OS SALÁRIOS DO SECTOR PRIVADO - Na política a memória é muitas vezes curta. Pouco depois dos “cortes” nos salários dos funcionários públicos e das pensões dos reformados, Passos Coelho abriu claramente a porta a um abaixamento de salários no sector privado. Primeiro, foi a insinuação sobre a possibilidade de o sector privado deixar de pagar os subsídios de natal e de férias, insinuação logo aproveitada por todos os Van Zellers deste país que logo se prontificaram para pôr em marcha um movimento que acabou por não ter os apoios esperados. Frustrado este objectivo, o Primeiro Ministro voltou à carga naquele seu jeito de quem está a receitar medidas indispensáveis à saúde do paciente dizendo que a questão dos salários privados era um assunto a ponderar pelos interessados de acordo com as exigências da economia nacional.
E é neste contexto – e também no de quem se recusou a lançar um imposto extraordinário universal sobre o rendimento, fazendo recair sobre os funcionários públicos e reformados o essencial da carga fiscal imposta pelo ajustamento pretendido – que aparece a “Troika” a propor uma diminuição salarial dos trabalhadores do sector privado.
Mas alguém admite, por mais empedernidos que ideologicamente sejam os “boys” da “Troika”, a abordagem pública de assuntos desta natureza sem o prévio acordo do Governo? Abordagem que o Governo começou por não desautorizar, mas que em virtude das múltiplas reacções negativas que suscitou, inclusive de patrões, se viu depois obrigado a não acompanhar, limitando-se a dizer que não tencionava propor a diminuição dos salários.
A seguir veio o Secretário de Estado da Função pública, com a oportunidade política própria de quem vive num mundo de fanáticos, anunciar uma revisão das tabelas salariais da função pública em 2012. E lá teve que vir o Primeiro Ministro, depois secundado pelo Ministro das Finanças, garantir que afinal não vai haver revisão.
Como aqui já se disse, o Governo, ou melhor o Ministro das Finanças, acredita que somente uma desvalorização de cerca de trinta por cento do salário dos trabalhadores portugueses tornará a economia competitiva.
Vê-se que o Ministro das Finanças tem dificuldade em mentir. Tanto nesta matéria como na pretensa transitoriedade do “corte” dos dois ordenados as dificuldades do Ministro são evidentes. E é fácil explicar porquê: porque Gaspar é um fanático neoliberal. Está plenamente convencido das medidas que preconiza. Como todos os fanáticos sente-se traído por não poder dizer toda a verdade.
RELVAS E A TELEVISÃO – A propósito da privatização da RTP já se ouviu de tudo. Das propostas do que restou do famigerado grupo de trabalho capitaneado por Duque até às constantes inflexões de Relvas já ninguém sabe no que há-de acreditar. Diz-se. A única coisa certa é que Relvas tem uma “ideia”. Uma ideia é uma forma de dizer. A ideia é uma imaterialidade. E Relvas está mais ligado às coisas materiais. Ao contrário dos seus parceiros de Governo, Relvas não pertence ao núcleo dos fanáticos. Não trabalha para impor uma visão mundo. O seu tempo de acção é curto. E não o quer desaproveitar. Já houve mais gente assim no PSD. Será que ainda vamos ouvir falar muito de Relvas mais tarde?
AS ELEIÇÕES EM ESPANHA – Como se previa, o PP ganhou com maioria absoluta. O PSOE sofreu uma derrota histórica. Zapatero começou por não compreender a crise. Levou também muito tempo a aperceber-se da “borbulha imobiliária”, tanto assim que até aumentou o “subsídio de vivenda”. Depois, quando tudo se tornou evidente, passou a viver politicamente obcecado com a ideia de impedir a “intervenção” da Espanha. E a partir daí foi aplicando acriticamente todas as medidas que de Bruxelas lhe iam sendo “aconselhadas” sem sequer avaliar os efeitos que tais medidas poderiam ter num eleitorado impreparado para o que está acontecer a Espanha. Enfim, Zapatero manifestou algumas virtudes inegáveis nos sete anos da sua governação, mas não é o homem certo para um tempo de crise como o que se está a viver.
Um outro aspecto que as eleições espanholas mais uma vez realçaram foi a profunda injustiça do seu sistema eleitoral. Os partidos regionais estão amplamente favorecidos relativamente aos pequenos partidos nacionais. Uma desproporção gritante e injusta. Há centenas de milhares de espanhóis que se sentem sub-representados.
Finalmente, há uma questão na Espanha que pouco ou nada foi debatida na campanha eleitoral. A Espanha para manter os níveis de défice acordados com a União Europeia deveria cortar ainda este ano dez milhões de euros no orçamento. E no próximo ano trinta mil milhões! Ninguém faz ideia de como é que isto vai ser feito. Nem como é que os espanhóis vão reagir a cortes desta magnitude.
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