quarta-feira, 30 de junho de 2010

PT: QUEM APOIA E QUEM ESTÁ CONTRA



E O QUE DIZ CAVACO?

O capital, sem complexos de Conde Andeiro (e também sem nenhuma Leonor Teles que o justifique) nem de Miguel de Vasconcelos, está-se nas tintas para os interesses nacionais e o que quer é o dinheirinho no bolso.
O primeiro a falar foi esse grande “patriota” chamado Ricardo Salgado, logo seguido por uma legião de serventuários que na imprensa e na televisão lhe amplificaram o discurso, agora brandindo o perigo de a posição do Governo poder ser muito mal interpretada pelos “mercados”, ou seja, pelos ricardos salgados.
Como os exemplos não faltam por essa Europa fora, na Espanha, na Alemanha, na Itália e até no Reino Unido, só nos resta esperar que o Governo não se deixe intimidar e seja capaz de fazer frente ao capitalismo selvagem da União Europeia, que, como todos os predadores, ataca as vítimas mais fracas
Enfim, o ataque está em marcha e o PSD já disse de que lado estava. Do lado do capital. Esperamos ansiosamente a opinião de Cavaco. Pode ser que numa próxima inauguração de uma feira de ovinos ou de um qualquer outro empreendedorismo o Senhor Presidente se manifeste.

PS E GOVERNO AFUNDAM-SE NA TRAPALHADA DAS SCUT




ENQUANTO O PSD APROVEITA

Já aqui foi dito não sei quantas vezes que é muito difícil perceber como pode um governo fazer tantas asneiras num tão curto espaço de tempo.
A estratégia que agora está em curso, aparecer como vítima da hipocrisia e da duplicidade do PSD, é tonta como já o era a estratégia inicial de introduzir arbitrariamente portagens nas SCUT. De facto, os estrategas do PS (será que os tem?) não perceberam que, tendo o Governo perdido nesta matéria a autoridade moral, qualquer tentativa de vitimização por facto alheio está completamente votada ao fracasso. Os utentes das SCUT e as pessoas em geral estão muito mais interessados no resultado do que na avaliação política das manobras partidárias.
Ora, como o PS tem uma grande responsabilidade histórica em tudo isto não vai conseguir isentar-se dela por mais chorados que sejam os lamentos de Lacão.
Além do mais, as recentes propostas do Governo são completamente tontas. Como aliás já eram as anteriores. Que sentido faz a propósito de um indicador genérico tirar conclusões individuais? Se o argumento fosse devidamente aprofundado até levaria, no limite, à conclusão oposta. Adiante.
Portanto, dificilmente o Governo conseguirá sair da trapalhada em que se meteu prosseguindo no mesmo caminho e quanto mais fizer de conta que conta com o PSD para solucionar o problema mais se afunda.
No estado a que as coisas chegaram, o Governo, se quer tentar retomar a iniciativa, terá que recuar, dizer que vai rever o assunto de alto a baixo e apresentar depois novas propostas.
E, essas propostas, só podem ser duas e ambas muito simples:
A primeira, anunciar que vai renegociar soberanamente os contratos de parceria com as empresas exploradoras. Como estes contratos são uma vergonha – uma das mais escandalosas vergonhas deste país - ele terá o apoio incondicional da generalidade das pessoas, por mais que Passos Coelho e Portas berrem.
A segunda, com base na actual classificação entre SCUT e auto-estradas (que, apesar de ser bastante artificial, como bem se sabe, não tanto por razões técnicas, mas político-económicas, é a que existe), estabelecer para as a utilização das SCUT um regime universal completamente diferente do das auto-estradas. Regime que passaria pelo pagamento de uma taxa anual, cobrada aos utentes e fiscalizável pelos mesmos meios com que se fiscaliza o imposto de circulação ou a inspecção dos veículos. O pagamento da referida taxa asseguraria o direito a um número indeterminado de trajectos em cada ano e para o estabelecimento do seu montante poderia tomar-se por referência as taxas de natureza equivalente pagas, por exemplo, na Suíça, na República Checa, na Eslováquia, na Polónia e na Hungria.
De futuro, supondo que a distinção entre SCUT e auto-estradas se vai manter, ela teria de ser muito mais rigorosa. De uma coisa pode o Governo estar certo: depois do ponto a que as coisas chegaram, a tentativa de pagamento de portagens em estradas sem barreiras físicas de controlo está completamente votada ao fracasso.
Se Mário Lino tivesse ouvido os bons conselhos que há mais de dois anos lhe foram prestados (de graça!) ter-se-ia evitado toda esta trapalhada.

ONTEM PERDEMOS, HOJE GANHAMOS



A TELEFÓNICA NÃO FICA COM A VIVO

Foi uma grande vitória. Finalmente, o Governo fez do uso da golden share da PT para fins diferentes da promoção de boys ou de interesses obscuros. Pela votação de hoje, realizada na AG da PT, ficou à vista onde está o famoso patriotismo do “Compromisso Portugal” e das suas grandes preocupações pela manutenção dos centros de decisão no país.
Foi uma decisão corajosa, acima de tudo simbólica, que merece ser sublinhada, independentemente do seu valor económico.
ADITAMENTO
O Sr. Relvas do PSD acha que a VIVO deveria ser entregue à Telefonica. Ou não fosse ele um apoiante do "Compromisso Portugal".
ADITAMENTO II
A Comissão Europeia já se manifestou e, como era de esperar, optou pela defesa da selvajaria em matéria de capitalismo. Em vez de fazer ameaças e invocar uma legalidade que não existe, o que a Comissão deveria preocupar-se era com a permanente violação dos Tratados que as últimas decisões do Conselho Europeu consubstanciam. Além de que as suas posições são frequentemente de cobardia política. Manifestou-se, por exemplo, a Comissão sobre a decisão do Tribunal Constitucional Alemão, quando este decidiu que Bundestag deveria "ratificar" os regulamentos comunitários antes da sua entrada em vigor?
Que o Governo não recue, haja o que houver, é o que se espera!

terça-feira, 29 de junho de 2010

ABRAÇO DE URSO



O PSD “TRANQUILIZA” CDS

O CDS está a descer nas sondagens, e o PSD precisa que ele desça ainda mais para tentar a maioria absoluta. Se atacar o CDS de frente ele vai reagir como animal ferido. Então, o melhor é dar-lhe o “abraço de urso”: Vocês farão parte do governo, haja o que houver.
O objectivo é desmobilizar o votante do CDS, reduzir a sua influência parlamentar e tentar acabar com ele ou, no mínimo, colocá-lo na situação em que Cavaco, na década de oitenta, o deixou durante mais de dez anos.
Este truque é conhecido: foi assim que Mitterrand praticamente acabou com o PCF. Igualmente lhe assegurou um lugar no governo, fosse ou não necessário para a maioria parlamentar.
A promessa cumpriu-se, mas o objectivo também.
Vamos lá ver como reage Paulo Portas…

CAVACO FAZ ESCOLA




AINDA A QUESTÃO DA DÍVIDA

Já aqui por várias vezes foi abordada a questão da dívida e o modo como Cavaco a trata. Nunca no tratamento desta questão Cavaco, que a propósito e a despropósito não se cansa de exibir a sua formação académica em ciências económicas e financeiras, a tratou sob este prisma.
Nas suas críticas e nas suas abordagens ao tema o que sempre está presente é a censura individual e social das pessoas e das sociedades que não sabem conter-se dentro das suas posses. O endividado é olhado como uma personalidade perversa ou, pelo menos, portadora de comportamentos desviantes, por não saber gerir a sua pessoa e bens com a parcimónia imposta pelos seus rendimentos.
O supremo ideal de Cavaco, capaz de assegurar a felicidade pátria, era a de um português com poupanças (que não tinham necessariamente de ser investidas em títulos do BPN), duas reformas (alcançadas com o esforço de quem descontou durante vários anos por dois empregos a tempo inteiro) e, se possível, um ordenado, por função a exercer já no cair da vida.
Há nesta maneira de ver as coisas uma censura moral muito típica das sociedades tradicionais e rurais de que o salazarismo era um bom exemplo.
Curiosamente, em linguagem moderna, falada por um dos ícones da nova direita (Pedro Lomba), a questão põe-se mais ou menos nos mesmos termos. O que muda é a natureza da censura. Agora o que se condena é o hedonismo de quem quer ter acesso ao que está acima das suas posses, o irrealismo de um consumo desmedido, a compra de carro e casa própria por quem não tem meios para tanto. E, obviamente, um Estado gastador, em infra-estruturas e contribuições sociais, que, pelo seu comportamento, dá um mau exemplo a toda a sociedade.
Entre estas análises e as de Pina Moura que fala numa extraordinária democratização do crédito proporcionada pelo capitalismo moderno, venha o diabo e escolha.
Em primeiro lugar, o que é espantoso é o tratamento desta questão como um assunto exclusivamente nacional. Como um grave affaire doméstico com que nós, portugueses, nos debatemos, esquecendo-se quem assim pensa que existe um problema idêntico ou mais grave em todas as sociedades capitalistas avançadas. E em segundo lugar, que nem sequer passe pela cabeça destes ilustres analistas como poderia viver o capitalismo moderno sem esta verdadeira orgia consumista, e, portanto, sem crédito. Sim, eles omitem o que aconteceria ao capitalismo na sua actual configuração se houvesse uma queda dramática da procura interna em todos países endividados. A dívida é sempre tratada como uma questão unilateral, que apenas respeita ao devedor, mais uma vez se olvidando quem tem esta triste e primária visão das coisas o mundo de situações que está do outro lado da relação
É evidente que o crédito sempre existiu desde os primórdios do mercantilismo. Mas entre a letra de crédito dos antigos mercadores, cuja prática e o espírito se mantiveram até à explosão da sociedade de consumo dos nossos dias, e o que hoje se passa vai uma diferença abissal geradora de uma mudança qualitativa para a qual o actual capitalismo não consegue encontrar solução.
Tudo parecia correr sobre esferas desde 1991. O capitalismo cada vez mais pujante ia de vento em popa, fazendo gala da sua extraordinária capacidade de destruição criadora, que Schumpeter tinha teorizado nos anos quarenta em “Capitalismo, socialismo e democracia” e Greenspan, à frente da Reserva Federal, endeusado no dealbar do século XXI, desenvolvendo níveis de consumo antes inimagináveis até que uma crise financeira sem precedentes na sua história veio pôr em causa todos os “dogmas” em que assentava esta grandiosa construção.
Como hoje se sabe, a actual crise é em última instância uma crise da dívida. Ou dito de outro modo: uma crise financeira gerada pelo excessivo endividamento de quem não pode pagar. Já antes da crise se sabia que o moderno capitalismo era gerador de profundas desigualdades e acentuava, como há mais de sete décadas se não via, o fosso entre os que têm muito e cada vez mais e os que têm pouco e cada vez menos. E que este fosso estava sendo aparentemente atenuado pela facilidade de acesso ao crédito - o tal acesso que Pina Moura denominou “democratização do crédito” - indispensável para manter o altíssimo nível de procura do capitalismo actual. Se a isto juntarmos o modo como o capital financeiro especulou e aldrabou sobre a própria dívida teremos, em palavras simples, a explicação da crise e a razão da dívida
Fazer discursos morais acerca desta questão, censurando as pessoas que se endividam ou exigindo ou pedindo às pessoas que se não endividem e se comportem de outra maneira é tão estúpido como depois de uma ampla campanha em defesa do civismo e do bom comportamento social exigir a revogação do Código Penal com base na crença de que doravante todos se vão comportar correctamente em sociedade.
A questão da dívida só se resolve com uma profunda reforma do capitalismo e com regulamentações em vastos domínios onde agora tende a imperar a lei da selva. Enquanto a desigualdade na distribuição dos rendimentos se mantiver e o emprego for cada vez mais precário não haverá nenhuma saída para dar a volta a isto. Tudo tenderá a agravar-se tanto mais quanto mais as actuais políticas tendam a generalizar-se e a impor-se.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

UM CASO EXEMPLAR




A PROPÓSITO DO ALEMANHA-INGLATERRA

O que mais me impressionou no jogo de ontem à tarde, entre a Alemanha e a Inglaterra, foi o extraordinário desportivismo da imprensa e dos jogadores ingleses. Um caso quase impossível de acontecer num campeonato do mundo, aconteceu. Nunca se saberá até que ponto aquela decisão influenciou o desfecho do jogo. Mas sabe-se por experiência que mesmo as equipas menos vulneráveis animicamente ficam afectadas quando perdem num instante uma vantagem que consideravam segura. E como se empolgam aquelas que, depois de terem o jogo quase perdido, conseguem recuperar a desvantagem com que estavam.
Isto sabe-se. O que se passaria depois disto, não se sabe, nem nunca se saberá.
O que se sabe é que os ingleses, atónitos com a decisão do árbitro, continuaram a jogar sem criar junto do árbitro uma pressão insustentável, tanto na primeira interrupção que se seguiu ao fatídico lance, como no intervalo ou no fim do jogo. E viu-se, por exemplo, como meia-equipa portuguesa reagiu a uma simples “mão” de um jogador brasileiro. E muitos outros exemplos iguais a este, ocorridos no Mundial, se poderiam apontar.
É igualmente extraordinário que nenhum grande jornal inglês, dos sérios aos tablóides, tenha trazido a fotografia do golo não validado na primeira página. Fizeram-no os alemães, porventura como expiação de uma culpa que não têm. Mas que grande gesto para a história do desporto mundial teria acontecido se no início da segunda-parte a equipa alemã tivesse introduzido a bola na sua própria baliza para repor a verdade do jogo! Foi pena…
Os ingleses a quem tantas vezes acusámos dos males do mundo também têm gestos de grandeza difíceis de igualar. Ou não fosse essa a grande lição de Shakespeare…

domingo, 27 de junho de 2010

A MEDIOCRIDADE NACIONAL



O DESPEITO

Filho infeliz pela atenção que a mãe dedicava a Álvaro, estudante medíocre, escritor falhado, sem norte na vida, ruma a Inglaterra como súbdito do Império na esperança de obter um grau académico concedido pelas tradicionais facilidades com que as metrópoles tratam os ex-colonos.
Alcançado o objectivo, juntamente com centenas de outros oriundos da África, Pacífico e Caraíbas, regressa à Pátria para colher as vantagens do 25 de Abril. Tenta a televisão. É ridicularizado por Salgado Zenha num programa sobre o divórcio. Incapaz de se exprimir oralmente, procura emprego nos jornais. Simultaneamente ascende à categoria de professor por via administrativa.
Traindo as tradições familiares, liga-se à direita que o aproveita como “idiota útil”. Não há notícia da sua passagem pelo Parlamento, nem pelo Governo, embora tenha lá estado. Escreve umas historietas sobre factos passados, a que a grande intelectual Manuela Moura Guedes chama história com h grande.
Desacreditado intelectualmente e muito debilitado pela exposição pública que Mónica fez das suas fragilidades, vinga-se em Saramago num acesso vesgo de despeito e inveja.
É esta a nossa direita!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

NOTAS SOBRE A CRISE



NAS VÉSPERAS DO G 20

Enquanto Cavaco vai ateando focos de instabilidade, porventura convencido de que está fazendo o contrário, a Europa, melhor dizendo a Alemanha e as suas opções político-económicas, preparam-se para enfrentar os Estados Unidos na próxima cimeira do G 20 sobre a melhor maneira de combater a crise.
Enquanto a Administração Obama continua a privilegiar o crescimento e o emprego, deixando para segundo plano o combate ao défice – que segundo o ponto de vista americano só pode eficazmente ser combatido quando a economia estiver a crescer e a crise ultrapassada – a Europa (que segue sem pestanejar a cartilha alemã) continua obcecada com a redução do défice, alheia às consequências desta política sobre o crescimento e o emprego. E, em última instância, sobre a dívida…porque sem rendimentos ninguém pode pagar o que deve.
É claro que há entre os dois blocos económicos diferenças estruturais que não podem ser escamoteadas. Desde logo a que recorrentemente tem vindo a ser indicada: os Estados Unidos são um Estado (tão forte que até construiu uma nação…), enquanto a União Europeia não passa de um conglomerado de Estados, cada um com os seus interesses próprios e onde os mais fracos estão cada vez mais sujeitos aos diktats dos mais fortes.
E daqui decorrem algumas consequências: os Estados Unidos podem, dentro de certos limites, negligenciar o défice, porque financiam a sua própria dívida com a emissão de moeda e portanto jogam no crescimento e na inflação para a fazer diminuir, enquanto a Europa jamais fará o mesmo, não porque o não pudesse fazer, mas porque os interesses alemães se opõem obstinadamente a tal política.
E aqui temos de voltar a Cavaco que, muito limitado pela sua visão contabilística da economia, ainda não compreendeu o que se está a passar. É que infelizmente não são apenas as justificações para a sua ausência nas exéquias de Saramago que nos deixam perplexos. É a sua falta de visão como estadista que verdadeiramente confrange. É difícil encontrar alguém estruturalmente tão impreparado para o desempenho do cargo como Cavaco.
Dizíamos que tínhamos de voltar a Cavaco, porque o modo como sistematicamente aborda a questão da dívida nos faz cada vez mais crer que ele tem sobre a matéria a visão do “lavrador honrado” da fábula salazarista que se esforça honestamente por pagar o que deve, esquecendo-se que essa historieta apenas serve para dissimular o sacrifício de quem se esforça por pagar o que não pode, hipotecando, primeiro que tudo, a sua liberdade, mas depois os seus bens e o futuro dos seus filhos, deixando-se gradualmente escravizar na busca de um objectivo inatingível.
De facto, ele esquece que a questão dívida europeia não pode ser resolvida com a fábula salazarista do “lavrador honrado”. A política que está sendo imposta pela Alemanha a toda a Europa tem apenas a ver com a fragilidade do sistema financeiro alemão!
Há hoje um grande mistério na Europa relacionado com o gigantismo da dívida privada de que são credores principalmente os bancos alemães. A maior parte dos boatos que têm sido lançados para acentuar o funcionamento especulativo dos mercados tem a sua origem em Berlim, no governo alemão, como ficou provado no ataque especulativo feito à Espanha e de que Portugal sofreu por tabela as consequências.
Há uma grande opacidade no sistema bancário europeu, muito superior à do americano. Aqui nunca se soube bem qual era o grau de exposição dos bancos europeus aos “activos tóxicos” que estão na origem da crise financeira, como nunca se soube muito bem qual o montante das ajudas que lhes foram prestadas, como continua a não saber-se qual a incidência na contabilidade desses bancos da dívida pública e privada dos Estados mais endividados. Não se sabe com rigor, mas sabe-se que atinge proporções astronómicas.
É claro que um credor que se encontra nesta situação, bem como a economia que o gera não têm, nem um nem outra, nada de virtuosos. São economias e sistemas financeiros que, no plano inter-estadual, assentam num profundo desequilíbrio entre o que exportam e o que importam e no plano inter-subjectivo numa injustíssima distribuição dos rendimentos, que faz com que a sua sustentação só possa ocorrer pelo recurso sistemático ao crédito para manter um nível de procura muito acima das posses de quem compra.
Enquanto este sistema se não alterar não há maneira de resolver a crise. As Merkels deste mundo e aqueles que as aconselham pensam que pelo facto de não haver institucionalizado um sistema alternativo ao capitalismo com força suficiente para o derrubar lhes permite fazer tudo. Passar por cima das constituições nacionais (coisa que nem as federações fazem); impor sacrifícios sem conta a larguíssimas camadas da população; tripudiar sobre as soberanias nacionais; enfim, actuar como verdadeiros bandoleiros políticos.
A experiência destes últimos vinte anos demonstra que não há nada pior para o “sistema” do que as formas de reacção inorgânica contra a sua prepotência. Na Europa pode não haver um Alá a que os excluídos se agarrem para actuar, mas o desespero da impotência acaba sempre por encontrar um arrimo. Só que depois de levantados os demónios do nacionalismo, de espalhado o populismo já será tarde demais para voltar atrás…

quinta-feira, 24 de junho de 2010

AS SCUTS E AS TRAPALHADAS DO GOVERNO... E DO PSD



UM TRISTE EXEMPLO DA POLÍTICA PORTUGUESA

É difícil falar sobre as SCUTS sem simultaneamente referir a profunda desorientação dos partidos do Bloco Central. Já lá iremos. Antes disso convém recordar o que são as SCUTS.
SCUTS são um triste exemplo do que é a política portuguesa e da irresponsabilidade com que se governa em Portugal. Mais: da impunidade que acompanha essa irresponsabilidade.
As SCUTS foram apresentadas pelo autor da ideia como auto-estradas sem custo para o utilizador. A ideia foi “vendida” assim: com capital privado o Estado abrirá várias auto-estradas sem portagem nas zonas menos desenvolvidas do país. O pagamento de estas infra-estruturas far-se-á com o rendimento que elas próprias vão gerar.
Curiosamente, aqueles que vinte anos antes tinham sido os mais expeditos a nacionalizar, eram os mesmos que em fins dos anos noventa apareciam com a receita mágica para a construção de auto-estradas sem custos para o utilizador, nem para o erário público. Tudo assentava numa espécie de benemerência do capital privado ao serviço do desenvolvimento do país. No fundo, era o acto de contrição das nacionalizações de setenta. Nacionalizar para quê, se se pode alcançar o mesmo resultado mantendo intacto o capital privado?
Veio a saber-se alguns anos mais tarde que isto não passava de uma rematada intrujice. O Estado pagava e com “língua de palmo” essas infra-estruturas, que lhe ficavam aliás muitíssimo mais caras do que as que ele construía por conta própria. O Estado, além de assumir todos os riscos pela construção e financiamento da obra, garantia o capital investido e pagava principescamente a utilização dessas auto-estradas. Mais: à medida que os anos iam passando, os encargos iam aumentando cada vez mais. A ponto de se terem tornado insustentáveis.
Perante esta situação este mesmo Estado, governado pelo mesmo partido, em vez de renegociar soberanamente os contratos leoninos celebrados segundo o “padrão” da década de noventa, entendeu que a forma de se desonerar parcialmente (muito parcialmente, é bom que se saiba) daqueles encargos seria introduzir portagens em algumas SCUTS.
O princípio é desde logo discutível. Segundo esta solução, as tais auto-estradas sem custo para o utilizador passariam a ser pagas simultaneamente pelos contribuintes (todos os contribuintes) e por alguns utilizadores. Com base em distinções artificiais ou, até talvez seja melhor dizer, artificiosas – tão artificiosas como as que estão na origem da construção das SCUTS -, o Governo começou por escolher arbitrariamente as SCUTS em que se passaria a pagar portagens e aquelas em que não se pagaria… Mas não é tudo. Para além das justificações artificiosas, o Governo enredou-se numa outra trapalhada relativa ao modo de pagamento. E entretanto já foi gastando mais dinheiro em pretensas estruturas de controlo de circulação viária.
Em minoria no Parlamento, o Governo teve de ir ao encontro de uma proposta do PSD, que igualmente ninguém percebe. Porque, por um lado, parece assentar na ideia de que se pagará em todas as SCUTS e simultaneamente se dispensa de pagamento os residentes!
Se a proposta do Governo era tonta, própria de quem já perdeu a razão e de quem pura e simplesmente se dispensou de pensar, esta não o é menos. Que justificação pode existir para a isenção dos residentes? E qual o âmbito da isenção? O que é que isso significa? Trata-se de consagrar o princípio das “auto-estradas de proximidade”?
A proposta do PSD, que o PS parece aceitar com o mesmo estado de alma com que os náufragos aceitam qualquer socorro, não faz o menor sentido. Assenta numa discriminação insustentável por tratar o não residente como uma espécie de “estrangeiro” no sentido latino do termo.
Não há dúvida: esta gente perdeu completamente a razão. Todas estas soluções são inconstitucionais, se é que ainda existe Constituição.
A única solução aceitável que o governo poderia fazer passar era, como muitas vezes aqui foi sugerido, a de consagrar para todas as SCUTS sem excepções o princípio do utilizador pagador e simultaneamente manter a distinção entre as SCUTS e as auto-estradas com portagens, criando para as primeiras uma vinheta paga anualmente com direito a um número indeterminado de percursos. Para os estrangeiros ou para os utilizadores nacionais eventuais haveria vinhetas de um dia, de três dias e de uma semana, a preços diferentes.
É assim que se faz em muitos países da Europa.

terça-feira, 22 de junho de 2010

CAVACO CONFRONTADO COM AS SUAS LIMITAÇÕES



A PROPÓSITO DAS EXÉQUIAS FÚNEBRES DE SARAMAGO

Provavelmente Saramago não apreciaria a presença de Cavaco no seu funeral, embora seja de presumir que não desdenhasse a presença do Presidente da República. Como no preciso momento histórico há uma coincidência entre a pessoa de Cavaco e a figura do Presidente da república, Saramago, como republicano, não teria meios de impedir a presença de Cavaco sem simultaneamente desprestigiar o cargo de Presidente da Republica. Por isso, contrariado, a regañadientes, como ele já dizia, teria de suportar Cavaco no seu funeral como Presidente da República num derradeiro respeito simbólico pelas instituições republicanas.
Cavaco não compreendeu isto. E supôs que era Cavaco, o de Poço de Boliqueime, que estaria no funeral a homenagear Saramago. Claro, Saramago ficou a rir-se mais uma vez e seguramente a pensar que teria ali mais um interessante enredo com que entreter os “emissários celestes” do Vaticano agora ainda mais confundidos com o Autor que banaliza o sagrado e a sacraliza o profano.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

BP PAGA INDEMNIZAÇÃO MILIONÁRIA




LÁ E CÁ

É notícia por todo o lado a indemnização milionária – 20 mil milhões de dólares – que a BP será obrigada a pagar pelos danos causados pela explosão da plataforma petrolífera no Golfo do México.
A BP, protegida do governo britânico, que tem um longo historial de rapinagem, a começar pela então Pérsia, onde nasceu, não estava habituada a coisas destas. Se o desastre tivesse acontecido na Europa ainda teria direito a um subsídio da União Europeia para compensação das perdas. Teve azar! Como aconteceu na América vai ter de pagar.
É a primeira vez que o Governo britânico não está em condições de defender esta “filha dilecta” do extinto Império. De facto, há amigos muito ingratos!

OS GRANDES DESEQUILÍBRIOS DO NOSSO TEMPO




A DÍVIDA PRIVADA

Toda a gente fala na dívida pública e no défice orçamental como se esses fossem os grandes problemas da actualidade. Certamente que são problemas graves, mas são, antes de mais, indícios de problemas muito mais graves existentes nas sociedades economicamente abertas dos nossos tempos.
Até há bem pouco tempo a maior parte dos problemas económico-financeiros podia ser abordada e tratada numa perspectiva quase exclusivamente nacional. Cada país detinha soberania sobre a moeda e o crédito, sobre a taxa de juro, bem como sobre as opções fundamentais em matéria de comércio externo. As políticas económicas e financeiras nacionais tendiam a produzir resultados sobre a base nacional que lhes servia de referência e de contexto.
Hoje, para alguns países, esta situação alterou-se radicalmente. Deixaram de ter qualquer intervenção soberana sobre a moeda e o crédito, deixaram de controlar a taxa de juro e as opções fundamentais em matéria de comércio externo deixaram de poder fazer-se administrativamente, tendo o papel do Estado ficado circunscrito à tentativa de criação de um ambiente favorável à obtenção dos objectivos pretendidos. É o que se passa com os países da União Europeia integrantes da zona euro, embora parte do contexto atrás descrito seja comum a todos – os que a integram e os que não a integram.
Nem todos os países, porém, se encontram na mesma situação. Os grandes países emergentes e os Estados Unidos continuam a manter soberania sobre a moeda e o crédito, determinam a taxa de juro em função da situação económico-financeira do país e dos resultados que visam alcançar e mantém, embora não completamente, um grande domínio sobre as opções nacionais em matéria de comércio externo.
Se a União Europeia funcionasse como um verdadeiro Estado federal, com os vínculos próprios que caracterizam este tipo de Estado, uma boa parte dos problemas resultantes da actual estrutura orgânica estaria atenuada, pois seria possível, a partir de uma ideia de pertença a um conjunto nacional, pôr em prática políticas tendencialmente destinadas a favorecer ou a proteger os diversos elementos do conjunto.
Esta possibilidade é, como os factos mais recentes têm demonstrado, uma verdadeira miragem que só as dificuldades de quem está atravessando um deserto sem fim julga poder tornar-se numa realidade. A Europa sempre foi um continente muito tribalizado. Não são apenas os Balcãs que se mantêm tribalizados: é toda a Europa sem excepção. O intervalo de quase sete décadas sem guerra entre os principais Estados europeus em nada diminuiu este sentimento. Portanto, quem sonha com “mais Europa” no sentido de uma Europa mais próxima da construção de um Estado está completamente enganado. Poderá haver, em função da co-relação de forças existente no seu seio, mais Europa desta. Mas não de outra.
E esta Europa que de início muitos acreditaram poder contribuir decisivamente para um tendencial equilíbrio estes os Estados que a integram revelou-se, com a passagem dos anos, numa fonte de desequilíbrios estruturais permanentes e cada vez mais acentuados.
O que actualmente se passa, mais do que uma consequência da crise financeira, é o resultado de um desequilíbrio que a crise financeira dramaticamente evidenciou.
De facto, a existência de uma moeda comum em economias muito desiguais, tendo como únicas regras para a sua adopção os critérios do “Pacto de Estabilidade e Crescimento”, todos eles circunscritos a limites alcançáveis à custa das respectivas políticas nacionais, sem quaisquer outras medidas ou políticas comuns tendentes a esbater as desigualdades de partida, leva a que as economias menos competitivas vão sucessivamente abandonando as áreas onde não podem competir para se circunscreverem às áreas onde, pela própria natureza das coisas, as vantagens comparativas dos países mais competitivos não se fazem sentir.
Como tais actividades em nada contribuem para esbater as diferenças de competitividade, antes agravam a relação de troca entre as respectivas economias, a diferença de competitividade acaba por acarretar grandes desequilíbrios, desde logo entre o que se importa e o que se exporta, sendo este défice financiado com empréstimos externos, mas também entre o que se gasta e o que se ganha, défice igualmente financiado com empréstimos bancários, em última análise externos, indispensáveis para manter um nível de procura interna que, no mínimo, não faça descer a economia.
Explicando melhor: o desequilíbrio entre as economias mais competitivas e as menos competitivas dentro do mesmo espaço económico leva a que haja naquelas um excesso de liquidez que tende a ser aplicado nas economias menos competitivas, muito pouco em investimentos directos, e quase tudo em empréstimos, muitos deles sem retorno ou retorno meramente indirecto, o que torna estas economias altamente endividadas. Portanto, elas endividam-se porque compram às economias mais competitivas muito mais do que aquilo que lhes vendem e endividam-se também porque são aquelas economias que acabam por financiar uma boa parte da procura interna das economias menos competitivas - principalmente, como se tem visto, em obras públicas e no imobiliário.
É por estas razões que, para além do défice público e da respectiva dívida, existe uma gigantesca dívida privada, fundamentalmente contraída pelos bancos, que pode ocasionar as mais graves consequências.
Para se fazer uma ideia: a dívida privada espanhola é de cerca de 240% do PIB. Face à situação actualmente existente no país os bancos espanhóis (tal como os portugueses) estão em grandes dificuldades para se refinanciarem no mercado interbancário (aqueles que antes emprestavam estão com medo de o continuar a fazer, porque temem a falência dos devedores). E como não encontram os financiamentos de que necessitam naquele mercado têm de se socorrer do Banco Central Europeu, que, nesta crise, tem sido um verdadeiro “bombeiro” ao serviço do capital financeiro.
Durante o ano passado os empréstimos contraídos pelos bancos espanhóis no BCE estavam em linha com o peso da economia espanhola no PIB europeu (9%), mas este ano, até Maio, os empréstimos contraídos junto deste Banco (85 mil milhões de euros) já representam quase o dobro do peso da economia espanhola no PIB europeu. Ou seja, os créditos concedidos aos bancos espanhóis pelo BCE, no conjunto dos empréstimos concedidos aos países da zona euro, já representam 16,5%.
É claro que os economistas tendem a responsabilizar os governos por esta situação. A questão é, porém, mais complexa. Certamente que os governos podem ter uma palavra nas economias abertas. Mas é uma pequena palavra. Modernamente quem age de forma determinante é o capital financeiro. Verdadeiramente é ele que escolhe as áreas onde se investe e onde se actua. E como já ficou dito os bancos não vão meter o dinheiro em sectores condenados à partida ou com pouca viabilidade. Vão privilegiar os sectores considerados seguros, qualquer que seja a prazo o resultado dessa política para a economia nacional.
O caso da Espanha (e em menor medida o de Portugal) é paradigmático. O sector da construção civil em Espanha, nomeadamente o imobiliário, atingiu proporções nunca antes vistas. Nestes últimos quinze anos gastou-se mais cimento em Espanha do que na Alemanha, na França e na Inglaterra juntos.
O resultado está à vista: criou-se uma borbulha especulativa no sector imobiliário, insuflada durante mais de uma década, as casas foram sendo vendidas a preços cada vez mais altos com juros cada vez mais baixos; as compras eram feitas a crédito, os bancos foram-se endividando cada vez mais para financiarem o sector, os altos rendimentos gerados pela construção civil inflacionaram os salários de toda a economia, aparentemente sustentados pelo crescimento, mas na hora em que a crise rebentou e os devedores deixaram de pagar, os bancos, tendo ficado com dezenas de milhares de casas que ninguém queria comprar, depararam-se com um problema de liquidez para fazer face aos seus compromissos. E tiveram que continuar a pedir dinheiro emprestado, agora já não para financiar a economia, mas para pagar as suas próprias dívidas, as quais iam por esta via aumentando.
E aquilo que parecia ser uma grande prosperidade tornou-se num grande pesadelo. A falta de competitividade que levou os agentes económicos a privilegiarem os sectores onde ela menos se fazia sentir, agravou-se ainda mais em consequência dessas mesmas opções.
(Agora é fácil falar (embora continue a ser muito difícil encontrar uma solução aceitável), mas na altura em que o fenómeno estava ocorrendo ninguém alertou para as suas consequências. Para quem tenha memória fresca – e pouca gente a tem em política - lembrar-se-á que Cavaco Silva quando era PM dizia que a “construção civil é uma roda que faz rodar muita coisa”).
Se a este panorama acrescentarmos a relação que se tem vindo a estabelecer-se no quadro da globalização entre os países desenvolvidos e os países emergentes breve se concluirá que os desequilíbrios ainda tendem a ser maiores.
Mas tudo isto demonstra também os limites de um sistema que, deixado á solta, manifesta toda a sua incorrigível irracionalidade. Daí que as medidas que se anunciam, todas elas tendentes a deixar o sistema ainda mais à solta, não resolvam qualquer problema. Assentes na sobreexploração do trabalho, elas tendem a tomar como paradigma o capitalismo da primeira revolução industrial numa época histórica que já nada tem a ver com aquele paradigma. O objectivo é criar a qualquer preço as condições que possam fazer crescer a economia e pagar as dívidas. Mas este caminho está condenado ao insucesso, como já se viu e como o futuro igualmente confirmará.
A verdade é que a ofensiva está em curso e a questão que se põe é saber quando, onde e como se vai desencadear a resistência de quem já se desabituou de lutar.

sábado, 12 de junho de 2010

COM ESTA É QUE PORTAS NÃO CONTAVA

CELERIDADE NA JUSTIÇA

Os assaltantes que no princípio da semana roubaram, na África do Sul, os jornalistas portugueses e espanhóis num hotel próximo do local onde estagia a selecção portuguesa já foram julgados e condenados a penas que oscilam entre os quatro e os quinze anos, segundo notícia agora divulgada pela RTP.
O que dirá Paulo Portas desta celeridade judicial que ele tanto reclama? O exemplo serve-lhe? Ou preferiria que o exemplo viesse da Alemanha ou da cada vez mais democrática Holanda? Nada como deixá-lo falar, aguardando as suas palavras.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

AINDA BEM QUE O MUNDIAL VAI COMEÇAR



É QUE JÁ NÃO HÁ PACIÊNCIA PARA OS OUVIR!

Ainda bem que o Mundial vai começar. Não que se espere algo de especial da selecção portuguesa, a avaliar pelo que se ouve nas rádios e nas televisões, mas pelo prazer de ver de ver futebol, durante um mês, ao mais alto nível, com emoção, mas sem paixão.
É que já não há paciência para ouvir Cavaco ao sábado e ao domingo, Passos Coelho durante a semana e Portas sempre que tem uma aberta.
Cavaco fez um discurso em Faro politicamente inaceitável. Antes de mais fala como se não tivesse nada a ver com isto. Como se tivesse sido, desde há mais de 30 anos, um espectador passivo do que se passou em Portugal. Depois fala da crise como se estivesse a falar de uma epidemia inevitável e não houvesse responsáveis pelo que aconteceu. Como se houvesse uma espécie de culpa colectiva pela qual todos têm de assumir a sua quota de responsabilidade. Tudo isto para, no fim, vir pedir coesão e unidade à custa dos que sofrem as consequências da crise.
Não, o tempo não é de coesão nem de unidade com os responsáveis. O tempo é de luta e de separação das águas.
Passos Coelho com uma demagogia que raia a mais vulgar banha-de-cobra disse, num discurso aos senhores empresários, que é tempo dos portugueses poderem escolher: escolher o sistema de ensino que querem para os filhos; escolher onde querem ser tratados quando estão doentes; escolher as reformas que querem ter. Mas será possível que o povo seja tão atrasado? Provavelmente é.
O último a quem ouvi dizer tão explicitamente coisas idênticas foi Jardim Gonçalves, numa entrevista à RTP, já depois de ter sido brindado com uma reforma que ultrapassa tudo o que o euromilhões numa jogada de sorte poderia conceder em dia de jackpot!
Vasco Lourenço na longa entrevista conduzida por Manuela Cruzeiro publicada em livro, o ano passado, dava conta da sua ingenuidade (e da maior parte dos oficiais do MFA) quando recorda o modo como as eleições eram por eles encaradas. Dizia ele, nós não receávamos as eleições, elas só poderiam favorecer a esquerda, porque o povo, em liberdade, nunca iria votar contra os seus próprios interesses.
Pois é, as eleições fazem parte da democracia, mas tudo deveria ter acontecido pela ordem inversa para se não se correr o risco, como se está vendo, de reduzir a democracia a uma caricatura. Não são as eleições que legitimam a democracia, é a democracia que legitima as eleições!
E para culminar a investida da direita ainda vem Portas falar contra o Estado naquela demagogia de feira que ele tende a usar tanto mais intensamente quanto mais acossado está…pelos que lhe estão a roubar espaço. Diz ele, o Estado em vez de andar a arrecadar mais dinheiro com impostos, o que deveria fazer era reduzir as suas despesas. Tudo bem e, hipoteticamente, até de acordo. Mas para que não restem dúvidas seria conveniente que Portas clarificasse a que Estado se refere: se aquele que tem a seu cargo o Serviço Nacional de Saúde e outras prestações sociais ou aquele a que o conhecido militante do CDS, Abel Pinheiro, não se cansava de apelar, nos gabinetes ministeriais, para tratar de negócios pelos quais, de resto, está a ser julgado!

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O PLANO DE AUSTERIDADE ALEMÃO

SEU PROVÁVEL SIGNIFICADO

A imprensa em geral e a blogosfera, em grande número, saudaram o plano de austeridade alemão, anunciado no princípio desta semana por Ângela Merkel, como um acto de grande coragem, embora não seja fácil perceber onde está a coragem, quando a parte mais significativa das medidas incide, como sempre, sobre quem tem menos.
Mais importante do que adjectivar o plano de austeridade alemão, o que interessa é percebê-lo. E a essa tarefa, que se tenha tomado conhecimento, ainda ninguém se dedicou. Adiantam-se as explicações da praxe: a Alemanha está com um défice de 3,3%, admitindo-se que no fim do ano possa subir para 5,5% e a dívida pública em cerca de 72,2% do PIB. O plano tem, portanto, em vista pôr ordem nas contas públicas, diz-se!
Olhando à volta de imediato se percebe que há quem esteja muito pior. Mas não só. A Alemanha, além de ser o país que mais benefício tirou do euro, é também o único país que está a ganhar com a crise. Ganha quando o euro desce, como primeiro exportador europeu; ganha quando a crise da dívida aumenta dramaticamente o juro dos países mais débeis, porque os credores desses países são, em grande medida, os bancos alemães; mas ganha também porque nunca a Alemanha pagou tão pouco como agora para se financiar: há uma década os títulos de dívida, a dez anos, custavam 5% e há vinte, durante a reunificação, 10%. Agora, a Alemanha paga um pouco menos que 2,5%. Como este juro tem vindo a cair, o refinanciamento da dívida – aquele que se faz em cada ano - permite-lhe fazer poupanças bilionárias, ou seja, a dívida fica-lhe cada vez mais barata.
Como se sabe, as reformas introduzidas por Schröder e depois continuadas no governo de coligação baixaram consideravelmente a procura interna, embora tenham aumentado a competitividade da economia alemã, que passou a vender muito mais na Europa e a ter superavides correspondentes aos défices das economias dos países mais endividados.
Se a Alemanha já era a justo título acusada de ser a China da Europa, com as medidas de agora, que cortam no investimento e diminuem ainda mais a procura interna, mais o será, pois elas acabam por infligir um rude golpe na economia europeia no seu conjunto. De facto, todas as medidas agora anunciadas se reflectirão negativamente no crescimento e o emprego dos demais países europeus.
A Alemanha acaba, assim, dominando a Europa pela impositiva e pela negativa. Pela impositiva quando ordena aos demais as medidas que eles têm de tomar e pela negativa quando, actuando unilateralmente sobre a sua própria economia, produz resultados negativos em cadeia em todos os demais.
É claro que o excesso de liquidez existente na Alemanha e a sua própria actividade exportadora (um terço das suas exportações são para a EU) também lhe trazem problemas e a fazem correr sérios riscos na presente situação. A Alemanha é hoje a grande credora de uma dívida pouco segura e a sua actividade exportadora também sofrerá consequências se quem compra não tiver dinheiro para pagar ou se, pura e simplesmente, deixar de comprar. Enfim, consequências que no seu conjunto aparentemente apontariam para uma política diferente. Daí a dificuldade em compreender esta.
Para compreender o que se passa, nunca, em qualquer análise, se deve desprezar o factor ideológico, por mais estranho que isso possa parecer, nomeadamente em épocas como a actual marcada por uma falsa desideologização. A crença de que as finanças públicas equilibradas promovem o crescimento tem muita mais força do que se supõe, apesar de Alemanha ser na Europa o país que mais ganha com os desequilíbrios alheios e certamente aquele cuja dívida pública é mais interna do que externa.
Mas não será só isso. Na Europa, contrariamente ao que se passou na América, os Estados “despejaram” muito dinheiro nos bancos sem receber nada em troca e acumularam grandes défices com essas operações de resgate, além de terem suportado algumas das consequências próprias da crise uma vez desencadeada (menos receitas, mais despesas, principalmente em programas sociais e de apoio às empresas). Este plano de austeridade alemão visa assim absorver esse défice provocado pela crise. O Estado encaixa o prejuízo gerado pelos bancos fazendo-o pagar pelos contribuintes. O objectivo é absorvê-lo o mais rapidamente possível para evitar outras despesas a ele associadas, embora se não livre dos efeitos colaterais de tal medida.
Finalmente, é crível que na Alemanha já se tenha começado a pensar seriamente numa época pós euro. Não é crível que a decisão já esteja tomada, mas é certamente uma hipótese com a qual a Alemanha trabalha como tendo um grau de probabilidade elevado. E nada melhor então do que preparar o regresso ao marco, nas melhores condições financeiras possíveis.
Há a sensação de que a aventura europeia está a chegar ao fim na Alemanha…

terça-feira, 8 de junho de 2010

O QUE FICOU POR DIZER



OCUPAÇÕES INADIÁVEIS

Ocupações inadiáveis – os famigerados prazos – impediram-me de comentar um conjunto de acontecimentos que marcaram o fim-de-semana e o início da dita.
Desde logo, o apelo de Cavaco – Façam férias cá dentro! – e sua posterior reacção. Até cheguei a idealizar um texto que começava com uma citação do artigo de Daniel Sampaio na Pública de domingo sobre o que ele não gosta de ver num Presidente.
Cavaco está em campanha eleitoral, mas não quer que se saiba, porque se soubesse iam acusá-lo de estar a fazer política. Ora isso é coisa que ele não faz, porque não é político. Quando alguém, por outras palavras, lhe diz: “Olhe que essa das férias cá dentro é demagogia”, aí Cavaco irrita-se e fala como professor para confirmar que não é político. Só que a explicação, para professor, é muito fraca. O professor deve sempre ter muita cautela com o que diz para não fazer incorrer os alunos em erro. Por isso é que se exige ao professor que quando ele se exprime perante os alunos sobre temas da actualidade encare as questões tratadas em toda a sua complexidade, sob pena de os alunos mais cedo do que se pensa ficarem com má impressão do professor.
Também teria tido interesse analisar a entrevista de Jacinto Nunes, no Público, sobre o actual momento económico. Jacinto Nunes funciona dentro dos limites do sistema, ou seja, não lhe ocorre questionar o modelo político-económico monetário dentro do qual o euro foi criado e parece condenado a viver, nem tão-pouco lhe ocorre questionar as causas profundas da actual crise económica com o objectivo de introduzir mudanças radicais no sistema. E não lhe ocorre, porque isso seria “fazer política” e essa também não é a sua função.
Aparte este “pormenor”, Jacinto Nunes raciocina com lucidez dentro do sistema, não apenas porque as suas análises, no seu entendimento, não são políticas, mas também porque a relativa imparcialidade com que observa o que se passa, aliada a uma sólida cultura económica, lhe permite ver o que outros manifestamente não conseguem.
Também teria sido interessante comentar a passagem de testemunho no Banco de Portugal. Relativamente ao essencial, a posição do governador cessante e do recém-empossado são sensivelmente iguais. O salário dos mais numerosos – e os mais numerosos são os que ganham menos (onde quer que este menos se situe) – é que irá pagar durante vários anos a crise financeira. Se divergências houver, elas situar-se-ão no plano da supervisão. Mas é ainda muito cedo para fazer prognósticos nesta matéria, tanto mais que o novo governador vem da defesa durante longos anos, no estrangeiro, das práticas neoliberais iniciadas na Europa no começo da década de 90.
Constâncio, em virtude da escassez de elogios, esqueceu-se do velho ditado – elogio em causa própria é vitupério! – e deu como prova da sua extraordinária “prestação” à frente do Banco de Portugal ter sido escolhido para fazer parte da mais que previsível reaccionária e conservadora equipa do Banco Central Europeu. Seguramente, se se confirmar a eleição do presidente indigitado, a mais conservadora desde a sua fundação.

sábado, 5 de junho de 2010

SOBRE A HIPOCRISIA EUROPEIA



AINDA SOBRE ISRAEL


Falar sobre Israel nesta altura, qualquer que seja o pretexto, sem abordar os recentes acontecimentos da “frota da liberdade” e sem questionar o posicionamento do Estado judaico, face ao direito internacional, nos múltiplos conflitos em que está envolvido, corre o risco de ser interpretado como uma manobra de diversão destinada a desviar as atenções do essencial.
A verdade é que não obstante as reacções coniventes dos Estados Unidos, da União Europeia, da NATO, vai ganhando cada vez mais força em todo o mundo a voz daqueles que se opõem à prepotência israelita e à política frequentemente criminosa que não hesita na utilização de qualquer meio para defender o que unilateral e injustamente considera os seus direitos.
É óbvio também que lobby judaico joga em tudo o mundo com dois factores extremamente poderosos: o dinheiro (o capital financeiro continua a ser fundamentalmente judeu) e o holocausto (que os dirigentes israelitas não têm qualquer pejo em utilizar demagogicamente na defesa da sua causa).
Não obstante a força material e psicológica destes dois factores, há, por todo o lado, tanto no plano os Estados, como no plano individual, quem se vá gradualmente libertando desta chantagem, distinguindo com clareza o passado do presente, e engrossando assim o clamor das vozes que se opõe a uma política de verdadeiro terrorismo de Estado.
Na União Europeia, lugar da hipocrisia por excelência, vai-se pagando a má consciência com alguns apoios pontuais ou até regulares ao povo palestiniano como contrapartida do apoio político concedido a Israel.
Há cerca de 20 anos, quando a UE iniciou a viragem neoliberal, não apenas no seu seio, mas também na política interna dos Estados que “ajudava”, obedecendo, como aqui já foi referido, caninamente aos ditames do FMI, o mesmo é dizer às directivas do “Consenso de Washington”, inventou, inspirada nos neo-conservadores americanos, uma das suas habituais hipocrisias para poder cortar a ajuda ou cancelar a cooperação àqueles países que com ela não alinhavam politicamente de modo incondicional.
Inventou, na esteira do que vinha de Washington, aquilo a que se pode chamar, utilizando uma imagem já usada no futebol, a “treta” dos direitos humanos.
Depois de muita luta, não apenas travada do lado das presumíveis vítimas, mas também dos que, do lado de dentro, logo se encarregaram de pôr a claro os verdadeiros objectivos de tal política, a União Europeia conseguiu introduzir em todos os Acordos de ajuda e de coopração uma cáusula tipo, segundo a qual as relações entre as partes se baseiam no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, considerada como um “elemento essencial do acordo”.
Interessa esclarecer que, nos termos do Direito Internacional, a violação de um elemento essencial de um acordo ou tratado permite a sua denúncia ou suspensão.
Na América as coisas não se passam assim. As hipocrisias não são necessárias para este efeito. Eles tem uma lista, que eles próprios elaboram, na qual os Estados são classificados, de acordo com uma avaliação que vai desde os “terroristas” até aos “amigos”. E não estão com mais justificações. Quem é amigo tem um tratamento, quem não é tem outro. A questão dos direitos humanos intervém para coisas mais sérias: para “legitimar” uma política externa agressiva e de ataque à soberania de outros Estados.
Na UE é diferente. Do alto da sua hipocrisia, como preza a não discriminação, diz, na sua extrema bondade, que todos começam com os mesmos direitos e somente quem se porta mal os perderá depois.
Tal cláusula tem servido para congelar relações daqueles que ousam ter voz e são fracos. Mas como é óbvio nunca serviu para questionar a China, nem nunca servirá para cancelar a cooperação económica com Israel. Para estes os “direito humanos” não contam.

SÓCRATES DESAUTORIZOU LUÍS AMADO?



ESSA É BOA!

Luís Amado pronunciou-se por uma solução à alemã para o défice: o limite deveria ser constitucionalmente fixado.
Sócrates declarou no Parlamento que não concordava com a constitucionalização dessa matéria.
Os jornais titularam que Sócrates “desautorizou” Amado.
Há aqui algumas coisas que eu não percebo e outras que até comprendo, embora melhor fora que não as entendesse.
Comecemos pelo princípio: Luis Amado estava “autorizado” em nome do Governo a pronunciar-se sobre aquela matéria? Se não estava, como é óbvio, não tem nada que se pronunciar sobre um assunto que é da competência do Governo. Se quer emitir opiniões pessoais que diga que é do Benfica, que gosta de morangos, mas não fale de uma matéria tão sensível como aquela sobre a qual se exprimiu, ainda por cima para veicular a posição do “inimigo”.
É claro que Luis Amado tem duas desculpas. A primeira, porque é economista. E não há, de facto, nenhuma razão para que ele como economista não veicule as mesmas asneiras que a generalidade dos economistas portugueses defende. A segunda, porque exerce funções diplomáticas. E um dos tiques muito comuns a quem exerce ou desempenha aquelas funções é julgar-se “igual aos grandes”. Esta atitude que não é necessariamente comum a todos os diplomatas, todavia muito presente, assenta em preconceitos muito difíceis de extirpar. Há aqui qualquer coisa relacionada com o conceito de “Império” que não desaparece tão cedo. Só depois da acumulação de várias humilhações se perceberá finalmente o que são oitenta e nove mil quilómetros quadrados!
Já agora convém que Luis Amado saiba que talvez ainda esteja vigente uma lei do tempo da República que criminalizava a conduta de quem autorizava despesas não orçamentadas. Se der conhecimento desta nossa antiga inovação jurídica à Sra Merkel talvez ela fique um pouquinho mais descansada...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

AO QUE ISTO CHEGOU!

JÁ É O FMI QUE CRITICA A UE

Nos começos de 90, quando, por influência anglo-saxónica, a UE se afadigava, obedecendo caninamente ao FMI, na imposição das doutrinas neoliberais nos países em desenvolvimento, de acordo com o conhecido princípio que preside às relações entre os mais fracos e os mais fortes – “ou fazes como nós dizemos ou cortamos-te a ajuda” -, a UE, apesar de tudo envergonhada com a brutalidade que o “Consenso de Washington” representava, fazia aquilo que é muito típico da hipocrisia europeia, quando “apertada” por alguns sectores da sua opinião pública: invoca a “especificidade comunitária” para melhor fazer passar a ua mensagem.
Com esta expressão a burocracia de Bruxelas queria fazer passar a ideia de que entre os seus programas e os do FMI havia as diferenças próprias de quem conhece o meio a que os mesmos se aplicam. Por outras palavras, a UE considerando-se herdeira do “saber” dos antigos colonizadores, saberia fugir às principais críticas de que o FMI era alvo, adaptando os programas às características de cada país.
Conversa fiada, como a história se encarregou de demonstrar. A UE desempenhou o seu papel de aliada incondicional do neoliberalismo em todo o mundo onde a sua influência pudesse ser importante.
Stiglitz, embora fazendo incidir a sua críitica implacável sobre o FMI, principal responsável pelas barbaridades ocorridas em todos os países em que interveio, não deixou de criticar todos aqueles que com ele colaboraram no desvario neoliberal ortodoxo, desde os Estados a outras organizações internacionais.
Pois bem, é esse mesmo FMI que hoje aparece a criticar os programas de austeridade da UE, considerando-os antecipadamente responsáveis pela recessão que necessariamente se vai seguir. É o próprio FMI que advoga deixar para mais tarde a questão do défice e da dívida considerando fundamental uma política económica de estímulos à economia que aponte para o crescimento como questão prioritária das economias europeias.
Aquele de cuja companhia ontem se “fugia” por vergonha, é o mesmo que hoje se revela muito mais lúcido no tratamento da questão europeia.
Ao que isto chegou!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PSD QUER REMODELAÇÃO

QUER SER O TREINADOR DO PS?
Nunca percebi muito bem essa coisa de um partido estar na oposição, aspirar a substituir o partido que governa e fazer-lhe propostas de remodelação e outras semelhantes para que ele passe a governar bem, diminuindo ,assim, as suas “chances” de aspirante.
É a sagrada voz da Pátria, dir-se-á, que o impele, qual imperativo categórico, para a defesa do “interesse nacional”.
Como toda a gente percebe, o PSD não tem qualquer pretensão de “treinar” o PS. O que o PSD está interessado é que o PS vá fazendo, enquanto lá está, o chamado “jogo sujo” para que na hora da mudança esse trabalho esteja, no essencial, concluído.
Por isso, o PSD não se expõe. A táctica é manter-se em jogo, dando sempre a impressão que, na altura de jogar a sério, fará melhor do que o PS. E esperar que o poder, na hora própria, lhe caia no regaço como um fruto maduro.
E os portugueses, como sempre tem acontecido, vão no jogo, porque acreditam que a mudança será benéfica.
Para bem dos portugueses, e não para salvar o PS, seria bom que entretanto alguém fosse dizendo qual o verdadeiro programa do PSD e o futuro que os espera se este partido for governo.
Se os portugueses continuarem a supor que a “luta” (aliás, hipócrita) contra os impostos tem em vista assegurar-lhes um maior rendimento mensal, estão completamente enganados. É que muitas das coisas que agora não pagam, ou pagam abaixo do custo, passarão a ser pagas pelo preço do mercado.
Se igualmente pensam que as suas reformas - más, é certo, muitas delas - vão aumentar, ainda mais enganados estarão. O objectivo do PSD e do CDS é que o Estado não pague reformas. Que as reformas sejam exclusivamente pagas pelos descontos voluntários que os trabalhadores “depositarão” nos bancos, nas companhias de seguros, nos especuladores em geral, enquanto trabalham.
E todos estes objectivos – e outros - virão devidamente “embrulhados” em conversas demagógicas do género: “Apenas queremos que paguem aqueles que podem pagar. Para os outros tudo continuará a ser gratuíto”.
Pura demagogia. Como se alguém aceitasse pagar impostos para manter um serviço de que não é beneficiário. Como se alguém aceitasse pagar duas vezes pelo mesmo serviço: uma para os outros, outra para si.
Este o verdadeio objectivo do PSD, Daí a revisão constitucional. Daí o seu silêncio sobre o que pretende fazer.

ROSA COUTINHO



UM MILITAR DE ABRIL
No dia 25 de Abril de 1974 Rosa Coutinho era completamente desconhecido da generalidade dos portugueses. “Quem é aquele capitão-de-fragata que integra a Junta de Salvação Nacional?”. Mesmo na Marinha, fora do quadro permanente, poucos o conheciam.
Não foram, porém, necessários muitos dias para que a generalidade dos portugueses tivesse percebido que aquele capitão-de-fragata, entretanto promovido a Almirante, era um dos mais genuínos representantes dos ideais de Abril e um nome com que o MFA poderia contar em qualquer circunstância.
Logo se percebeu também, pelas suas intervenções televisivas, sempre bem humoradas, que ele pertencia àquela estirpe de marinheiros que desde sempre se opôs a Spínola. Só que agora tal oposição ultrapassava em muito as querelas inter-armas para se situar num campo abertamente político.
Em Angola, Rosa Coutinho teve oportunidade de mostrar todo o seu talento num contexto politicamente muito difícil, apoiando inequivocamente o processo e descolonização que Spínola queria a todo o custo evitar (aliando-se a Mobutu, a Nixon e a toda a casta de reaccionários que à época pugnavam por uma solução neocolonial) e contribuindo de forma decisiva para a entrega do poder a quem efectivamente lutava pela libertação de Angola e mais se identificava com os valores e os ideais da Revolução de Abril.
Nesta luta, travada, a sul, contra as forças do racismo e do apartheid, e, a norte, contra os agentes de Mobutu e do imperialismo americano, Rosa Coutinho teve a grande coragem, mas também a inteligência, de actuar primeiro...e perguntar depois.
Pouquísimos, ou quase nenhuns, à época se podem orgulhar de tamanha façanha. Aliás, apenas possível por ter encontrado um interlocutor à sua altura.
Angola é ponto alto da carreira de Rosa Coutinho. Angola e o MPLA muito lhe devem, mas Portugal também (como se tem visto...).

MANUEL ALEGRE NA GRANDE ENTREVISTA



UM BOM INÍCIO


Manuel Alegre esteve bem numa entrevista que não foi fácil. A entrevistadora, como é seu hábito quando entrevista gente de esquerda, começou por privilegiar a intriga. Depois não dispensou algumas provocações, mas, fazendo de conta que tudo isso faz parte do jogo, terá de concluir-se que Alegre se saiu bem nessa primeira parte. Que, como era de esperar, meteu Soares, os não apoiantes do PS, Sócrates, o Bloco de Esquerda, Louçã e tudo o que pudesse levar a crer que o seu confronto não é com Cavaco mas a gente desavinda do PS.
A seguir soube marcar muito bem as diferenças que o separam de Cavaco e “perigo” que uma candidatura de tipo Cavaco representa: a tentação de intervir em áreas que não são da sua competência.
Acho que fez bem em contextualizar a crise portuguesa no quadro europeu. Disse o que poucos disseram. Mas vai ter de aprofundar o discurso. Por um lado, deixando muito claro que a denúncia, com firmeza, daquilo que na Europa está mal não tem em vista ilibar o Governo dos erros cometidos, mas sublinhar que não há solução para a maior parte dos problemas internos enquanto se mantiver a actual política europeia; por outro, apresentando com mais profundidade as principais linhas de uma política europeia alternativa.
A única questão onde Alegre não esteve bem foi na questão nuclear dos poderes do Presidente da República. Fez bem em denunciar a tentação de o PR dissolver a Assembleia da República com o objectivo de favorecer a eleição de um governo ideologicamente próximo, denúncia que não deixa de ser importante num país, como o nosso, onde o Presidente se assume, constitucionalmente, como árbitro, contrariamente o que se passa em França.
Mas esteve mal quando confundiu a exoneração do Governo, com a dissolução da Assembleia da República. No primeiro caso, o Presidente só pode exercer esse poder para assegurar o regular funcionamento das instituições; enquanto no segundo, tal poder é discricionário. Quem o usa é que tem de encontrar a fundamentação política adequada para o seu exercício.
Não deve confundir as duas questões, senão logo vão dizer que não conhece a Constituição nem o modo como nela estão regulados os poderes presidenciais.
Também não deve comprometer-se com uma definição prévia sobre o modo como poderá exercer o poder de dissolver o Parlamento. Quando muito, se tal se revelar politicamente conveniente, apenas com uma definição negativa. Ou seja, em que casos não usará tal poder. Avançar mais do que isto é imprudente e inconveniente.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

ISTO COMO ESTÁ NÃO TEM SAÍDA



AS VIAS QUE NINGUÉM QUER TRILHAR

Refiro-me à crise da dívida. De facto, a única questão verdadeiramente importante. Que o Dr. Mário Soares diga que Sócrates cometeu um erro que lhe pode ser fatal, é assunto que não me interessa mesmo nada. Apenas registo o facto de os velhos se terem tornado cada vez mais vingativos. Provavelmente porque se crêem eternos.
Voltemos à crise. O modo mais fácil de analisar e de dissertar sobre ela é atribuir as culpas a quem está em dificuldades. E depois, mais concretamente, a quem governou e governa.
Mas vamos admitir que a situação interna dos países em dificuldades poderia ser outra, bem melhor: sem défice e sem dívida. Se esse fosse o caso, a questão sobre a qual interessaria ter a certeza era se as dificuldades por que agora estão passando aqueles que as sentem não as estariam passando outros. Se a resposta for positiva, então o que interessa averiguar é a raiz do problema: o que está estruturalmente mal e que medidas podem ser tomadas para corrigir esse”desajustamento estrutural”.
Antes de prosseguir é preciso dizer que não fará qualquer sentido uma resposta do género: “Com o mal dos outros posso eu bem”, ou qualquer outra semelhante. Porque no conjunto em que estamos inseridos, em caso de crise aguda, como a actual, só se pode falar nos “outros”, como algo diferente de nós, muito conjunturalmente. A sorte de cada um (dentro do conjunto) está ligada à sorte dos demais.
Antigamente, ainda há não há muito tempo, antes da criação de um grande mercado comum e antes da criação da moeda única, cada um dos países que agora a integram tinha (com excepção do Luxemburgo) a sua moeda nacional. E actuava com base nela (e com base noutros instrumentos) para manter um certo equilíbrio das suas contas públicas e privadas. Quando algum desajustamento mais grave ocorria (e suscitava uma crise de divisas), o Estado em questão, além de ter de recorrer a empréstimos externos, tentava resolver o problema diminuindo as importações e aumentando as exportações. Taxava mais pesadamente os bens importados (política que está na origem de muitos conflitos) e barateava os bens exportados, principalmente recorrendo à desvalorização da moeda, à inflação e a cortes salariais. Objectivo era voltar a crescer, ter mais divisas, voltar a redistribuir alguns rendimentos, aumentar a procura e por ai adiante até se reencontrar algum equilíbrio. É preciso dizer que a lógica económica do salazarismo foi outra completamente diferente, assente naquilo a que alguns mais tarde chamarão estagflação. Por isso é que os elogios de Rui Ramos ao ditador e à sua política o situam naquilo a que com toda a propriedade se poderia chamar “um atraso de vida”. Mas deixemos o Rui Ramos para outra altura...
Depois da criação da moeda única, deixou de haver o problema das divisas. A crise das divisas foi substituída pela crise da dívida.
Agora há um grande mercado livre dentro do qual actuam dezasseis países com uma moeda comum. O que obviamente foi acontecendo é quem não era competitivo em determinadas áreas foi tendo gradualmente de as abandonar. E à medida que a esta falta de competitividade foi alastrando cada vez foi maior o número de áreas abandonadas e os paises que sofreram estas consequências foram-se virando para as tais actividades não transaccionáveis. O conceito é um pouco estúpido – é dos economistas – até porque muitos desses bens são transaccionáveis. O com isto se quer dizer é que se trata de bens que não podem trocar-se no comércio internacional.
E a verdade é que alguns países construiram “em cima” dos tais bens não transaccionáveis uma prosperidade aparentemente invejável, com aumentos salariais notáveis, grande crescimento da procura, muito recurso ao crédito, uma grande dívida, principalmente privada, de tal modo que, quando o crédito se contraiu por força de uma crise financeira - imputável a instituições que assentavam a sua prosperidade numa base ainda mais falsa do que esta - o “tombo” dos que estavam na tal situação atrás descrita foi e é tanto maior quanto maior parecia ser a sua prosperidade (como é o caso da Espanha).
Por isso é que é completamente errado dizer, conmo disse na semanna passada Josep Borrell, que a crie na Grécia ocorreu por causa o défice, enquanto na Espanha o défice ocorreu por causa da dívida. A causa remota da crise num e noutro país é a mesma. Assim como a de Portugal e a de outros daqui a mais algum tempo. As causas da crise são comuns a todos.
E só há duas formas de sair desta crise: uma, é rejeitar a dívida ou parte dela e sair do euro. Já se sabe que consequências isto tem. Vai ser uma saída dramática para muita gente, mas em termos nacionais pode ter um relativo êxito. Não comparável, em qualquer caso, ao da Argentina, porque Portugal não as mesmas potencialidades. Mas já não é verdade que os bancos tenham necessariamente de ir para a falência. Agora, o que não podem é pagar a dívida que têm no exterior.
A outra, é a Alemanha e outros que têm tirado grandes vantagens do euro (apenas mais dois ou três) apostarem na criação de mecanismos compensatórios – Stiglitz chama-lhes fundos de solidariedade para esbater as diferenças – e de natureza federal para salvar o euro.
Uma coisa é certa: o caminho que está a ser seguido não leva a qualquer solução e quanto mais tempo nele se persistir, pior, quer sejam apenas os trabalhadores a pagar (como muito provavelmente vai acontecer), quer uma parte considerável do ónus recaia também sobre os ricos (o que dificilmente acontecerá).
Sem crescimento e sem emprego ninguém consegue pagar o que deve. A recessão e a austeridade apenas agravam a dívida e a situação geral do país.
Se os países em dificuldades fossem um pouquinho mais racionais, às vezes até são mais irracionais do que os animais, já tinham abertamente conversado entre si e traçado uma estratégia conjunta. Mas não, o que eles verdadeiramente gostam é que se diga que eles não são a Grécia. Imbecis! Se aquela estratégia fosse bem conduzida, por verdadeiros estadistas, a Alemanha começaria a sentir as “barbas a arder”...Assim, é ela que vai impondo, tal como no modelo colonial e neo-colonial, as condições que garantam e mantenham a actual degradação da relação de troca...

terça-feira, 1 de junho de 2010

O ESTADO SOCIAL EM DEBATE NA TV




TIRANDO A BISSETRIZ EM ESTILO LEVE

Não vi tudo, claro. Vi uns bocados, acho que da segunda parte.
Adriano Moreira diz o que vem dizendo há muito tempo: ambiguidades, ilusórias sabedorias, de concreto e palpável muito pouco. Uma vez por outra lá fica muito contente com o que diz e repete uma, duas, três vezes. “É preciso opor o poder da palavra à palavra do poder”! Pois, só que agora já um bocadinho tarde para fazer de Cohn-Bendit, anos 60!
Clara Ferreira Alves respondeu-lhe com uma brilhante intervenção. Bem articulada. Sublinhando a responsabilidade do sistema. Irrespondível. Que a locutora ia interrompendo com patetices para tentar quebrar o ritmo e confundir a explicação. A Clara, impávida, continuava como se ela não existisse.
Mas logo saltou o Lomba. Que eu já tinha aqui “topado” há muito. Com pressupostos racistas e falsos. “Não, não são os mercados, nem a finança, que estão na origem da crise. Fartaram-se de criar riqueza e de tirar gente da pobreza”. Agora a locutora não interrompe. “Quem está na origem da crise é o Estado americano (aqui a locutora pensa que ele se vai referir à falta de regulação – é preciso ser muito pateta – e interrompe). O Lomba não liga e fala sobre a palavra dela, concluindo: “Foi o Estado que incentivou a venda de casa a quem não tinha dinheiro para a pagar”. Falso e racista. A gente conhece a história contada pelos neoliberais americanos. Foi o Estado que incentivou a venda da casa a pretos sem dinheiro para fazer crer que não havia discriminação. E conhecemos a falsidade: a Fannie Mae, nascida no New Deal rooseveltiano, foi criada para garantir empréstimos de gente com menos dinheiro. Foi privatizada em fins de sessenta quando alguns ventos neo-liberais já começavam a soprar. A Freddie Mac foi criada nos anos setenta para impedir a monopolização do mercado pela primeira. Enquanto a Fannie Mae esteve nas mãos do Estado nunca trouxe problemas à economia americana. Somente quando os neoliberais as entregaram à iniciativa privada é que deram no que se viu. Em fins de 2008, no auge da crise financeira na América, controlavam cerca de 90% do “secondary mortgage market”. Assim se mente impunemente!
Depois vem o “espertinho” do Morgado responder ao Rui Tavares, que é bom rapaz, embora um pouco ingénuo, com uma treta sobre os especuladores (“especuladores somos todos nós; nós também especulamos sobre o futuro com a palavra, eles especulam com dinheiro”) e outra sobre a mudança de paradigma (“essa história da mudança é que está na origem da crise. Fora com o paradigma (é caso para dizer que o Vítor Ramalho tem outra ideia…) … e conclui com mais uma mentira sobre Paul Krugman, já aqui desfeita. A tal conversa dos salários.
Se esta gente - estes dois, o Lomba e o Morgado - é a gente nova que nós temos para governar o país, caminhamos para o renascimento do australopithecus africanus