quarta-feira, 16 de março de 2011

A ENTREVISTA DE SÓCRATES


COMENTÁRIO DE QUEM NÃO A VIU

Não vi, estava a ver o Bayern-Inter, de certeza muito mais interessante. Porque estive até ao fim sem saber como o jogo iria acabar. A Europa tem muitos defeitos, mas a maior parte dos jogos de futebol ainda preservam aleatoriedade inerente a qualquer jogo.
Com a entrevista de Sócrates, à semelhança do que por cá se passa com certos jogos de futebol, já se sabia antecipadamente como começaria, como decorreria e como iria acabar. A questão, porém, não só é essa.
A questão é que as alternativas institucionais a Sócrates são exactamente iguais ou piores. O PSD não tem rigorosamente nada para dizer. Nada. E esse é o único aspecto desta crise política em que interessa insistir à saciedade: são iguais ou piores, tanto um como outro (parece ilógico, mas não é).
Mas também interessa falar de duas personalidades que nestes dias se manifestaram e cujas vozes deixam algumas interrogações.
Cavaco, depois daquele desastre que foi o discurso da tomada de posse, voltou a falar hoje, no aniversário do 15 de Março (massacres no norte de Angola pela UPA), e novamente apelou aos jovens.
É muito difícil saber qual a fonte inspiradora de Cavaco. Como é um homem pouco dado às letras nem sempre as suas incursões fora da vulgata económica são facilmente compreensíveis. Aparentemente, poderia estar a inspirar-se em João Paulo II, quando em Varsóvia, ao iniciar a senda dos gigantescos comícios que, por mérito seu, realizou por esse mundo fora, incentivou os jovens a agir e lhes disse: “Não tenham medo!”.
João Paulo II quando assim falou tinha em mente uma agenda política que acabou por executar com toda a mestria. Os jovens e o povo polaco em geral eram um dos grandes intérpretes dessa agenda, que ele controlava e geria, com as alianças convenientes, fazendo, por isso, todo o sentido o seu apelo.
E o de Cavaco, faz? Que Cavaco tenha uma agenda política, parece evidente. E que tenha intenção de a pôr em prática no segundo mandato, também. Só que estes apelos à juventude e o modo como foram feitos em nada vão contribuir para a implementação dessa agenda.
Como se viu nas manif’s de sábado não há qualquer sintonia entre o sentimento e a vontade dominantes nos manifestantes e as palavras do discurso de Cavaco. Cavaco fez um discurso escandalosamente de direita, sem pôr em causa, ou sequer questionar, as bases da sociedade e dos poderes dominantes contra os quais as manifestações se fizeram.
E no discurso de hoje o apelo aos jovens ainda é mais esdrúxulo, porque ao tomar a guerra colonial como exemplo de coragem dos que nela participaram – um projecto à partida falhado e condenado pela História – independentemente dos actos de bravura sadia que nela tenham ocorrido, ele acaba por invocar um paralelismo que nenhum jovem aceita como modelo de acção. Portanto, este caminho que Cavaco parece querer calcorrear não tem nenhuma hipótese de prosperar junto daqueles que são o alvo dos seus apelos. Cavaco está claramente mais à vontade para incentivar o empreendedorismo da juventude, como já fez quando apresentou Rendeiro como exemplo.
Mário Soares, por seu turno, em artigo no DN, dá mais uma vez um exemplo muito elucidativo do modo como a chamada esquerda do PS vê a crise e a situação em Portugal.
Em teoria, critica-se a Europa em nome dos valores da unidade, da solidariedade e da igualdade, culpa-se os responsáveis pela sua política profundamente conservadora, neoliberal, geradora de profundas desigualdades, pelo desemprego, precariedade, pela impunidade dos responsáveis pela crise e pelas políticas económicas recessivas que apenas agravam a situação existente, a ponto de a tornar intolerável.
Mas no que respeita a Portugal, critica Cavaco – e bem – por no discurso de tomada de posse ter ignorado a crise internacional e também Sócrates por ter agido à revelia do povo, dos parceiros sociais e das instituições. Mas quanto ao conteúdo, nada! A crítica é somente formal, diz apenas respeito ao modo de actuação e nem uma palavra sobre o seu conteúdo dos programas.
No PS é e sempre foi assim: aquilo que em tese se defende nunca é para aplicar cá dentro.

2 comentários:

Força Emergente disse...

Caro amigo

Confesso que também não vi a entrevista, nem queria vê-la.
Escapou-me o jogo.
Hoje deu-me para escrever sobre o INTERESSE NACIONAL.
Um dia ainda vamos lá chegar. Esta classe poltica que se cuide.

jvcosta disse...

Não perdeste nada em não a ter visto... Melhor, tinhas "déjà vu"