quarta-feira, 21 de setembro de 2011

AUTONOMIA REGIONAL: MUITOS PODERES, POUCAS OBRIGAÇÕES

O QUE SE ESPERA DA AR E DO  PR

O regime das regiões autónomas em Portugal ou das regiões em Espanha, para citar um exemplo geograficamente próximo, está constitucionalmente delineado nas respectivas Constituições e Estatutos numa perspectiva que facilita ou até incita à irresponsabilidade. Há muitos direitos e poucas obrigações. Não está de forma alguma em causa a transferência de poderes da mais variada espécie para as regiões, alguns dos quais até soberanos. Pelo menos, em Portugal não está. Em Espanha a situação poderá ser – e certamente é – diferente. O que está em causa é que essa transferência de poderes não seja acompanhada das correspondentes obrigações, em termos tais que o seu incumprimento se reflicta apenas e só sobre a região que as viola.

Se tal não se afigurar juridicamente possível – e admite-se, pelo menos em certos domínios, que nem sempre seria possível configurar o princípio da unidade do Estado com tais consequências - terá de encontrar-se um meio de impedir que o prevaricador possa politicamente ficar impune ao abrigo dos privilégios do poder regional.

No governo da República - governo em sentido amplo - o Presidente da República pode demitir o Governo – órgão de soberania – quando tal se torne necessário ao regular funcionamento das instituições. Demitindo o Governo, o PR pode, sem dissolver o Parlamento, nomear um outro Primeiro Ministro, nos termos do artigo 187.º da Constituição. Para não acontecer o que já sucedeu nos primeiros anos da democracia saída do 25 de Abril, o PR começa por indigitar o PM e só depois de este lhe dar garantias de que conseguirá formar Governo, o nomeará formalmente. Se o indigitado não conseguir formar Governo, o PR pode ainda, se politicamente achar esse caminho viável, indigitar outra personalidade. Se depois dessa insistência o indigitado não conseguir formar governo, o mais provável é que o PR dissolva o Parlamento e marque eleições legislativas.

A demissão do governo por irregular funcionamento das instituições – situação que em Portugal nunca ocorreu – seguida de eleições legislativas não garante que o responsável pelo governo exonerado não volte a ganhar as eleições e o PR se veja de novo confrontado com a “quase obrigação” de o nomear Primeiro Ministro.

É, porém, verdade que se o irregular funcionamento das instituições, que determinou a demissão do Governo, for de tal modo grave que de forma alguma aconselhe a nomeação da mesma personalidade para o cargo de Primeiro Ministro, o PR, sem desrespeitar os resultados eleitorais, poderia recusar-se a indigitar a personalidade que antes demitiu, independentemente da “legitimidade” readquirida em novas eleições. O mais provável é que o não faça. Assim como também é muito provável que no contexto nacional tal situação não ocorra, já que os eleitores, actuando sem os constrangimentos típicos dos “pequenos espaços”, tendem a punir pelo voto o partido dos anteriores governantes.

Claro que estamos a falar de situações graves e inequívocas e não de “tricas” ou de disputas políticas entre o PR e o PM, pois, neste o caso, o mais provável até seria que o Presidente “desrespeitado” nas urnas se visse compelido à demissão.

Nas regiões autónomas, o regime jurídico é muito diferente. O PR não pode demitir o presidente de um governo regional por irregular funcionamento das instituições, apesar de lhe competir a ele - Presidente da República - assegurar o regular funcionamento das instituições em todo o território nacional. E o representante da República tão-pouco o pode fazer. O PR pode dissolver a Assembleia Regional e por essa via provocar eleições, mas já não pode impedir que aquele que até então chefiava o Governo a ele regresse, na mesma qualidade, se o seu partido vencer as eleições. Teoricamente, podê-lo-ia fazer o representante da República já que é ele nomeia o presidente do governo regional, tendo em conta os resultados eleitorais. Mas se ninguém, salvo o parlamento regional, pode exonerar o presidente regional, como poderia o representante da República deixar de nomear o chefe do partido mais votado, mesmo que esse seja aquele que politicamente, por motivos graves, levou o PR a dissolver a Assembleia Legislativa Regional?

A inexistência de um sistema de controlo político em última instância, propicia, num regime teoricamente democrático, a prática, pelos presidentes dos governos regionais, desde que tenham maioria parlamentar, de verdadeiras tiranias (no sentido político-filosófico do termo) sem qualquer tipo de sanção política, apesar de tais práticas poderem ser altamente prejudiciais para muitíssimas pessoas que nada tem a ver com a respectiva região, nem nada podem fazer para inverter o seu rumo político.

O poder que antes existia de dissolução dos órgãos de governo das regiões autónomas por prática de graves actos contrários à Constituição desapareceu, em homenagem ao princípio da autonomia. O exercício deste poder, embora teoricamente não impedisse, em nova eleições, a vitória dos mesmos governantes que antes praticaram actos graves contrários à Constituição, tinha pela sua natureza excepcional e pela gravidade do seu exercício um indiscutível efeito dissuasório sobre o eleitorado que, por mais constrangido que estivesse nas suas escolhas, seria levado a pensar duas vezes antes de votar.

Tudo isto tem a ver com o que se passou na Madeira. Atenção: não está necessariamente em causa a dívida, apesar de os seus limites máximos estarem juridicamente regulados. Não está em causa a situação aqui tantas vezes aludida de o capital, por falta de competitividade no quadro comunitário aberto, se ter refugiado nas actividades onde não tem de sofrer a acção da concorrência dos mais fortes. Não é isso que está em causa: aquela consequência é uma inevitabilidade do sistema no caso de haver dinheiro barato à disposição de quem dele precisa… É uma inevitabilidade pelo menos até o sistema rebentar, seja por falta de liquidez, seja, posteriormente, por insolvência. Mas isso já é outra conversa.

Nem sequer está em causa, para quem já se habituou a conviver dentro do sistema, o regime de compadrio e nepotismo que existe por todo o lado, principalmente no âmbito do poder descentralizado, pelo menos enquanto não cair sob a alçada da Justiça. Até lá – um lá que, como se sabe, nunca ou quase nunca chega – só os eleitores podem obviar a esse mal, já que os políticos que exercem funções de supervisão sem “provas” - as famosas provas – nunca actuam. E mesmo os eleitores só o farão se não estiverem completamente condicionados pelo poder a que estão submetidos. Por múltiplas razões, desde a sua dependência económica do Governo à convicção de que a mudança lhes seria altamente prejudicial.

Digamos, magnanimamente, que, no caso da Madeira, não está em causa o que já seria muito grave. O que está em causa, na Madeira, é o facto de a dívida ter sido dolosamente escondida e de o próprio prevaricador se vangloriar agora, eleitoral e politicamente, do acto que cometeu. Podem entretanto já lhe ter recomendado que faça a maquilhagem das suas declarações. Mas isso de nada vale. Toda a gente ouviu o que disse Jardim e a convicção com que o fez. Para o Presidente do Governo Regional da Madeira o acto, os múltiplos actos praticados ao longo dos anos, de ocultação dolosa da dívida, tem uma justificação política e moral irrecusável.

Ora, isto é politicamente inaceitável. Exige-se por isso que os dois órgãos de soberania directamente provenientes do voto popular tomem sobre o assunto uma posição. Uma posição inequívoca que, tendo em conta tudo o que se passou, e os reais prejuízos que a irresponsável conduta causará a milhões de portugueses, declare Jardim uma personalidade politicamente non grata!

Não adianta estar a pedir ao PM que faça isto ou aquilo, porque faça o PM o que fizer – e não é de acreditar que faça muito mais do que já fez – a sua acção terá sempre pouca força. Essa força só pode provir dos órgãos verdadeiramente representativos. É desses, da Assembleia da República e da maioria que a domina, e de Cavaco Silva, como Presidente da República, que se espera uma decisão e a consequente actuação - uma actuação politicamente de tão graves consequências como uma moção de censura ou a exoneração do Governo.

É simplesmente inadmissível que perante actos desta gravidade o Presidente da República se limite a apelar à coesão nacional ou falar em falhas de comunicação das autoridades da Madeira ao INE e ao BP. Como é possível que Cavaco, sempre tão interventivo em questões da dívida – da dívida ostensiva, não escondida – nada mais tenha a dizer sobre a situação da Madeira? Como é possível que Cavaco Silva que em Julho do ano passado se não coibiu de sobressaltar os portugueses, despertando-os da sua dormência estival, para lhes falar acaloradamente de uma questão menor do Estatuto político administrativo dos Açores, e agora nada mais tenha a dizer sobre o que se passou na Madeira?

Em conclusão: tanto o PR como a AR têm de actuar politicamente; se nada fizerem e se limitarem a deixar correr a situação dificilmente, aos olhos dos portugueses, deixarão de ser politicamente tão responsáveis como Jardim!

2 comentários:

Jorge Almeida disse...

Por falar em Estatuto Político-Administrativo dos Açores, onde anda Cavaco nesta altura? Nesse tempo, só faltou andar à batatada com Carlos César, hoje é tudo beijos e abraços.

E porque é que Cavaco, sabendo-se estes buracos na Madeira, não volta para Belém, e põe AJJ na ordem? Porque é que não diz a Passos para vender a ilha? Ou, ao menos, para usar o dinheiro transferido do OE todos os anos para a Madeira para pagar a dívida destes? Quem fez a dívida foram os representantes do povo madeirense, logo eles que paguem. Que vivam com o que produzem. Assim, pode ser que abram os olhos, e votem em alguém que haja democraticamente.

Anónimo disse...

Ao J. Almeida
É um facto que os madeirenses têm elegido o seu bokassa com base numa permissa falsa: é que eles nunca puderam avaliar a real qualidade da sua governação; houve sempre quem derramasse dinheiro para ocultar a sua "colossal" ineficiência e "gaspillage"; mais, tem havido sempre quem garanta que, por mais patifarias que ele faça, haverá sempre agum primeiro ministro disposto a ceder às chantagens do régulo e tape todo o tipo de buracos ainda que, assim agindo, esteja a fazer pagar a outros portugueses o desvario do ilhéu e, agora importante( pelo momento), a colocar o país perante o exterior na situação em que ele coloca a madeira. Logo, pergunta-se: se os eleitores madeirenses devem ser colocados perante as suas responsabilidades por eleger e incensar ostensivamente o seu rei UBU, que dizer dos eleitores de quem, cobardemente, ou por interesses inconfessáveis, cedeu?. Por exemplo: porque é que Guterres "magnânimamente" achou que devia e podia dar um bónus, só de uma vez, de 700 milhões?
LG