terça-feira, 25 de agosto de 2009

EM DEFESA DO PROF. TEIXEIRA RIBEIRO



A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DE J.M. JÚDICE

Tomando como pretexto a recente polémica sobre as putativas escutas a assessores da Casa Civil do Presidente da República, J. M. Júdice, em artigo publicado na passada sexta-feira no jornal “Público” (“Belém – São Bento: uma guerra sem quartel?”), desfere, sem citar o visado, um violento ataque contra Teixeira Ribeiro, já falecido, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Economia Política e Finanças), Vice-primeiro Ministro do V Governo Provisório e Reitor da Universidade de Coimbra depois do 25 de Abril.
É um ataque pérfido, injusto e factualmente infundamentado e infundamentável.
Diz Júdice que, na primeira reunião geral de docentes da FDC (obviamente posterior ao 25 de Abril, antes não existiam), Teixeira Ribeiro acusou caluniosamente Afonso Queiró, ex-director da Faculdade, de lhe mandar escutar as chamadas telefónicas feitas a partir da sua extensão. Perante tal “ignomínia”, Queiró chorou, ele, que segundo o mesmo Júdice, “sempre protegera da polícia política os professores comunistas”. Ainda segundo o A. do artigo, aquele “foi um momento de charneira (para a faculdade), porque nesse ataque morreu a unidade que a caracterizava”. A partir daí segue-se uma série de graves insultos dirigidos a Teixeira Ribeiro.
Não há nada como contextualizar os factos e os actores, para bem os interpretarmos e compreendermos.
Teixeira Ribeiro era um professor rigoroso, austero, exigente, excessivamente legalista para o (nosso) gosto da época, com simpatias socialistas (uma espécie de “socialismo catedrático”), admirador de Oliveira Martins e Leonardo Coimbra, e até de Mário de Figueiredo, a quem reconhecia invulgares qualidades intelectuais; nunca foi um militante antifascista, embora sempre tenha apoiado, mais ou menos ostensivamente, os estudantes que lutavam contra o regime. Depois do 25 de Abril aderiu convictamente à Revolução. Participou no V Governo Provisório, na coordenação das pastas económicas, com o mesmo rigor e a mesma atitude com que ensinava Finanças Públicas.
Júdice, à época, era um activista de extrema-direita do Partido do Progresso, que veio mais tarde a ser ilegalizado (caso raro no pós-25 de Abril), interveniente na organização da manifestação da “Maioria Silenciosa”, aliás apanhado em flagrante delito contra-revolucionário, do qual se “safou” graças à benevolência de uma conhecida figura pública, hoje injustamente tida por “incendiário”…por se limitar a dizer em voz alta umas quantas verdades. A militância de extrema-direita do A. do artigo é, de resto, bem anterior à Revolução dos Cravos: como estudante militou contra Marcello Caetano, ao lado dos ultras do regime, fazia parte da Cidadela, cooperativa que albergava a extrema-direita coimbrã, e foi acusado de atacar livrarias que tinham à venda alguns poucos livros que a pseudo-abertura marcelista permitira publicar.
Afonso Queiró, professor da FDC, era uma alta figura do regime salazarista, cuja apologia fazia no seu ensino, embora a coberto de construções teóricas intelectualmente muito acima dos seus pares da época. Membro da Câmara Corporativa e rival de Marcello Caetano no ensino de Direito Administrativo, nunca aderiu ao marcelismo e parece ter vivido os anos que antecederam o 25 de Abril no pressentimento da “catástrofe” que se anunciava. Se conspirou ou não contra Marcello não o posso afirmar, mas já não tenho dúvidas em declarar que no exercício de funções políticas e politico-académicas nunca se poupou a esforços para fechar todas as brechas por onde gradualmente o regime se esboroava.
Nunca nos meus 7 anos de Coimbra (5 como estudante e 2 como docente) vi Queiró “mexer uma palha” para defender um estudante acusado pelas “autoridades académicas” ou preso pela PIDE. É falso que Queiró tenha protegido da polícia política professores comunistas. Pelo contrário, tomou a iniciativa de expulsar da Faculdade professores oposicionistas, como foi o meu caso, fazendo funcionar para o efeito um conselho de faculdade anómalo, segundo os usos da casa, já que essa era a única forma de assegurar a maioria que de outro modo lhe faltaria. E quase posso jurar que nunca ninguém viu, por motivos políticos, Queiró chorar durante o fascismo, salvo talvez na morte de Salazar!
É igualmente falso que a famosa “unidade da Faculdade de Direito” se tenha esboroado com as acusações de Teixeira Ribeiro. Em primeiro lugar, não há unidade com açaimos. Essa unidade não passava de uma ficção construída pelos salazaristas, para, além das demais forças da repressão, fazer calar os tímidos dissidentes. Mas mesmo essa falsa unidade deixou definitivamente de existir em 1969, primeiramente quando Queiró, prepotente e unilateralmente, alterou as regras dos examinandos durante a prática dos actos escolares, exactamente para proteger os fura-greves como Júdice e mais uns quantos e se deparou com a firme oposição de Teixeira Ribeiro manifestada abertamente perante os assistentes e demais professores simpatizantes com a greve. E, posteriormente, aquando da minha expulsão, proposta por Queiró e defendida pelos catedráticos de extrema-direita (Antunes Varela, Pires de Lima e Braga da Cruz) contra a defesa veemente da minha permanência na faculdade por parte de Teixeira Ribeiro, Ferrer Correia e Eduardo Correia.
Não participei na reunião de que Júdice fala, pois já estava expulso da faculdade há cerca de 5 anos, mas se eu tivesse de escolher entre o “choro” de Queiró e a palavra do criterioso e rigoroso Teixeira Ribeiro, eu não teria qualquer dúvida em subscrever esta última.

3 comentários:

FJCoutinhoAlmeida disse...

Zé Manel:
Eu estive nessa reunião, até porque era dos 3 docentes mais recentes à data.
Um dos que mais se insurgiu contra o clima que se passava na Faculdade foi o Doutor Ferrer Correia, havendo a ideia de que o Doutor Queiró -director da Faculdade- mandaria um funcionário espiolhar as gavetas dos catedráyticos democratas. E recordo-me bem de o Dr. Júdice, ao ser interpelado porque naquela reunião estava a 'encher a boca' com democracia, ele ter respondido: É que agora interessa-me aproveitar a democracia...
Bom, os homens são livres de mudar, mas o que não podem é falsificar os factos estóricos. É que agora, quem o ouve falar, parece que não militava em Coimbra nos movimentos estudantis e sociais mais reaccionários em defesa da ditadura, nomeadamente através das intervenções nas Assembleias Magnas e de opiniões escritas.
Espantou ver o Dr. Júdice ser apoiado para Bastonário por imensos advogados democratas. E custa ver ele agora chegado ao Partido Socialista, via Sócrates e António Costa, num ambiente em que encontra vários elementos da direcção da AAC de 1969, sem um gesto -visível, que eu saiba- de demarcação por parte destes. Haja pudor...

Unknown disse...

Muito importante, reconstituir os ambientes, como aqui se faz. Pelo menos para a história, porque não existem, na nossa lei, expiações perpétuas ...
Já gora, mais uma històrinha. Aí por 1970 ou 71, numa reunião do Senado Universitário de Coimbra, de que Teixeira Ribeiro, Orlando de Carvalho e eu éramos os únicos membros eleitos, gerou-se uma discussão entre Ribeiro e Queiró, salvo erro a propósito da expulsão de uma série de estudantes da UC. Num transporte oratório, Queiró atacou Ribeiro com aquele castiço argumento ab mater. Ribeiro espumou e exigiu que isso constasse da acta, ao que Queiró se opunha, em nome da dignidade, não da mãe de Ribeiro, mas da acta. O Reitor, Cotelo Neiva, ficou na corda bamba durante meses. E a tal acta não aparecia. Até ao dia em que nos deparamos com um dos mais curtos decretos-lei da história portuguesa, o qual dispunha (cito de memória) que “Palavras ou expressões indecentes ou injuriosas proferidas em órgãos académicos, não devem constar das actas”.
É assim que os juristas, com os seus livros, fazem o nosso mundo.
E é também assim que se vê que o ambiente da FD-UC não era, de há muito, nada consensual.

Luísa Castelo-Branco disse...

Um ponto de vista diferente:

https://www.publico.pt/sociedade/jornal/o-homem-que-viveu-entre-a-noite-e-a-vida-141843