quinta-feira, 23 de junho de 2011

O GRANDE PATRONATO FRANCO-ALEMÃO QUER O EURO




UMA TOMADA DE POSIÇÃO CONJUNTA PARA DEFENDER O ÓBVIO




Durante muito tempo pairou sobre a cabeça de muitos dos nossos entendidos nestas coisas de economia (descodificando: as referências são sempre aos economistas do sistema) a ideia de que Portugal poderia ser expulso do euro se não se portasse bem e em consonância com aquilo que eles próprios pensavam iam difundindo a política do medo para com as suas terríveis profecias facilitarem a vida ao grande capital à custa de sacrifícios suportados por aqueles sobre os quais recaem mais directamente os efeitos das políticas de austeridade.

Hoje sabe-se que as coisas não são assim: os países devedores podem ter um papel cada vez mais activo no combate à crise no sentido exactamente oposto ao que vem sendo exigido pelas grandes centrais do capitalismo neoliberal. Todavia, como os governos dos países devedores e os grandes centros de interesses neles instalados são predominantemente, para não dizer exclusivamente, constituídos por representantes dos interesses dos credores com os quais estão ideologicamente identificados, a política que acabam por fazer é a imposta pelas grandes centrais (Comissão Europeia; Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) representativas daqueles interesses.

É certo que do lado dos credores há divergências que sendo irrelevantes para o que deveria ser a política dos devedores nem por isso podem deixar de ser tomadas em conta pelas consequências que certas intransigências podem acarretar.

Em vários países credores, nomeadamente na Alemanha, na Áustria, na Holanda e na Finlândia, a imprensa populista e outros meios de comunicação social foram espalhando a ideia, com o beneplácito dos respectivos governos, de que eram os seus contribuintes que estavam a pagar a crise originada pelos “preguiçosos gastadores” dos países do sul. Internamente, nos países credores, esta ideia pode encontrar algum fundamento para germinar nas políticas de contracção salarial desde há vários anos seguidas nesses países para reforçar a sua capacidade exportadora e, simultaneamente, refrear a procura interna, ficando quem sofre estas consequências (o trabalho por conta doutrem) facilmente convencido de que os relativos "apertos" por que está a passar são originados pela sustentação de uma moeda que só lhe tem trazido dificuldades e “solidariedades caras”. E todavia nada mais falacioso já que aqueles "apertos" nada tem a ver com a "solidariedade" com os países periféricos, destinando-se antes a garantir uma competitividade acrescida geradora de extraordinários excedentes cujos benefícios revertem fundamentalmente para o grande capital desses países, o principal beneficiado de toda esta situação.

Daí que para atenuar aquele sentimento, eleitoralmente perigoso para quem governa, mas sem simultaneamente combater a censura moral sobre quem se endividou (que politicamente convém manter), os governos desses países tivessem passado a defender, ao lado dos dinheiros públicos, a participação do capital financeiro nos programas de resgate aos países em crise. E assim se salvaguardaria o essencial: o eleitorado convencer-se-ia de que já não seriam apenas os contribuintes a “pagar” com os seus impostos os “desmandos do sul”, mas também aqueles - bancos, fundos de investimento e companhias de seguros - que, pela sua incúria, exageraram na concessão de crédito a quem pelos seus “reiterados vícios” não era merecedor de grande confiança, deixando intocável a principal consequência resultante da participação numa mesma moeda de economias muito desiguais.  

Com esta proposta alivia-se a dívida interna, ou melhor, onera-se um pouco menos a dívida interna,  mantém-se a contracção salarial com os efeitos acima referidos e deixa-se intacta a capacidade exportadora dos respectivos países.

Todavia, o Banco Central Europeu  habituado, como principal representante do capital financeiro e especulativo, a transferir os efeitos da crise para os contribuintes, não acha graça nenhuma àquela proposta e por isso brande o espectro do efeito catastrófico que tal medida poderia ter na zona euro, ajudando esta sua posição a criar um clima cada vez mais difícil para os "países intervencionados".

Não obstante estas divergências relativas à participação financeira nos “programas de resgate”, aparentemente atenuadas depois das últimas declarações de Merkel, uns e outros insistem no reforço das medidas de austeridade na Grécia como condição de libertação da próxima tranche do empréstimo (a juros altos) que decidiram conceder-lhe. Medidas que a Grécia acabou por aprovar no Parlamento, com escassa maioria de votos, mas contra o sentimento amplamente maioritário do povo grego.

No entanto, começa a tornar-se evidente que a falência de um dos “países intervencionados”, por mais pequena que seja a sua economia no contexto da economia da União e por mais grave que ela pudesse ser para os nacionais desse país, teria igualmente um efeito devastador em cascata sobre as demais economias da União, inclusive as mais fortes.

E este é o grande trunfo dos devedores. Um trunfo que os seus governantes jamais serão capazes de jogar, por cobardia política e identidade ideológica com o inimigo, mas que pode vir a ser jogado pelo povo que luta na rua contra os programas de austeridade, como se está a ver na Grécia e se verá ainda melhor no futuro noutros países, desde que essa luta vá sendo assumida por todos os que estão nas mesmas condições. podendo hoje dizer-se que, se cada um fizer a sua parte, as políticas de austeridade acabarão por ser  derrotadas.

E há condições para isso, porque a zona euro, com a actual composição, constitui uma vantagem que o grande capital não quer perder. É exactamente por terem plena consciência das grandes vantagens que o euro lhes traz e das gravosas consequências que poderiam resultar do seu abandono por qualquer um dos “países intervencionados” que os patrões franceses e alemães, maioritariamente representantes do velho capital produtivo – o tal que tinha operários … - assinaram uma proclamação (manifesto), publicada nos jornais franceses e alemães, em defesa do euro. Porque eles sabem, melhor do que ninguém, das incalculáveis vantagens que o euro lhes tem trazido…

Lutar contra as políticas de austeridade a todos os níveis e nos mais diversos planos tem de ser a palavra de ordem de quem se não conforma com a recapitalização dos bancos à custa do trabalho assalariado e das pensões.

9 comentários:

ana paula disse...

É isso mesmo! Temos que nos defender e contra-atacar nesta guerra político-ideológica que decorre - o lado económico é só o mais visível.

Anónimo disse...

Os acontecimentos têm dado razão aos argumentos e às explicações que o dr Correia Pinto aqui tem vindo a desenvolver para explicar a natureza e as causas da CRISE, sobretudo vincando a natureza "sistémica" da mesma, ou seja, explicando-a através das leis inerentes ao sitema capitalista na sua actual fase. É interessante ver a evolução recente de muita gente aproximando-se dessa teses. No entanto, e paradoxalmente, os acontecimentos também têm dado razão às profecias de M. Carreira e outros. De qualquer modo é muito difícil atribuir aos holandeses finlandeses e outros a responsabilidade pelo desvario da governação em Portugal. Podemos dizer que a bolha imobiliária (que ainda não deu o estoiro final!) foi facilitada pela oferta de dinheiro a taxas baixas (coitados dos consumidores ficaram inebriados!) agora culpá-los da loucura de planos de construção para 28 milhões de habitantes...... A maluqueira das auto-estradas e afins foi política danosa, senão dolosa, foram os alemães os responsáveis ??!!. Em grande medida estas são as principais "aplicações" da Dívida a somar, claro, aos exorbitantes lucros derivados, mais a corrupção, o roubo etc etc que escorreu para os paraísos. Como reagiria o eleitorado português se transposto para a situação do holandês, seria menos permeável ao tal populismo? Não creio.

Graza disse...

Nota-se o cuidado com que foi escrito e de facto neste momento esta descodificação é muito útil. Este problema é dos mais importantes do momento, na medida em que para além de ter que se vencer tanta externalidade adversa, ainda tem que vencer-se a interna como muito bem diz desta forma:"(...)Todavia, como os governos dos países devedores e os grandes centros de interesses neles instalados são predominantemente, para não dizer exclusivamente, constituídos por representantes dos interesses dos credores com os quais estão ideologicamente identificados (...)" E a prova é que há apesar tudo quem ache que é culpa exclusiva do povo grego a aquisição não de dois mas de cinco ( ! ) submarinos aos alemães, mais não sei quantos aviões e armamento aos franceses. Devolução não pedida pela troika que lhes negociou o pacote! Claro! Se eu for burlado pelo cigano, a culpa é minha, mas se eu tiver que me endividar pagar essa burla em prestações mensais ao cigano a coisa torna-se burlesca. Não?

Graza disse...

Aos que pensam que são os povos devedores os culpados de tudo isto sugiro a leitura deste comentário:

http://guerrilheirodoentardecer.blogspot.com/2011/04/como-alemanha-reunificada-destruiu-com.html

e depois a visualização deste vídeo grego:

http://www.youtube.com/watch?v=nwlJDAufvnM&feature=player_embedded

Saltar por cima disto tudo é contar só uma parte do problema.

Jorge Almeida disse...

Doutor Correia Pinto, e se Portugal declarasse dívida odiosa, e assim não pagasse?

Jorge Almeida disse...

Doutor Correia Pinto, aqui vai o link duma notícia que penso que lhe interessa:

http://economia.publico.pt/Noticia/governo-espanhol-desiste-da-criacao-de-fundo-para-financiar-despedimentos_1500240

Jorge Almeida disse...

Doutor Correia Pinto, isto tem sido somar e seguir.

Eis "A crise da Grécia vista por um jornalista grego". Link:

http://aeiou.expresso.pt/a-crise-na-grecia-vista-por-um-jornalista-grego-video=f657687

João Soares disse...

Concordo com Jorge Almeida. Mas com a triste prestação dos nossos políticos, sempre beija-mãos com o bom e o mau da UE,desindustrializou-se o país, desagricultou-se o país e desflorestou-se o país em nome de cotas...e enfim a própria UE está endividada por uma dívida que não contraiu, mas sim porque hoje estamos a assistir ao roubo legalizado de uma corporocracia, chamada Debitocracia- vejam filme aqui
http://bioterra.blogspot.com/2011/06/sessao-de-cinema-da-tarde-debitocracia.html

P.S.Correia Pinto tem um Bom blogue. Espero que siga o meu também.
Cumprimentos

Ana Paula Fitas disse...

Caro amigo JMCorreia Pinto,
Faço link... claro! :)
Obrigado.
Abraço.