem esteja na disposição de aceitar a formação de um governo PS e esteja preparado para negociar o apoio parlamentar de que esse governo necessita.

Não se trata de uma coligação negativa destinada a derrubar e a derrotar os propósitos de Cavaco, Passos e Portas, trata-se de muito mais do que isso: da formação de um governo que dê tradução política a esse imenso clamor que de norte a sul do país exige o fim das políticas de austeridade.

O Governo PS pode assentar num acordo mínimo, porém indispensável para responder ao voto popular. O PS não deveria seguir a orientação de um sector influente da sua estrutura dirigente ou, mais correctamente, de alguns “notáveis” sem se certificar previamente da vontade do seu eleitorado. 

E ter em conta que a direita, perfidamente, pretende o seu apoio não apenas para poder governar, como é óbvio, mas acima de tudo para o liquidar o PS como partido de Governo. Será sempre mais fácil à direita, pensa ela, ter como principal adversário um Syriza à portuguesa do que um PS que possa resvalar para a esquerda, por pouco que seja, pela muito maior facilidade que terá de esgrimir contra aquele partido ou aquelas forças políticas a legião de todos os seus conhecidos espantalhos.

O PS joga de facto o seu futuro nas consequências destas eleições. Qualquer tentativa de buscar numa situação do passado analogias com a situação presente é irrealista e não corresponde ao verdadeiro significado dos resultados eleitorais no específico contexto em que os mesmos ocorreram.

É claro que o PS para governar terá de pôr de parte algumas das medidas previstas no seu programa, absolutamente inaceitáveis, como o "despedimento conciliatório" (isto é, sem intervenção dos tribunais); a diminuição da contribuição dos trabalhadores para a segurança social e o famigerado congelamento das pensões.

Por seu turno, os partidos que estão disponíveis para viabilizar um governo PS não podem deixar de ter em conta que se está numa situação sob muitos aspectos semelhante à que se vivia antes do 25 de Abril.

Por um lado, a completa ausência de alternativa, que pura e simplesmente é negada a quem pretenda pôr em causa uma nova política e uma nova atitude relativamente à UE. Romper com esta impossibilidade já seria uma grande vitória; depois todos temos de ter presente que somos governados, a começar pelo Presidente da República e a acabar na composição e chefia do Governo, por gente que poderia perfeitamente ter desempenhado as mesmas funções que hoje exerce antes do 25 de Abril. Por outras palavras: estamos numa situação de emergência nacional a que urge responder com um programa mínimo, porém realmente alternativo.

Bem se sabe que o PS tem no activo o tal núcleo influente que entre ir contra as suas concepções ideológicas ou acabar com o partido não hesitará na sua escolha. Mas é contra esta ameaça que António Costa se tem de revelar como um líder político à altura das circunstâncias.

António Costa não tem condições nem tempo para adiar a sua decisão ou esperar que outra oportunidade surja num contexto diferente. Essa oportunidade ele não a terá. A direita, a ser derrubada, tem de sê-lo agora e não mais tarde. Se a deixa governar por pouco tempo que seja, e vai ser sempre por vários meses, ela terá todas as condições para fazer reverter a seu favor o impasse que mais tarde venha a ser criado com vista à convocação de novas eleições.

António Costa, como comentador, deu a partir de determinada altura provas seguras de que havia compreendido e interiorizado todos os constrangimentos que a politica comunitária, nomeadamente a política monetária, cria aos países periféricos, e da necessidade de a alterar. Lutar isoladamente contra essa política conduz como bem se sabe ao insucesso, a menos que se esteja disposto a arcar com todas as consequências de um rompimento. A partir de Janeiro do próximo ano, os países periféricos, a Grécia, Portugal e a Espanha, estarão certamente em condições de conduzir uma luta conjunta, que ficará muito enfraquecida se o nosso Governo estiver nas mãos da direita. Esta situação não se repetirá nos tempos mais próximos.

Por outro lado, parece cada vez mais evidente que a luta pelas presidenciais dificilmente poderá ser ganha. A ausência de um candidato de consenso escolhido com antecedência pelos partidos de esquerda pode ter sido fatal para quem aspirava substituir a direita em Belém. Portanto, o mais provável é que a direita continue em Belém, porventura menos possidónia, mais divertida, mas igualmente perversa e sem hesitações nas escolhas fundamentais. Que ninguém tenha ilusões: com a direita em Belém o Governo do PSD/CDS não será substituído por outro formado no mesmo quadro parlamentar em que este tiver sido constituído. Com a direita em Belém, a Assembleia da República será dissolvida na altura que melhor possa garantir uma vitória da direita.

Deixar criar uma situação que assente na constituição de um governo de direita é deitar tudo a perder e é também pôr em causa o futuro do Partido Socialista. Aos socialistas, a António Costa, cabe decidir.  

8 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Não é a primeira vez que faço link para um texto seu

E certamente não será a última

Jaime Santos disse...

Concordo quase inteiramente, só não concordo que o ónus da construção de uma Alternativa de Esquerda esteja inteiramente nas mãos do PS. Claramente, um acordo de Governo à Esquerda deve refletir a correlação de forças dos diferentes Partidos, que reflete a vontade popular, mas terão que existir cedências de parte a parte, de modo a que todos se revejam no resultado final. Acho isso impossível, mas não me importo de ser surpreendido pela Positiva. E digo-o ainda, se esse acordo fosse para a frente gostaria de ver Ministros do BE e do PCP no Governo. Os espantalhos da Direita serão agitados como de costume, mas é importante que estes dois partidos se comprometam com o desgaste que necessariamente se sofre estando no Poder. Para que não sobre apenas para o PS...

Majo disse...

~~~
~ Catarina Martins adiou, lamentavelmente, a reunião
que tinha combinado com AC a 5/10, por oito dias...
~ Só na próxima segunda-feira, saberemos em que andou
a magicar a brilhante bloquista.
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Eduarda Campos disse...

Gostei muito!
Esta análise está, quanto a mim, correctíssima.
Ainda não li nada melhor.
Obrigada!

O Puma disse...

O PS não deseja governar já
O psd/cds deseja ser empossado par ser derrubado já

Todos os compromissos apontam para as próximas eleições

no próximo ano

Anónimo disse...

Na linha das observações do Jaime Santos, constato que é apresentado ao PS um "caderno de encargos" com medidas concretas para que governe como apoio do PCP e do BE: fora os despedimentos consensuais, o congelamento de pensões, a diminuição da TSU, nomeadamente.
Todavia, não é proposto qualquer "caderno de encargos" ao PCP e BE.
Como é? Que acordo de suporte governamental é esse em que PCP e BE recebem coisas e nada dão em troca, de nada abdicando dos seus programas?
Ainda não aprenderam com o chumbo do PEC IV? Recusaram as medidas de lá e depois levaram com elas mesmas a triplicar?

O Puma disse...

Num eventual acordo das esquerdas todos vão abdicar

Anónimo disse...

Cá está a direita cantando e rindo nas palavras do anónimo de 9 de outubro de 2015 às 01:43.

Só cai quem quer.