terça-feira, 15 de março de 2011

A "GERAÇÃO À RASCA" E O FUTURO


A PROPÓSITO DE UM ARTIGO DE KRUGMAN

Nem de propósito, no dia anterior ao da manifestação da “Geração à rasca” o I e outros jornais europeus publicaram um artigo de Paul Krugman, em Portugal traduzido com o título “A educação não é chave do sucesso económico”, no qual o prestigiado economista, com base num artigo publicado pelo “The Times” sobre investigação jurídica, noutros estudos e, fundamentalmente, com base na observação do que se passa com o emprego numa sociedade como a americana, conclui que a educação superior não é nos tempos que correm, só por si, garantia de bom emprego ou, sequer, de emprego.
O desenvolvimento tecnológico e a informatização têm nestes últimos vinte anos destruído muitos empregos não tanto nas áreas do trabalho pouco qualificado, como durante muito tempo se supôs que poderia a acontecer, mas exactamente naqueles áreas onde se pressupunha que o tipo de trabalho a realizar em conjugação com a informatização exigia formação académica superior.
Mas não. Não foi isto o que aconteceu. Foi exactamente no “meio” entre os que ganham muito e os que não têm qualificações especiais que a falta de emprego mais se faz sentir. Por outras palavras, a formação académica superior tida, até há bem pouco tempo, como o “passaporte” para o ingresso numa classe média estável deixou de o ser.
As conclusões factuais deste artigo (porque com as políticas ninguém se interessou) foram entre nós glosadas de diversos modos, em alguns casos sem grande rigor e noutros com honestidade intelectual muito aquém da desejável.
Houve logo quem dissesse que o Estado era o grande responsável pelo que se estava a passar: andou a vender ilusões a quem estudava e a conceder licenciaturas sem qualquer interesse para o mercado de trabalho.
Pode haver, e certamente haverá, alguma responsabilidade do Estado, mas já é muito duvidoso que tal crítica possa ser feita por quem permanentemente defende o apagamento do papel do Estado. O que deveria o Estado fazer? Orientar a educação, consoante as necessidades do país? O numerus clausus nas universidades tem como se sabe várias interpretações e outras tantas causas. Mas o que teria acontecido em Portugal se o governo, qualquer governo, além de ter estabelecido o numerus clausus tivesse também proibido as universidades privadas ou tivesse limitado drasticamente a sua intervenção a certas áreas do ensino?
Os que agora responsabilizam o Estado o que teriam dito então se o Estado tivesse actuado de dessa maneira? E o que teria dito o próprio Tribunal Constitucional se o Estado tivesse tido uma actuação muito mais interventiva e restritiva?
A apresentação acrítica das constatações acima referidas pode levar a que as correntes mais reaccionárias que defendem a privatização do ensino e da saúde ganhem um novo alento com base na “demonstração” de que há licenciados a mais, acabando por tornar a educação superior apenas acessível aos que tem mais dinheiro. De facto, a restrição da educação superior como consequência de uma exigência do mercado acabará por empurrar os mais pobres para as profissões cuja formação é mais barata, deixando a superior quase exclusivamente para os que tiverem dinheiro para a pagar.
E se a mobilidade social nas sociedades capitalistas contemporâneas já estava em crise, o desenvolvimento desta lógica na política do ensino levará fatalmente a uma sedimentação ainda maior dos estratos sociais. Quem nasce rico tende a continuar rico, quem nasce pobre tem cada vez menos hipóteses de deixar de o ser.
Este estado de coisas – que é, no fundo, aquele contra o qual se manifestaram centenas de milhares de jovens no último fim-de-semana - confirma igualmente a tese, aqui já exposta, de que as modernas sociedades capitalistas estão por todo lado a abrir caminho para a criação de uma sociedade dual com poucos de um lado, ganhando muito, com acesso a todo o tipo de privilégios e muitos do outro, ganhando pouco, em trabalho predominantemente precário, vivendo largos períodos de desemprego.
A solução não estará em tornar a educação mais rara e selectiva (mesmo que o critério não fosse exclusivamente o do dinheiro), mas antes continuando a aposta numa educação de qualidade, porventura mais orientada para as necessidades das modernas sociedades, tendo sempre como pressuposto uma política também ela orientada para a busca de soluções inclusivas, que rejeite a marginalização de largos extractos da população, dividindo por todos o que passou a ser mais raro, de modo a evitar a criação de dois pólos extremados por um imenso fosso a separá-los.
Está, porém, cada vez mais evidente que soluções diferentes das actuais não podem ser encontradas dentro do sistema, nem por via de um mutualismo, como alguns agora propõem, que já fez a sua época e cujo principal mérito foi certamente o de, pela sua prática, ter permitido concluir que aquele não seria o caminho para atacar com sucesso as profundas desigualdades geradas pelas sociedades capitalistas. É este novo caminho que por todo o lado cada vez mais se impõe. É preciso refundar a democracia, com base noutros pressupostos, que não permitam a sua completa adulteração, como actualmente está a acontecer.

1 comentário:

L. Rodrigues disse...

Gostaria de lhe chamar a atenção para esta análise da evolução da economia de uma família "média" americana nos ultimos 40 anos (de 1970 a 2005 para ser mais preciso). Mostra bem a tendência de que Krugman fala, mas adiciona algumas interessantes desconstruções de mitos consumistas (as pessoas não gastam mais em coisas supérfluas, gastam mais na casa, na educação, na saúde... etc...).

http://www.youtube.com/watch?v=akVL7QY0S8A

Vale bem os 50 minutos que lhe possa dedicar.