O “SUCESSO” DA GRANDE RECESSÃO
Já há muito tempo se não via semelhante fanatismo ideológico. O sucesso do programa de austeridade de que fala a “Troika” não tem nada a ver com os resultados desse programa na economia portuguesa nem com a sua incidência nas condições de vida dos portugueses, mas apenas e só com o facto de tal programa estar a ser aplicado pelo Governo nos estritos termos em que foi gizado.
É uma conversa com a qual muitos portugueses, porventura quase todos, se estão defrontando pela primeira vez. Mas é uma conversa velha, uma conversa muita velha, aquela que o FMI, acolitado pelo BCE e pela Comissão Europeia, hoje debitou em Lisboa. Quando barbaridades semelhantes estavam sendo aplicadas em África e depois também em alguns, quase todos, países da América Latina, era hábito, nas reuniões de acompanhamento desses programas na União Europeia, ao perguntar-se aos burocratas da Comissão pelos resultados de tais programas, ouvir-se invariavelmente uma de duas respostas – um sucesso, se os países em questão estavam a seguir à risca as imposições de Washington; algumas dificuldades, se os países resistiam patrioticamente àquelas imposições. Mas nunca uma palavra sobre o resultado desses programas na vida das pessoas, na actividade económico desses países, enfim, naquilo que interessava.
Trinta anos depois passa-se agora o mesmo na Europa! A mesma pouca vergonha, o mesmo descaramento!
Estão à vista por todo o lado os resultados dos programas de austeridade. Recessão, desemprego, empobrecimento, tudo em homenagem a uma visão fanaticamente ideológica da economia.
O "sucesso" de que fala a "Troika" é o sucesso de haver em Portugal um Governo que aplica com o mesmo fervor ideológico, porventura até superior, as medidas de austeridade nele previstas.
Mas desta visita da “Troika” a Portugal decorrem também consequências desagradáveis para o Secretário Geral do PS, principalmente duas.
A primeira é sua ligação cada vez mais indissolúvel aos programas de austeridade impostos por Berlim com o colaboracionismo das autoridades locais; a segunda é a incompreensão por ele manifestada sobre a verdadeira razão de ser dos “cortes” de dois ordenados aos funcionários públicos e reformados aprovados pelo Governo.
Ambas são graves, embora a primeira seja mais do que a segunda. Numa altura em que por todo o lado – em Portugal, até o Presidente da República - se percebeu que a crise do euro, manifestada na zona euro sob a forma de crise da dívida, não pode ser combatida com medidas de austeridade draconianas destinadas a restabelecer um certo equilíbrio orçamental, mas antes atacando a raiz do problema, que está antes de mais nos bancos – no imenso lixo tóxico que inunda os seus balanços – e depois na chamada “arquitectura” da zona euro – nos desequilíbrios que ela gera – continuar a dar apoio a programas que, apesar de conjunturalmente servirem os interesses da Alemanha, acabarão por ser catastróficos para todos, só pode ser interpretado como uma atitude política própria de quem está igualmente dominado pelos mesmos princípios que animam os fanáticos que os põem em prática.
Por outro lado, é hoje evidente que AJS, quando acalentou a esperança de que o Governo viesse a recuar no “corte” de, pelo menos, um dos vencimentos, parece não ter compreendido os verdadeiros objectivos da sua política , objectivos que hoje a “Troika” finalmente clarificou.
Se o objectivo do Governo fosse apenas o de encontrar um equilíbrio entre as receitas e as despesas de modo a fazer baixar o défice para 4,5% no próximo ano, o mais normal seria recorrer a um imposto extraordinário sobre o rendimento, universal, que respeitasse os princípios da progressividade. Eliminaria o problema constitucional que, apesar de tudo se vai pôr, não obstante o Tribunal Constitucional ser um tribunal político (mas isso já é outra conversa…), e evitava um diferendo com o Presidente da República, além de colher certamente a compreensão de uma grande parte do Partido Socialista.
Só que os objectivos do Governo são outros. O Governo acredita piamente que o défice de competitividade da economia portuguesa (que o euro agravou drasticamente, ao contrário do que muitos supunham) tem de ser combatido com uma diminuição radical dos salários. Pelo que se tem ouvido, é de crer que o Governo calcule esse défice em cerca de 30%. Logo, segundo os seus ideólogos, devem os salários baixar nessa mesma proporção para ganhar a competitividade perdida ou, simplesmente, para ganhar competituividade.
É claro que o Governo não se importa nada de o fazer também pela via do desemprego, embora essa via tenha do seu ponto de vista um efeito colateral desagradável – o aumento da despesa. É, portanto, mais prático e mais rápido fazê-lo directamente, atacando os salários.
E foi o que fez. Atacou os salários da função pública e as pensões dos reformados com argumentos falsos e imbecis - do género: ganham mais (é falso); têm mais segurança (já não é verdade para muitos); não podem ser despedidos (e os reformados? não podem ser eliminados, será isso?) – e agora vai atacar os salários dos restantes trabalhadores em nome do mesmo princípio que já estava implícito nos "cortes" da função púnblica e dos reformados. Por outras palavras: o Governo não está interessado em taxar com um imposto excepcional os salários dos trabalhadores. O Governo quer que esse rendimento vá direitinho para os patrões!
Para quem não tivesse percebido foi isso que a “Troika” hoje clarificou: os salários dos trabalhadores portugueses devem baixar!
Ora isto é muito diferente da conversa das “almofadas” com que o Seguro andou. Aquelas “almofadas” são mesmo de quem ainda não andava bem acordado…
2 comentários:
O que pensa o FMI e e Ciª sobre a questão não é novo nem novidade. Há uns 7-8 anos, quando se começava a aflorar o já visível descambar das contas externas, esteve cá um dos seus maiorais (Olivier Blanchard) que disse, categoricamente, que não havia maneira de evitar um redução nominal dos salários, sendo a alternativa incondicional a saída do Euro. Não teve grande eco então, havendo quem, como Silva Lopes, entendia que tal iria provocar um "clamor social" e que um travão nos custos salariais talvez fosse suficiente. Pois, mas a verdade é que quem já passou por outros "ajustamentos" em Portugal sabe que o efeito no emprego e exportações é lento e diminuto, pelo que o que eles esperam, de facto, é uma forte compressão no consumo e por via dele das importações.
LG
o seguro estava era a ressonar profundamente...
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