NAS VÉSPERAS DO G 20
Enquanto Cavaco vai ateando focos de instabilidade, porventura convencido de que está fazendo o contrário, a Europa, melhor dizendo a Alemanha e as suas opções político-económicas, preparam-se para enfrentar os Estados Unidos na próxima cimeira do G 20 sobre a melhor maneira de combater a crise.
Enquanto a Administração Obama continua a privilegiar o crescimento e o emprego, deixando para segundo plano o combate ao défice – que segundo o ponto de vista americano só pode eficazmente ser combatido quando a economia estiver a crescer e a crise ultrapassada – a Europa (que segue sem pestanejar a cartilha alemã) continua obcecada com a redução do défice, alheia às consequências desta política sobre o crescimento e o emprego. E, em última instância, sobre a dívida…porque sem rendimentos ninguém pode pagar o que deve.
É claro que há entre os dois blocos económicos diferenças estruturais que não podem ser escamoteadas. Desde logo a que recorrentemente tem vindo a ser indicada: os Estados Unidos são um Estado (tão forte que até construiu uma nação…), enquanto a União Europeia não passa de um conglomerado de Estados, cada um com os seus interesses próprios e onde os mais fracos estão cada vez mais sujeitos aos diktats dos mais fortes.
E daqui decorrem algumas consequências: os Estados Unidos podem, dentro de certos limites, negligenciar o défice, porque financiam a sua própria dívida com a emissão de moeda e portanto jogam no crescimento e na inflação para a fazer diminuir, enquanto a Europa jamais fará o mesmo, não porque o não pudesse fazer, mas porque os interesses alemães se opõem obstinadamente a tal política.
E aqui temos de voltar a Cavaco que, muito limitado pela sua visão contabilística da economia, ainda não compreendeu o que se está a passar. É que infelizmente não são apenas as justificações para a sua ausência nas exéquias de Saramago que nos deixam perplexos. É a sua falta de visão como estadista que verdadeiramente confrange. É difícil encontrar alguém estruturalmente tão impreparado para o desempenho do cargo como Cavaco.
Dizíamos que tínhamos de voltar a Cavaco, porque o modo como sistematicamente aborda a questão da dívida nos faz cada vez mais crer que ele tem sobre a matéria a visão do “lavrador honrado” da fábula salazarista que se esforça honestamente por pagar o que deve, esquecendo-se que essa historieta apenas serve para dissimular o sacrifício de quem se esforça por pagar o que não pode, hipotecando, primeiro que tudo, a sua liberdade, mas depois os seus bens e o futuro dos seus filhos, deixando-se gradualmente escravizar na busca de um objectivo inatingível.
De facto, ele esquece que a questão dívida europeia não pode ser resolvida com a fábula salazarista do “lavrador honrado”. A política que está sendo imposta pela Alemanha a toda a Europa tem apenas a ver com a fragilidade do sistema financeiro alemão!
Há hoje um grande mistério na Europa relacionado com o gigantismo da dívida privada de que são credores principalmente os bancos alemães. A maior parte dos boatos que têm sido lançados para acentuar o funcionamento especulativo dos mercados tem a sua origem em Berlim, no governo alemão, como ficou provado no ataque especulativo feito à Espanha e de que Portugal sofreu por tabela as consequências.
Há uma grande opacidade no sistema bancário europeu, muito superior à do americano. Aqui nunca se soube bem qual era o grau de exposição dos bancos europeus aos “activos tóxicos” que estão na origem da crise financeira, como nunca se soube muito bem qual o montante das ajudas que lhes foram prestadas, como continua a não saber-se qual a incidência na contabilidade desses bancos da dívida pública e privada dos Estados mais endividados. Não se sabe com rigor, mas sabe-se que atinge proporções astronómicas.
É claro que um credor que se encontra nesta situação, bem como a economia que o gera não têm, nem um nem outra, nada de virtuosos. São economias e sistemas financeiros que, no plano inter-estadual, assentam num profundo desequilíbrio entre o que exportam e o que importam e no plano inter-subjectivo numa injustíssima distribuição dos rendimentos, que faz com que a sua sustentação só possa ocorrer pelo recurso sistemático ao crédito para manter um nível de procura muito acima das posses de quem compra.
Enquanto este sistema se não alterar não há maneira de resolver a crise. As Merkels deste mundo e aqueles que as aconselham pensam que pelo facto de não haver institucionalizado um sistema alternativo ao capitalismo com força suficiente para o derrubar lhes permite fazer tudo. Passar por cima das constituições nacionais (coisa que nem as federações fazem); impor sacrifícios sem conta a larguíssimas camadas da população; tripudiar sobre as soberanias nacionais; enfim, actuar como verdadeiros bandoleiros políticos.
A experiência destes últimos vinte anos demonstra que não há nada pior para o “sistema” do que as formas de reacção inorgânica contra a sua prepotência. Na Europa pode não haver um Alá a que os excluídos se agarrem para actuar, mas o desespero da impotência acaba sempre por encontrar um arrimo. Só que depois de levantados os demónios do nacionalismo, de espalhado o populismo já será tarde demais para voltar atrás…
1 comentário:
O facto de ainda não estar a escrever crónicas nos jornais só diz mal do nível actual dos nossos jornais.
Espanta-me como é que um cronista de enorme qualidade como o Doutor Correia Pinto, que vê claro onde muitos vêem escuro, ainda não escreve crónicas de opinião para os jornais.
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