quarta-feira, 29 de junho de 2011

CURRICULUM DO PRIMEIRO MINISTRO



NÃO SE PERCEBE MUITO BEM O QUE ANDOU A FAZER
Pedro Passos Coelho, Primeiro-Ministro



A Câmara Corporativa chama muito justamente a atenção para o curriculum do Primeiro Ministro publicado no Portal do Governo

Este Governo – ouça, quem for capaz, o seráfico Relvas ou o regressado Marques Guedes – faz questão de a propósito de tudo e de nada falar de transparência. A Glasnost é sempre uma boa coisa, principalmente se for praticada. Já ontem demos aqui vários exemplos, de áreas e temas, onde era muito importante que ela fosse praticada.

Mas não é só no mundo dos negócios ligados à governação que ela é importante. É também preciso que a gente saiba quem nos governa. Quem são eles, donde vieram, o que fizeram antes. É certo que alguns não têm curriculum: estão a fazer curriculum no governo, mas aqueles que são um pouquinho mais velhos, como é o caso do PM, deveriam dar-nos indicações mais precisas sobre as suas vidas, naquilo que é politicamente relevante, como é óbvio.

Como todos nos recordámos, Sócrates foi muito criticado por se ter inscrito no Parlamento como engenheiro e não como licenciado em engenharia. Primeiro engenheiro técnico, depois licenciado em engenharia, propriamente dita (Arouca dixit).

Deste Primeiro Ministro a gente gostaria de saber em que ano se licenciou em economia, quando e onde fez o secundário. Com excepção do ano do seu nascimento (1964) e da passagem pela Câmara da Amadora, onde esteve como vereador entre 1997 e 2001 e de mais uma ou duas referências datadas, mas inócuas, a parte mais relevante do curriculum é omissa em matéria de datas até 2010! Assim como também é omisso quanto aos seus empregadores. Docência de economia, onde? Gestão de empresas, quais?

Quem lê o curriculum não fica substancialmente mais informado do que estava antes e pode até, porventura injustamente, criar a convicção que se trata do curriculum de uma dessas personalidades que nunca fez nada de verdadeiramente importante, como são aquelas criaturas que, desde muito novinhas, giram na órbita dos partidos sempre na esperança de que um dia a força centrípeta acabe por empurrá-las para o centro dos acontecimentos…

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O PROGRAMA DO GOVERNO


A CRENÇA NEOLIBERAL



Dizem os “avençados” das TV que o Programa do XIX Governo Constitucional demonstra uma clara vontade de “emagrecer” o Estado. É claro que há muito dinheiro mal gasto e muito desperdício, normalmente da responsabilidade daqueles que mais criticam o Estado e que dele se servem como coisa privada para alcançar os múltiplos objectivos a que a tomada do poder, na nossa “democracia constitucional”, tem invariavelmente dado lugar.

Mas aquilo a que se tem assistido nestes parcos dias de Governo é a uma intensa campanha demagógica sobre a poupança (ou a pseudo-poupança) em gastos insignificantes, como essa história de viajar em económica ou de não nomear governadores civis, e simultaneamente se preparar a privatização de empresas lucrativas, que desde sempre estiveram – e deveriam continuar a estar – na propriedade do Estado.

Aliás, sobre as privatizações conviria que o Governo começasse por cumprir o pregoado princípio da transparência, que tanto tem servido a sua propaganda, mas acerca do qual não há ainda nenhum indício de que venha a ser respeitado numa questão tão importante como a das privatizações.

Toda a gente conhece a opacidade que sempre tem norteado a política das privatizações em Portugal, tanto as feitas por Cavaco ou Durão Barroso como as da responsabilidade de Guterres ou de Sócrates.

Daí que seja mais do que legítimo perguntar: como vai ser privatizada a ANA, uma das empresas mais lucrativas do país? Vai manter-se em vigor a legislação aprovada pelo I Governo Socialista de Sócrates ou vai ser alterada? E vai haver monopólio de exploração dos aeroportos do país ou, pelo contrário, vão ser “vendidos” a retalho? E neste caso – tendo em conta, por exemplo, o interesse já manifestado por “laboriosos homens do Norte” apoiantes de Passos Coelho – quem vai ficar com os encargos financeiros de “Pedras Rubras”? E com quem ficam os aeroportos que dão prejuízo, mas que não podem deixar de existir (supõe-se), como os das ilhas ou mesmo Faro? Ficam para o contribuinte?

E quanto à TAP: tem os Governo consciência que, numa privatização a 100%, a maioria do capital e o controlo da gestão podem ir parar a mãos não comunitárias? E que se tal acontecer a empresa deixa de ser comunitária com todas as consequências que daí acarretam? E que, no caso contrário, pode ser aglutinada pela Ibéria? E o que acontece ao passivo da TAP? Quem fica responsável por ele? E será que o Estado português não é automaticamente responsável se a Empresa deixar de pertencer ao sector público?

Tudo questões que sobre as quais o Governo, em vez de andar com demagogias sobre “engordar” e “emagrecer” o Estado, deveria esclarecer os portugueses já que nenhum voto lhe concede o direito de sacrificar o interesse nacional seja no altar da ideologia neoliberal, seja, muito mais prosaicamente, para satisfazer vorazes interesses particulares.

Sobre o Programa do Governo mais duas notas. Por um lado a preocupação já manifestada de acabar com as irregularidades ou mesmo “vigarices” na concessão do rendimento mínimo garantido ou subsídio social de inserção. Nada a opor. Mas nunca se ouviu da parte daqueles que, na oposição – e que agora estão no Governo – tanta “guerra” fizeram a certas situações, uma palavra, única que fosse, sobre o controlo dos subsídios concedidos às empresas para os mais diversos fins.

E é óbvio que não há qualquer semelhança entre as duas situações: o primeiro caso tem certamente um valor meramente residual quando comparado com o segundo, avaliável em centenas de milhões de euros.

Esta diferente maneira de encarar dois fenómenos relativamente idênticos demonstra que aqueles que tanto clamavam contra os que recebiam ilicitamente o RSI não estavam nada preocupados com o “desvio” ilegal de dinheiros públicos, mas apenas e só com a natureza da entidade que o desvia. Mas também isto não tem nada de novo: já assistimos ao mesmo, na década de 80 do século passado, na América de Reagan: o que interessa não é o que se rouba, mas quem rouba!

Finalmente, uma palavra muito breve sobre o Programa do Governo em matéria de “Política Externa”. Uma pobreza: exportações, internacionalização das empresas e busca de investimento directo (como se tais objectivos dependessem fundamentalmente da natureza da diplomacia) e depois, subserviência à NATO – que está in articulo mortis – e à União Europeia – a mísera diplomacia do “bom aluno” – com juros estratosféricos e uma visão puramente unilateral das relações com os países de língua oficial portuguesa – uma “coisa” sem alma e meramente utilitarista sem qualquer tipo de reciprocidade, nem grandeza. Entre a megalomania do anterior titular e a confrangedora pobreza de propósitos do actual Governo, venha o diabo e escolha…

AMANHÃ, A GRÉCIA

HAVERÁ PLANO B, MAS NÃO O "DELES"



Quem vê a nossa TV, qualquer delas, não precisa de ouvir os porta-vozes da Comissão Europeia, do BCE ou de qualquer outro credor em transe. Os nossos repórteres encarregam-se de nos demonstrar que os gregos são uns mandriões, cheios de privilégios e mordomias, que se fartaram de viver à custa dos outros e acima das suas posses, mais que se justificando tudo o que estão a passar ou vão passar.

Esta forma ultra tendenciosa de descrever uma realidade bem mais complexa poderia ser imputada à preocupação de demonstrar aos nossos credores que nós somos diferentes – tão diferentes que até criticamos os gregos – se não fosse dar-se o caso de ser tão frequente entre certos portugueses a assimilação mimética de veneradas “virtudes” alheias que tantas vezes os leva no domínio das relações internacionais, ou mais prosaicamente, nos contactos internacionais, a nunca se situarem no seu devido lugar para fazerem qualquer observação ou estabelecer uma simples analogia mas antes no lugar daqueles que eles gostariam de ser.

Na Grécia estes pobres repórteres não falam como portugueses mas antes como eles supõem, na sua subconsciente imaginação, falaria um alemão ou um americano de um dos mais ricos estados da América.

Esta aparente sobranceria que não existe apenas na comunicação social, mas também no plano governamental, mais não é, bem vistas as coisas, que uma manifestação de puro servilismo relativamente àqueles a quem gostam de agradar por serem mais ricos ou masis fortes.

Para lá de tudo que possam dizer ou até das explicações criteriosas que pudessem ajudar a perceber o que se passou, uma coisa é certa: se o patriotismo grego se sobrepuser às insuportáveis pressões - mais do que pressões: ao ultimatum do capital financeiro e dos seus mais conhecidos representantes - quem vai acudir aos bancos credores? Vão ficar com os prejuízos e desencadear uma nova crise financeira semelhante à iniciada em 2007 ou vão ser mais uma vez resgatados pelos Estados à custa dos contribuintes?

Uma coisa é certa: se a Grécia resistir – e será muito difícil fazê-lo no plano institucional, tantas e tão intensas são as pressões que se estão exercer sobre os prováveis deputados “dissidentes” do PASOK – nunca mais nada na “Europa” será como dantes. Muito provavelmente, esta “Europa dos mercados” que tudo hipotecou ao lucro fácil e especulativo do capital financeiro e desprezou completamente as pessoas terá muito justamente a prazo, mais breve do que se supõe, o seu termo.

Quaisquer que sejam os sacrifícios por que se tenha de passar, o contributo que os gregos estão dando para pôr termo a um projecto hoje completamente adulterado pela secundarização dos cidadãos e até, no que se refere a alguns países, pela submissão de alguns povos à vontade hegemónica do capital financeiro, ficará na História como um dos serviços mais relevantes prestado nos tempos modernos à causa da democracia.

Por tudo isso, estes gregos que lutam, aos milhares, nas ruas contra a dominação estrangeira começam a merecer de todos os amantes da Democracia uma consideração e respeito semelhante à daqueles atenienses que, 430 anos a.C., Péricles homenageou, no primeiro ano da Guerra do Peloponeso, num famoso discurso, em que mais do que a sorte da contenda, contam os valores por que se luta e os princípios que se defendem!



quinta-feira, 23 de junho de 2011

O GRANDE PATRONATO FRANCO-ALEMÃO QUER O EURO




UMA TOMADA DE POSIÇÃO CONJUNTA PARA DEFENDER O ÓBVIO




Durante muito tempo pairou sobre a cabeça de muitos dos nossos entendidos nestas coisas de economia (descodificando: as referências são sempre aos economistas do sistema) a ideia de que Portugal poderia ser expulso do euro se não se portasse bem e em consonância com aquilo que eles próprios pensavam iam difundindo a política do medo para com as suas terríveis profecias facilitarem a vida ao grande capital à custa de sacrifícios suportados por aqueles sobre os quais recaem mais directamente os efeitos das políticas de austeridade.

Hoje sabe-se que as coisas não são assim: os países devedores podem ter um papel cada vez mais activo no combate à crise no sentido exactamente oposto ao que vem sendo exigido pelas grandes centrais do capitalismo neoliberal. Todavia, como os governos dos países devedores e os grandes centros de interesses neles instalados são predominantemente, para não dizer exclusivamente, constituídos por representantes dos interesses dos credores com os quais estão ideologicamente identificados, a política que acabam por fazer é a imposta pelas grandes centrais (Comissão Europeia; Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) representativas daqueles interesses.

É certo que do lado dos credores há divergências que sendo irrelevantes para o que deveria ser a política dos devedores nem por isso podem deixar de ser tomadas em conta pelas consequências que certas intransigências podem acarretar.

Em vários países credores, nomeadamente na Alemanha, na Áustria, na Holanda e na Finlândia, a imprensa populista e outros meios de comunicação social foram espalhando a ideia, com o beneplácito dos respectivos governos, de que eram os seus contribuintes que estavam a pagar a crise originada pelos “preguiçosos gastadores” dos países do sul. Internamente, nos países credores, esta ideia pode encontrar algum fundamento para germinar nas políticas de contracção salarial desde há vários anos seguidas nesses países para reforçar a sua capacidade exportadora e, simultaneamente, refrear a procura interna, ficando quem sofre estas consequências (o trabalho por conta doutrem) facilmente convencido de que os relativos "apertos" por que está a passar são originados pela sustentação de uma moeda que só lhe tem trazido dificuldades e “solidariedades caras”. E todavia nada mais falacioso já que aqueles "apertos" nada tem a ver com a "solidariedade" com os países periféricos, destinando-se antes a garantir uma competitividade acrescida geradora de extraordinários excedentes cujos benefícios revertem fundamentalmente para o grande capital desses países, o principal beneficiado de toda esta situação.

Daí que para atenuar aquele sentimento, eleitoralmente perigoso para quem governa, mas sem simultaneamente combater a censura moral sobre quem se endividou (que politicamente convém manter), os governos desses países tivessem passado a defender, ao lado dos dinheiros públicos, a participação do capital financeiro nos programas de resgate aos países em crise. E assim se salvaguardaria o essencial: o eleitorado convencer-se-ia de que já não seriam apenas os contribuintes a “pagar” com os seus impostos os “desmandos do sul”, mas também aqueles - bancos, fundos de investimento e companhias de seguros - que, pela sua incúria, exageraram na concessão de crédito a quem pelos seus “reiterados vícios” não era merecedor de grande confiança, deixando intocável a principal consequência resultante da participação numa mesma moeda de economias muito desiguais.  

Com esta proposta alivia-se a dívida interna, ou melhor, onera-se um pouco menos a dívida interna,  mantém-se a contracção salarial com os efeitos acima referidos e deixa-se intacta a capacidade exportadora dos respectivos países.

Todavia, o Banco Central Europeu  habituado, como principal representante do capital financeiro e especulativo, a transferir os efeitos da crise para os contribuintes, não acha graça nenhuma àquela proposta e por isso brande o espectro do efeito catastrófico que tal medida poderia ter na zona euro, ajudando esta sua posição a criar um clima cada vez mais difícil para os "países intervencionados".

Não obstante estas divergências relativas à participação financeira nos “programas de resgate”, aparentemente atenuadas depois das últimas declarações de Merkel, uns e outros insistem no reforço das medidas de austeridade na Grécia como condição de libertação da próxima tranche do empréstimo (a juros altos) que decidiram conceder-lhe. Medidas que a Grécia acabou por aprovar no Parlamento, com escassa maioria de votos, mas contra o sentimento amplamente maioritário do povo grego.

No entanto, começa a tornar-se evidente que a falência de um dos “países intervencionados”, por mais pequena que seja a sua economia no contexto da economia da União e por mais grave que ela pudesse ser para os nacionais desse país, teria igualmente um efeito devastador em cascata sobre as demais economias da União, inclusive as mais fortes.

E este é o grande trunfo dos devedores. Um trunfo que os seus governantes jamais serão capazes de jogar, por cobardia política e identidade ideológica com o inimigo, mas que pode vir a ser jogado pelo povo que luta na rua contra os programas de austeridade, como se está a ver na Grécia e se verá ainda melhor no futuro noutros países, desde que essa luta vá sendo assumida por todos os que estão nas mesmas condições. podendo hoje dizer-se que, se cada um fizer a sua parte, as políticas de austeridade acabarão por ser  derrotadas.

E há condições para isso, porque a zona euro, com a actual composição, constitui uma vantagem que o grande capital não quer perder. É exactamente por terem plena consciência das grandes vantagens que o euro lhes traz e das gravosas consequências que poderiam resultar do seu abandono por qualquer um dos “países intervencionados” que os patrões franceses e alemães, maioritariamente representantes do velho capital produtivo – o tal que tinha operários … - assinaram uma proclamação (manifesto), publicada nos jornais franceses e alemães, em defesa do euro. Porque eles sabem, melhor do que ninguém, das incalculáveis vantagens que o euro lhes tem trazido…

Lutar contra as políticas de austeridade a todos os níveis e nos mais diversos planos tem de ser a palavra de ordem de quem se não conforma com a recapitalização dos bancos à custa do trabalho assalariado e das pensões.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A "DESVINCULAÇÃO" DE RUI TAVARES



A FRAGILIDADE ARGUMENTATIVA



Como é do conhecimento público, o deputado ao Parlamento Europeu, Rui Tavares, eleito na lista do Bloco de Esquerda como independente, decidiu desvincular-se do partido que o elegeu e integrar-se num outro grupo parlamentar, com base num pretexto ridículo: perdeu a confiança em Louçã por causa de uma trica difícil de reproduzir sobre quem fundou ou não fundou o Bloco.

É inacreditável que semelhante coisa possa desencadear a reacção que se conhece. Mas se a sensibilidade de Tavares vibra tão intensamente com coisas destas, o que ele deveria ter feito era “rescindir” a sua ligação com o Bloco e entregar o mandato ao partido pelo qual foi eleito com base num programa que ele não vai doravante poder cumprir. Actuando como actuou, Tavares foi desleal para com os eleitores que votaram a lista do Bloco ao Parlamento Europeu.
Se a questão da confiança pessoal foi assim tão importante para ele se desvincular do Bloco não será por maioria de razão muito mais importante para os eleitores que votaram na lista pela qual foi ele eleito a quebra de confiança política que o seu gesto representa?
Não passa pela cabeça de Tavares que o fragilíssimo argumento que utilizou se vira contra ele próprio atingindo-o em cheio na sua dignidade?
Quem lê, mesmo de vez em quando, alguns dos textos que Tavares escreve no Público não pode deixar de sorrir com naïveté política do seu autor ou com a fragilidade argumentativa que frequentemente os sustenta. É essa mesma sensação que hoje perpassa das explicações com que ele acompanha a sua decisão. Mas há apesar de tudo uma diferença importante: uma coisa é dizer umas tretas, por exemplo, sobre a “inexistência da esquerda”, outra muito diferente é apresentar um argumento sério, convincente, que sustente um acto tão grave como o que Tavares acaba de praticar.
Enquanto as coisas estiverem no pé em que estão impossível será não ligar o seu lamentável comportamento aos réditos que o lugar lhe proporciona. Na sensível consciência de Tavares não lhe ocorrerá ao “revisitar” no fim das férias o seu extracto bancário que haverá nele movimentos que só vieram parar à sua conta por ter sido eleito deputado pelo Bloco de Esquerda?
Se Rui Tavares quer redimir-se, e ainda vai a tempo, siga o exemplo digno de Barros Moura quando foi expulso do PCP: entregou o mandato do Parlamento Europeu ao Partido que o elegeu!

terça-feira, 21 de junho de 2011

AINDA SOBRE A "DERROTA" DO BLOCO



VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA
Continua a propósito dos resultados eleitorais do Bloco uma aparente grande discussão, na realidade uma conversa à volta de questões secundárias, sobre as causas da sua derrota, quando a questão fundamental parece ser a de saber que tipo de partido pretende o Bloco ser.
A questão está em saber se o Bloco quer ajudar a gerir o capitalismo neoliberal, arredondando  as suas arestas mais vincadas, sem pôr de parte uma acção política pautada por uma relativa coerência ou se, pelo contrário, quer, como parece, pôr em prática um programa político que, sem explicitamente questionar a sociedade de mercado, pretende introduzir profundas reformas com vista à construção de um modelo de sociedade muito diferente daquele que hoje temos.
Se o objectivo do Bloco é o primeiro, ele vai ter de mudar de prática política e, principalmente, de discurso. Não basta certamente para que isso aconteça prontificar-se a analisar, numa perspectiva relativamente crítica, com uma futura troika as medidas que ela trouxer no bolso para aplicar à governação de Portugal. Vai ser preciso muito mais: vai ser necessário dar provas inequívocas de que está integrado no sistema e que não questiona nem pretende pôr em causa as suas bases fundamentais e o seu modo de funcionamento tal como hoje existem. A ideia de supor que uma arreigada profissão de fé às liberdades e aos direitos fundamentais que ideologia neoliberal também diz aceitar, pelo menos enquanto for ideologicamente hegemónica, chegarão para conceder ao Bloco o “passaporte” de possível partido de governo é de uma confrangedora ingenuidade política, na medida em que aceita como bons e fiáveis alguns dos instrumentos da propaganda ideológica do capitalismo oriundos de uma época em que tinha de se bater com adversários poderosos e prontos, a todo o momento, a aproveitar as suas fragilidades onde quer que elas geograficamente se manifestassem para o substituir, constituindo aqueles instrumentos, por contraposição à cultura dominante dos adversários, um poderoso factor de dissuasão contra a mudança. Nos tempos modernos a “exacerbação” desses valores funciona exactamente ao contrário: eles constituem um factor de rejeição por parte daqueles que estão sempre dispostos a transigir e a negociar sobre o seu conteúdo, sempre que as circunstâncias (ou os tempos, como diz Assis) o reclamem.
Todavia, se o objectivo do Bloco, como tem parecido, for outro, for o de “domar” o grande capital, nomeadamente o financeiro e especulativo, atacando sem contemplações os interesses instalados, apontando no sentido da construção de uma sociedade mais homogénea na sua diversidade, o Bloco tem de estar consciente de que essa luta não tem o seu ponto culminante de quatro em quatro anos nas urnas, que mais não são do que um episódio da luta mais complexa que se tem de travar com vista a um fim que nunca se sabe quando se alcança, mas que pelo simples facto de existir como ponto inarredável da agenda política constitui um obstáculo permanente presente à dominação sem oposição da sociedade neoliberal. O êxito ou o inêxito deste objectivo não pode, em “circunstâncias normais”, ser predominantemente medido pelos resultados eleitorais, que hão-de sempre reflectir com as “nuances” de ocasião a forma de pensar da ideologia dominante arreigadamente instalada no eleitorado.
O problema do Bloco, pelo menos para quem observa de fora, parece ter sido o de ter acreditado, ou continuar a acreditar, aos mais diversos níveis da sua intervenção política, na “quadratura do círculo”. A desilusão e a frustração decorrentes dos resultados eleitorais parece terem ai a sua principal explicação. Só que não há “quadratura do círculo” para quem luta por algo de novo e de muito diferente daquilo que existe…

ADITAMENTO

A reacção de Rui Tavares, que acaba de vir a público esta tarde, é a prova dos múltiplos equívocos em que o Bloco incorreu como partido de esquerda. Nem era preciso ter uma grande experiência política para antecipar possíveis consequências decorrentes de certo tipo de “contratações”. Bastava ler certos artigos da última página do Público.

Só que RT, para ser completamente coerente com a sua indignação, deveria ter deixado o lugar ao partido que o elegeu. Não o fez, porque, tal como Nobre, também ele está convencido de que tem um valor autónomo. Com a diferença, apesar de tudo importante, de “nunca se ter medido” …

A PRIMEIRA DERROTA DE PASSOS COELHO

ONTEM, NO PARLAMENTO

Fernando Nobre desiste mas fica como deputado

Nobre não foi eleito Presidente da AR. Candidatou-se quando deveria ter desistido e recandidatou-se quando já sabia que não tinha qualquer hipótese de ser eleito. Nobre é o que se pode chamar uma fraca escolha: arrastou o presidente do PSD para uma derrota que deixará marcas e que acima de tudo assinala a incomodidade do CDS na distribuição das pastas governamentais. Com outra distribuição, nomeadamente com a atribuição de uma pasta económica de peso, nunca o CDS teria votado contra.

É claro que ao CDS não lhe faltavam argumentos para vetar Nobre, tanto assim que reiterou pouco antes da votação se iniciar a posição que já se conhecia, mas essa sua insistência só serve para demonstrar que não será na coligação um parceiro dócil. No fundo, o que o CDS quer dizer a Passos Coelho é que o que perdeu na composição do governo tentará ganhá-lo na respectiva acção política.

O inefável Crespo quis no seu programa da SIC N tentar passar a mensagem de que a derrota de Nobre, uma “eminente personalidade da sociedade civil”, mais não era do que a expressão da reacção “corporativa” (Crespo chamou-lhe “aparelhística”) da classe politica contra um outsider que ousou pô-la em causa. Felizmente que estava por lá o Bernardino Soares que, mais uma vez, com uma intervenção brilhante, explicou a derrota de Nobre.

Em conclusão, o oportunismo e o populismo de Nobre tiveram a merecida resposta.

sábado, 18 de junho de 2011

O NOVO GOVERNO

A IDEOLOGIA SUBJACENTE À SUA COMPOSIÇÃO E ESTRUTURAÇÃO


Há duas ou três notas relativas à composição e estruturação do novo governo que interessa sublinhar.

A primeira é que o CDS acabou por ter uma influência muito menor do que se previa tanto na formulação da orgânica e na distribuição das pastas como na escolha dos membros do governo. De facto, para além da pasta entregue a Portas, já esperada mas com a surpresa de não ser a segunda figura do Executivo, o CDS teve de se contentar com a “lavoura” e com a solidariedade social. Ou seja, ficou com as pastas correspondentes aos seus “nichos eleitorais” sem hipótese de, pela via do Governo, estender a sua influência a outras áreas, como obviamente queria, nomeadamente na economia e na administração interna. Por outro lado, se quanto aos ministros do aparelho do PSD (Relvas, Paula Cruz, Aguiar Branco e Macedo) o CDS sempre teria pouco a dizer, já quanto aos ditos “independentes” se ficou a perceber, depois de conhecidos os seus nomes e seu radicalismo ideológico, que eles são claramente uma escolha de Passos Coelho. Bem tentou Portas até ao fim, mas como agora se vê sem qualquer êxito, influenciar a escolha de ministros mais próximos de Cavaco, quer para atenuar o tal fundamentalismo liberal - não necessariamente tanto por uma marcada discordância de fundo como por temer uma rejeição generalizada que possa arrastar o próprio PS e tornar muito difícil ou até inviável a acção do governo - quer para ter em Belém um ponto de apoio que o compensasse da sua menor força no executivo. Passos Coelho ao entregar um terço do Executivo aos radicais neoliberais, sob o rótulo de “independentes”, acabou por colocar em postos chave do executivo pessoas que lhe dão garantias de imprimir ao governo a orientação que sempre defendeu sem ter de sofrer à partida o desgaste que escolhas partidárias de idêntica matriz necessariamente lhe causariam.    

A segunda nota, que decorre da primeira, tem a ver com a entrega de pastas chave – Finanças, Economia (Trabalho, Transportes e Obras Públicas), Saúde e Educação – a fundamentalistas neoliberais. “O economista que mais admiro é Milton Friedman”, diz Gaspar. E não precisa de dizer mais nada, já que desta confessada paixão decorre todo um programa político. Nem é preciso sequer ter conhecimento do papel que desempenhou como consultor, nem das parcerias intelectuais em que participou com conhecidos “falcões” do neoliberalismo, para imediatamente se perceber que se vai ter nas Finanças um ministro turvado pela ideologia com muita dificuldade em compreender o que se está a passar e que, consequentemente, vai pôr em prática uma política que arrastará ainda mais o país para um beco sem saída semelhante àquele em que a Grécia está metida. Pior do que tudo isso, é a sua simpatia intelectual pelos que no estrangeiro, contra os interesses dos países periféricos, defendem essas mesmas políticas. E fica tudo dito sobre o que se vai ter nas Finanças

O mesmo se diga do ministro da Economia que tem como principal programa de acção política o ataque ao “trabalho” como factor de produção, quer liberalizando os despedimentos e eliminando os direitos adquiridos quer reduzindo directa ou indirectamente os custos salariais, e a transferência para o sector privado – muito provavelmente para aquele que ostensivamente mais apoiou Passos Coelho – do património do Estado, de natureza empresarial ou outra.

Na Saúde, a primeira pergunta que se impõe é: Quanto vai ganhar Paulo Macedo? Pois se nunca se conheceu o fundamento jurídico da sua remuneração enquanto esteve no tesouro e se sabe que deixou o lugar quando cessou a possibilidade de continuar a ser remunerado nos mesmos termos em que era no governo PSD/CDS, a questão tem todo o fundamento e exige um esclarecimento público. Claro que com tão altos ordenados, alguns de legalidade muito duvidosa, não admira que o novo ministro entenda que a “crise é a maior bênção”que pode acontecer a países como Portugal. Fica a expectativa do que fará na Saúde: se vai cortar no supérfluo e no desperdício ou se vai entregar o que é negócio aos privados. E a que tipo de “lobbies” vai ele fazer frente no ministério…Dentro de dias se saberá.

De Crato, para além das charadas e dos problemas matemáticos com que costuma preencher as últimas páginas das revistas dos jornais de fim-de-semana, sabe-se pouco, pelo menos, fora das áreas em que ele se situa. A ideia de implodir o Ministério da Educação tanto pode ser boa como má. Depende do que se pretende fazer depois da implosão, mas quando se ouve falar num papel essencialmente regulador fica-se imediatamente de “pé atrás”.

A terceira nota tem a ver com a escolha dos ministros do aparelho do PSD. Relvas à parte, parece ter havido a clara preocupação de entregar, com objectivos diferentes, ao aparelho do partido a gestão de três ministérios institucionais, ou seja, daquilo a que no dizer dos neoliberais se deve confinar a função do Estado – Defesa, Justiça e Segurança Interna (além obviamente das relações externas, no caso entregue ao CDS).

Enquanto para a Defesa houve a preocupação de escolher um ministro fraco, com baixa capacidade argumentativa e também com pouco dinheiro, para assim se assumir a pouca relevância que o sector vai ter na próxima legislatura em consequência da situação económica do país, já que no respeita à Justiça e à Administração Interna, ambas sob o “fogo cerrado” da opinião pública, houve o claro propósito de as entregar a duas personalidades marcantes, sobre as quais recai o pesado encargo de empreender amplas reformas em sectores onde os interesses corporativos (embora com pouca ou nenhuma ligação a interesses empresariais) são muito fortes. Enquanto Macedo, além das reformas, vai tentar “centralizar” e “orientar” toda a informação relevante, principalmente a confidencial, no interesse do partido e do governo (e esta é mais uma pesada derrota de Portas), Paula Teixeira da Cruz, a única personalidade que à partida beneficia do chamado “préjugé favorable” dos meios políticos relevantes, jogará parte do seu futuro político na difícil gestão da pasta da Justiça. Ou consegue, com êxito, dar a volta à situação caótica que se vive no sector ou tudo fica na mesma ou pior, e então a sua carreira política acaba antes de verdadeiramente ter começado.

Mais dois pequenos apontamentos.

Conhecida a composição e a orgânica do Governo, percebe-se agora melhor – aliás, percebe-se perfeitamente – por que razão Portas reiterou a rejeição a Nobre para Presidente da AR. Mas a serem verdadeiras certas informações recentemente veiculadas sobre mais algumas das “ligações” de Nobre, não se pode dizer que as “cartas estejam jogadas”. Veremos o que vai dar o voto secreto…

Por último, tem de reconhecer-se que a composição e a orgânica do Governo revelam uma independência e uma inteligência bem superior à que se supunha pudessem existir, devendo os que apostavam em outras soluções mais óbvias e menos elaboradas fazer a respectiva autocrítica, a começar por nós próprios. Independência relativamente àqueles que dentro da mesma área concorriam com Passos Coelho na “chefia” do Governo e inteligência no favorecimento da agenda neoliberal numa perspectiva radical a ponto de a própria estruturação e composição do governo terem sido pensadas numa base marcadamente ideológica de modo a reflectir a ideia de que à “sociedade civil” ficam entregues as pastas cujas matérias para ela devem transitar e aos aparelhos partidários aquilo a que o neoliberalismo chama as “funções tradicionais” do Estado, apenas com uma leve excepção - a da “lavoura” que estava para ser integrada na Economia - ditada pelo apego eleitoral de Portas ao tema e também pela premente necessidade de caminhar no sentido da suficiência alimentar ou de pelo menos se dar a ideia de que se está a caminhar nesse sentido.

Em conclusão: a orgânica e composição do governo obedecem a uma ideia bem estruturada que não deixa qualquer espécie de dúvidas quanto ao que vai ser a sua acção política.




sexta-feira, 17 de junho de 2011

CONTINUANDO NOS COMENTÁRIOS SOLTOS



SOBRE A ACTUALIDADE



1 - O que fará Mário Soares, que tão inimigo do neoliberalismo se dizia, manifestar uma tão grande compreensão e apreço por Passos Coelho e simultaneamente prodigalizar múltiplos conselhos ao PS todos do interesse do PSD? Por que será?

2 - Agora que o governo mudou ou vai mudar dentro de dias houve quem acreditasse que a RTP iria substituir o Ricardo Jorge Pinto, além do mais um grande “soda”, por alguém próximo do PS para compensar os anos em que o teve como comentador matinal do PSD. Mas não, ele lá continua matinalmente a tentar explicar-nos por que é muito importante ter um Ministro das Finanças “independente”.

3 - Aquela de o Medeiros Ferreira ter dito que o Nobre é uma espécie de “bem não transacionável” tem mesmo muita piada…

4 – Há manhas da direita que são verdadeiramente insuportáveis como aquela de as segundas linhas da coligação - os “relvas” de um e de outro lado - tentarem fazer crer à malta que essa coisa da composição e da orgânica do Governo é um assunto de Estado que nada tem a ver com os partidos.

5 – Os protestos da “geração à rasca” são muito interessantes se forem assim uma espécie de Luna Park, com divertimentos para todos os gostos. Se forem protestos de desespero, dirigidos contra aqueles que os puseram na situação em que estão, então a coisa já muda de figura e a simpatia dá lugar ao insulto. A doer sim, desde que os que sofram sejam sempre os mesmos.

6 – Há algumas semelhanças entre o que se passa hoje e o que se passou há um século, mas  as  diferenças são muito mais relevantes. Então, estava em vias de terminar a primeira globalização iniciada na segunda metade do século dezanove; hoje, a segunda globalização aparentemente reforça-se, apesar da crise; há um século, a globalização levou à bancarrota de vários países; hoje, acontece quase o mesmo; há cem anos, o padrão-ouro imposto pela potência dominante acabou por ser fatal para os menos competitivos; hoje, o euro tem exactamente o mesmo efeito; há um século, o desemprego nos países europeus decorrente do desenvolvimento industrial e dos progressos tecnológicos originou um movimento migratório nunca antes visto para os novos territórios, principalmente da América do Norte e do Sul; hoje, o desemprego europeu, salvo o muito qualificado, não é absorvível em nenhuma outra parte do mundo; há um século, havia um forte movimento operário, internacionalmente ligado, com um projecto político de tomada de poder; hoje, o movimento operário, como tal, tem uma força meramente residual, ancorada nos sindicatos que restam, e não tem qualquer projecto de tomada de poder; por outro lado, a força laboral dos demais sectores, com predominância dos serviços, não se encara como classe social e partilha em larga medida os mesmos valores do capital, apesar de impiedosamente fustigada pela crise; há cem anos, havia a convicção da existência de uma forte solidariedade internacionalista que três anos mais tarde se revelou não existir; hoje, há quem utopicamente sonhe com essa solidariedade para dar a volta a crise, sem que tal “sonho” seja alicerçável em qualquer tipo de base; há cem anos, havia um projecto de mudança radical que parecia inatingível, mas que acabou por se concretizar não tanto pelas “condições objectivas”que o proporcionaram, mas porque na cabeça de quem lutava e, principalmente de quem dirigia a luta, havia uma ideia muito clara do que se pretendia alcançar; hoje, o descontentamento resulta do que se perdeu ou do que não se conseguiu alcançar e dá lugar a um sentimento difuso mais dirigido a um regresso ao passado do que propriamente à construção de um novo futuro. Por outras palavras,  ainda vai ter de acontecer muita coisa antes que uma nova mentalidade surja.


quarta-feira, 15 de junho de 2011

COMENTÁRIOS DISPERSOS

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ACTUALIDADE

1 -A grande questão com que Passos Coelho se defronta é a de saber quem vai mandar no Governo. Há, como se sabe, três candidatos: o próprio, que se considera legitimado pelo voto popular para exercer as funções de coordenação e direcção do executivo; Paulo Portas, que pela primeira vez chega ao poder com um líder do PSD mais fraco do que ele e que, além disso, se considera muito mais preparado e capaz; e, por último, Belém, que quer ter um papel preponderante no próximo executivo não apenas pela informação segura que quer recolher a tempo e horas, mas fundamentalmente pela presença nele, em pastas importantes, de gente da sua confiança com que possa falar e aconselhar à vontade sem peias institucionais.
Neste jogo complexo, Portas tenderá a apoiar conjunturalmente Belém, insistindo em nomes próximos de Cavaco ou por este aceites sem reservas. Quer dizer, Portas não só está tendo inteira liberdade na escolha dos ministros do CDS como está opinando sobre os do PSD.
Perante este cenário, o desamparado Passos Coelho – ele está amparado em Relvas, mas isso conta pouco – começa por jogar a sua credibilidade na composição do Governo, mais do que da sua orgânica. Se as pastas-chave forem ocupadas por nomes próximos de Cavaco e do CDS, como muito provavelmente vai acontecer, o indigitado Primeiro Ministro dificilmente recuperará a autoridade que à partida perdeu.
Há muita boataria a correr, como sempre, mas também há algumas brincadeiras de Carnaval como a de Bessa ir para as Finanças e Barreto para a Justiça…
2 - O triste episódio Nobre parece estar resolvido. Ao que tudo indica o CDS não o apoia e o PSD cumprirá a palavra, acabando por ter de indicar outro nome por rejeição de Nobre. Para além de tudo o que vai acontecer seria um desprestígio para o Parlamento ter Nobre como presidente. Portas sentiu que tinha a esmagadora maioria da opinião pública por si e não teve dúvidas em pôr cobro ao oportunismo de Nobre, embora o gesto não deixe de revelar a tal supremacia de que acima falámos.
3 – Entretanto, os candidatos do PS vão dizendo muita coisa: uns que são de esquerda; outros que também são; uns e outros muito responsáveis e por ai adiante. Mas o que a gente quer é actos. De palavras e promessas está o PS cheio…e nós também. Só depois é que se vai ver, mas não há nenhuma razão para supor que desta vez vá ser diferente das demais.
4 – Para terminar, ai está a Grécia a mostrar a todos qual não é o caminho e que outras vias têm de ser trilhadas. Enquanto o BCE e a Merkel se entretêm numa disputa que para os devedores é pouco menos que irrelevante – de facto, a Merkel, cheia de derrotas, quer agradar aos eleitores e o Trichet, obediente, não ousa desagradar aos banqueiros – já que nem uma nem outra “solução” resolvem o que quer que seja, na Grécia o governo está em vias de cair, o povo não pára de se manifestar e a rejeição popular das medidas impostas é praticamente total.
A Grécia está dando o exemplo e é esse o caminho que tem de seguir-se. A luta tem de ser feita na casa de cada um. É utópico supor, como tantas vezes aqui se tem dito, que os periféricos se podem unir em busca de uma solução diferente e que em comum lhes agrade. Isso jamais acontecerá, mas a luta pode potenciar-se se cada um, no seu próprio espaço, fizer a sua parte. Somente neste caso é que luta de todos valerá mais do que a simples soma das partes.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer. Em Espanha, a luta está na rua e tenderá a alastrar-se. Em Portugal há muita gente sinceramente convencida de que as coisas vão agora mudar para melhor. Mesmo aqueles que mais penalizados vão ser pelas políticas que a coligação vai pôr em prática acreditam numa melhoria da situação. Por isso, vai ser preciso algum tempo…
Finalmente, há entre os que protestam uma maioria considerável que ainda acredita que serão aqueles que governam (ou costumam governar) que acabarão por atender às suas reivindicações. E todo o protesto vai um pouco no sentido de uma maior equidade na distribuição dos rendimentos, directa ou indirectamente, a começar pela conquista de emprego. Só quando quem protesta perceber que as coisas apenas mudam realmente quando forem eles próprios a decidir sobre o seu futuro, é que as coisas vão realmente mudar. Leva o seu tempo, mas há muitas décadas que não havia uma situação tão favorável como aquela que a voragem da crise está a criar. Quanto mais a ganância se exacerba, mais perto estaremos de dar a volta a isto.

AS NEGOCIAÇÕES PARA A FORMAÇÃO DO GOVERNO



AS ÓBVIAS CONSEQUÊNCIAS




Relvas vem agora dizer que afinal não haverá fusão, mas concentração, logo os ministérios que ficam sem ministro mantêm-se, inteiros ou desmembrados, doravante administrados pelo titular de uma pasta ministerial com outro nome.

Dito de outro modo: a realidade tem muita força e das propostas iniciais de uns e de outros apenas restará demagogia com que se pretende enganar o vulgo, dando-lhe a entender que o Governo só tem dez ou doze ministérios.

A única vantagem que essa fictícia redução dos ministérios poderá ter é a diminuição de incompetentes à frente das pastas ministeriais. Mesmo assim haverá muitos, a dar crédito às notícias que têm vindo a público.

Quando se fala em incompetentes não se está a pensar em pessoas que têm ideias diferentes das nossas e menos ainda naqueles que têm como agenda política a construção de um modelo de sociedade muito diferente do actual, baseado num crescimento económico gerador de uma sociedade dual com inteiro domínio do capital sobre o trabalho.

Quem assim actuasse, com êxito, seria certamente competente e a única via que restaria para contrariar aqueles objectivos seria a luta sem tréguas contra esses competentes agentes da “nova sociedade”.

Mas não é isso o que se passa. Eles são incompetentes, embora não deixem de ser política e socialmente perigosos. De facto, todos esses ministeriáveis com que os jornais diariamente nos brindam já deram provas da sua incompetência nas diversas pastas ministeriais ou lugares de relevo por onde passaram.

Em primeiro lugar, eles não foram capazes de compreender o que significava a adesão ao euro; menos ainda foram capazes de analisar os desequilíbrios existentes no seio da União Europeia e antecipar as óbvias consequências; não foram também capazes de compreender a inevitabilidade, para o capital dos países frágeis, de encontrar rentabilidade em áreas que a prazo acentuariam aqueles desequilíbrios; eles não são sequer capazes de perceber que, mesmo do ponto de vista dos seus interesses, as medidas que vão pôr em prática só levam a um agravamento da situação; numa palavra, eles não percebem como funciona o sistema capitalista e dentro dele o modelo de economia que defendem.

Esta incompetência vai-lhes ser fatal a um prazo relativamente curto. Eles só têm debaixo dos olhos ideologia barata e baseiam todo o seu “saber” em “fèzadas”. Para eles tudo resultará, desde que se conduza um ataque bem sucedido contra o trabalho, diminuindo o seu custo, directo ou indirecto, e, simultaneamente, se reduza a despesa pública nas áreas sociais. Tudo isto porque eles supõem na sua ideológica ignorância que é a despesa pública que atrofia o desenvolvimento do sector privado e impede o crescimento económico, como se a despesa pública não tivesse toda ela um reflexo imediato no sector privado, como aliás se está a ver pelo que está a acontecer ao dito sector privado em consequência das medidas de austeridade já em curso. Mas eles ainda acreditam noutras “fadas”: acreditam que a economia de um país pode estar fundamentalmente virada para a exportação e que está se expandirá baixando os custos do trabalho. É esse o programa do novo governo em todos os domínios. Numa palavra, eles nem os clássicos do capitalismo conhecem e menos ainda a sua história.

Eles são incompetentes e perigosos: vão afundar o país e deixá-lo num beco sem saída. Tudo aponta nesse sentido. As pressões que se pressentem em cada intervenção televisiva dos altos representantes dos bosses do capital não deixam lugar a dúvidas.

Perante este quadro só resta mover-lhes uma luta sem tréguas.

terça-feira, 14 de junho de 2011

A INCOMODIDADE DE CAVACO POR ACTOS DO CAVAQUISMO

A PROPÓSITO DA QUEIXA-CRIME CONTRA O DIRECTOR DA SÁBADO

Soube-se na semana passada que Cavaco Silva exprimiu a sua indignação pelo que dele se disse a propósito dos dois discursos que proferiu no “dia da vitória” dando luz verde ao Ministério Público para avançar com um processo-crime contra o director da revista Sábado, acusado de crime de ofensa à honra do Presidente da República.
O escrito de Miguel Pinheiro está na rubrica "Sobe e Desce" daquela revista, onde a propósito dos tais discursos o jornalista disse: “Tal como Fátima Felgueiras e Isaltino Morais, Cavaco Silva acha que uma vitória eleitoral elimina todas as dúvidas sobre negócios que surgem nas campanhas”.
É evidente que não é preciso ser especialista em Direito Penal ou sequer licenciado em Direito para imediatamente se perceber que o escrito de Miguel Pinheiro em nada atenta contra a honra do Presidente da República. O que o jornalista quis dizer é que os resultados eleitorais sejam eles de quem forem não servem para apagar as condenações não transitadas em julgado, nem tão pouco as acusações ou simples suspeitas de actos praticados por políticos no exercício de funções ou fora delas.
É isto que toda a gente percebeu, como toda a gente percebeu o profundo ressentimento e azedume de Cavaco Silva por, durante a campanha eleitoral para as presidenciais, terem sido trazidos a público negócios em que o candidato era parte numa altura em que não exercia qualquer função política, embora continuasse a ser, como é desde 1979, uma personalidade política de grande relevo.
Uma personalidade política com grandes responsabilidades na actual situação do país enquanto governante, nas diversas funções tem ocupado, e por isso também com acrescidas responsabilidades no esclarecimento de todas as dúvidas surgidas a propósito de negócios em que tenha participado fora do exercício daquelas funções.
Esclarecimentos que Cavaco Silva não prestou ou quando tentou fazê-lo fê-lo de modo incompleto, com reticência, e num dos casos de modo a permitir uma interpretação errada dos leitores.
Essas questões foram minuciosamente analisadas neste blogue, em múltiplos posts, à medida que os factos se tornaram mais claros para quem os queira analisar com o rigor que eles merecem.
A profunda indignação de Cavaco Silva parece, porém, resultar de, pela mesma data ou um pouco antes, mas de qualquer modo com grande actualidade na agenda política, se estar a discutir publicamente e a investigar judicialmente a participação de conhecidas personalidades do cavaquismo nos negócios ilícitos do BPN, dos quais resultaram como toda a gente sabe danos avultadíssimos para o erário público português.
É claro que Cavaco Silva não é pessoalmente responsável pelos actos por que estão sendo investigados ou acusados alguns dos seus antigos “ajudantes” ou “colaboradores”, embora esses actos sejam politicamente relevantes, como o próprio Cavaco é o primeiro a reconhecer pela incomodidade que essa antiga ou mais recente proximidade lhe causa.
 De facto, houve erros de avaliação de personalidade em que um político não deve incorrer. Por outras palavras, como teria agido Cavaco Silva enquanto Primeiro Ministro ou mesmo como Presidente da República se tivesse admitido como provável que tais pessoas iriam praticar (ou tinham praticado) os actos de que estão acusados ou simplesmente investigados mesmo sabendo que somente ocorreriam depois do exercício de funções?
Dir-se-á que são uma minoria quando confrontados com os muitos sobre os quais não recai qualquer suspeita. É verdade. Todavia, também é verdade que grande parte dos seus “colaboradores” ou “ajudantes” foi escolhida no mundo dos negócios, que não era ( e continua a não ser) na opinião de muitos o meio mais indicado para recrutar gente encarregada de lidar com a coisa pública, tanto assim que a “promiscuidade” de que hoje tanto se fala entre a política e os negócios se desenvolveu com gente saída desse meio no exercício de funções governamentais.
Todas estas questões são particularmente embaraçosas do ponto de vista político, tanto mais quanto maior é a proximidade dos que prevaricam com antigos ou actuais governantes. E muito mais ainda para aqueles que a todo o momento querem fazer crer que nada têm a ver com a política e pretendem que do exercício dos cargos públicos que ocupam apenas se diga que o fazem por amor à grei e com pesado sacrifício para os seus interesses pessoais.
De certo modo, voltamos ao discurso de Barreto: uma conversa falsamente moralizante feita por quem está de fora, se julga acima e gostaria de estar dentro. Aqui é uma conversa de quem está dentro, quer continuar por cima e pretende ser visto como se estivesse de fora. São as duas faces da mesma moeda…





domingo, 12 de junho de 2011

NOTINHAS DE FIM-DE-SEMANA

O QUE FICA DO FIM-DE-SEMANA




Em primeiro lugar, o apelo de Cavaco para o ressurgimento do Portugal agrário do interior – o tal Portugal que a adesão à Comunidade Europeia ajudou a desertificar – e o regresso à agricultura que os dez anos de governação cavaquista quase conseguiram aniquilar.

Não se regressa ao interior para respirar um ar mais puro ou para desfrutar das belezas da natureza, quando existem. Fora os caos de saturação do ambiente urbano, regressa-se para o desempenho de uma actividade económica bem mais lucrativa do que aquela que se tem no litoral.

Fazer agricultura seria uma boa ideia. Só que fazer agricultura fica caro, muito caro e há hoje tanto na Europa como fora dela quem a faça bem mais barato do que nós. A ideia poderia aproveitar-se se houvesse o engenho suficiente para frustrar as facilidades de que gozam cá dentro os produtores comunitários, concedendo a quem cá está e é de cá o indispensável para tornar a sua actividade agrícola mais competitiva que a alheia, contanto que as vantagens concedidas mais que compensassem as desvantagens da importação em larga escala de produtos estrangeiros.

Mas que tem coragem de fazer isto? Quando falam em competitividade cá dentro ou lá fora somente têm na ideia a redução dos custos laborais, os directos e os indirectos…e assim não se vai lá.

A segunda nota tem a ver com as negociações para a definição da orgânica do governo e a respectiva distribuição das pastas. Como se tem visto e de imediato se percebe essas negociações têm assentado, por um lado, na provinciana ideia de impressionar o povo com uma drástica redução de ministérios, e, por outro, de conciliar tudo isto com a bilateral voraz vontade de "ir pote” que as equipas negociadoras não conseguem disfarçar.

Entre as extinções e fusões anunciadas sobressai pelo seu simbolismo ideológico a anunciada extinção do Ministério das Obras Públicas, um dos mais velhos ministérios deste país. A ideia é por demais evidente: a pretexto da contenção da despesa pública, mesmo da despesa de investimento como é o caso, o que se pretende é marcar impressivamente a natureza neoliberal da nova equipa governamental. Nem os neoconservadores na América foram tão longe. Mas é normal a diferença, porque a ignorância também é aqui incomparavelmente maior.

Depois vem as fusões. Pois, deixá-los fundir. Que se fundam. Nem eles suspeitam na que se vão meter…

Em terceiro lugar, uma nota que não tem nada a ver com as anteriores ou, de outro modo, que teria evitado as anteriores se as coisas se tivessem passado de modo diferente. Ou seja, hoje tem de reconhecer-se que o grande erro de Sócrates foi o de não se ter candidatado à Presidência da República contra Cavaco e de, simultaneamente, ter passado a direcção do partido a António Costa. Actuando como actuou, perdeu São Bento e Belém.
Tem que se dizer, em homenagem à verdade, que somente Medeiros Ferreira sugeriu aos socialistas este caminho…que eles não seguiram, sempre por aquela conhecida razão de que mais vale ter um pássaro na mão do que dois a voar ou, como agora se diz, mais vale um pote certo do que dois incertos. De facto, não há nada mais estúpido do que o senso comum. Mas de que vale um “Bom Conselho”?

sábado, 11 de junho de 2011

O DISCURSO DE BARRETO



O DEZ DE JUNHO DE CAVACO
António Barreto defende "adequação" da Constituição



Cavaco anda eufórico. Aquele rictus facial que impiedosamente o marcava aliviou-se; sente-se que está solto; conta episódios da infância sem graça nenhuma a propósito das cerejas que não havia no Algarve; viu-se livre de Sócrates – o seu pesadelo pessoal acabou.

E para comemorar a vitória da direita convoca pela segunda vez em pouco tempo Barreto, essa figura da baixa intelectualidade portuguesa, para fazer o discurso de acolhimento aos novos governantes e dar porrada nos que vão sair.

A linguagem, porém, nunca é corajosa, frontal, directa; é sempre uma linguagem de cernelha, um discurso que de quem está de lado e se julga acima, baseada numa pretensa legitimidade que somente ele sabe onde se fundamenta, feita em nome de um suposto interesse nacional de que se considera o verdadeiro intérprete.

Se ele tivesse a coragem e a inteligência de falar por si, em seu nome, e de dizer o que pensa, muito provavelmente ninguém o ouviria porque na realidade ele nada tem para dizer. Então usa o expediente de se arvorar em depositário das lídimas virtudes pátrias para em nome delas nos dizer o que temos de fazer. Mas não contente com isso, acaba falando de igual para igual com o povo a que se dirige: de um lado ele, do outro o povo, elogiando-o hipocritamente para lhe dar conselhos imperativos, próprios de quem se julga detentor dos meios que lhe permitem atingir as metas que ele previamente lhe traçou – enfim, ridículo.

Nesse discurso reaccionariamente bafiento o que diz Barreto tão sublimemente ao povo? Que é tempo de criar laços de afectividade entre patrões e empregados, de fomentar uma “comunidade de cooperação”, enfim, tempo de aceitar o ataque concertado ao trabalho com factor de produção como se não via há mais de cem anos. É esta a modernidade de Barreto e por ela se avalia o que pretende para a juventude, o que realmente quer quando defende a revisão da Constituição ou propõe a reforma do sistema político por ele considerado obsoleto e confuso.

É esta medíocre intelectualidade portuguesa, de que Barreto é um dos exemplares mais exibidos, que condena este país ao atraso, à dependência e ao fracasso.