AS PARTIDAS DA MEMÓRIA
Só hoje tomei conhecimento do último artigo que Mário Soares escreveu no DN. Não será de estranhar que tenha olhado com especial atenção o “capítulo” que dedicou a Fidel.
Depois de descrever a recente intervenção do Comandante no Congresso dos Deputados do Povo, segundo a avaliação político-pessoal que dela faz, Soares recorda a sua primeira visita a Cuba, nos idos de 60, e deixa-nos o testemunho da impressão com que ficou do regime que então se estava construindo na ilha.
No relato que faz do longo mês que lá passou, Soares esqueceu-se de referir que iniciou a sua estadia em Havana no melhor hotel da cidade, equipado com ar condicionado e todas as demais comodidades. Soares estava feliz e sentia-se em férias nas Caraíbas.
Dias mais tarde chegaria a delegação do PCP, chefiada por Álvaro Cunhal, e só então os cubanos se aperceberam de que tinha havido um engano na instalação dos hóspedes. Os aposentos que estavam sendo ocupados por Soares e Fernandes Fafe destinavam-se aos representantes do PCP. Então, com toda a naturalidade, os cubanos, ao que parece com gentil ironia, mudaram Soares e Fafe de hotel, dando-lhes a entender que estariam melhor noutro lado, não obstante os reiterados protestos dos “desalojados” que insistiam em fazer ver aos seus anfitriões que não precisavam de se incomodar com eles…porque estavam muito bem onde se encontravam.
Este “down grade” com que Soares não contava, ainda por cima para um hotel sem ar condicionado, marcou decisivamente a sua estadia em Cuba…
Muitos anos mais tarde, numa Cimeira Ibero-Americana numa cidade da América Latina, depois de Soares já se ter desforrado nos jornais daquela terrível desfeita com epítetos como o de “dinossauro” e outras “pérolas” do género, Fidel, imponente no seu metro e noventa, desceu a pé a escadaria que ligava os salões do primeiro andar ao “lobby” do hotel. Cá em baixo, Soares falava com alguém. Fidel, olhando-o de alto, pára por momentos ao cruzar-se com ele, e detém-se em algo que Soares ostentava na aba do casaco. Puxa-lhe levemente a aba, com ar simultaneamente familiar e sobranceiro, e diz-lhe: “Chiquitito, chiquitito”. Soares, surpreendido e afável, balbucia um qualquer som seguido de “Comandante”, mas já Fidel se afastava em direcção ao destino que o esperava…
No relato que faz do longo mês que lá passou, Soares esqueceu-se de referir que iniciou a sua estadia em Havana no melhor hotel da cidade, equipado com ar condicionado e todas as demais comodidades. Soares estava feliz e sentia-se em férias nas Caraíbas.
Dias mais tarde chegaria a delegação do PCP, chefiada por Álvaro Cunhal, e só então os cubanos se aperceberam de que tinha havido um engano na instalação dos hóspedes. Os aposentos que estavam sendo ocupados por Soares e Fernandes Fafe destinavam-se aos representantes do PCP. Então, com toda a naturalidade, os cubanos, ao que parece com gentil ironia, mudaram Soares e Fafe de hotel, dando-lhes a entender que estariam melhor noutro lado, não obstante os reiterados protestos dos “desalojados” que insistiam em fazer ver aos seus anfitriões que não precisavam de se incomodar com eles…porque estavam muito bem onde se encontravam.
Este “down grade” com que Soares não contava, ainda por cima para um hotel sem ar condicionado, marcou decisivamente a sua estadia em Cuba…
Muitos anos mais tarde, numa Cimeira Ibero-Americana numa cidade da América Latina, depois de Soares já se ter desforrado nos jornais daquela terrível desfeita com epítetos como o de “dinossauro” e outras “pérolas” do género, Fidel, imponente no seu metro e noventa, desceu a pé a escadaria que ligava os salões do primeiro andar ao “lobby” do hotel. Cá em baixo, Soares falava com alguém. Fidel, olhando-o de alto, pára por momentos ao cruzar-se com ele, e detém-se em algo que Soares ostentava na aba do casaco. Puxa-lhe levemente a aba, com ar simultaneamente familiar e sobranceiro, e diz-lhe: “Chiquitito, chiquitito”. Soares, surpreendido e afável, balbucia um qualquer som seguido de “Comandante”, mas já Fidel se afastava em direcção ao destino que o esperava…
Os anos continuaram a passar sem que Soares tivesse retribuído a "hospitalidade" cubana, nem como Presidente nem a título pessoal. Provavelmente, não terá havido muitas ocasiões para o fazer, embora o mais certo seja Soares não as ter proporcionado pelas razões que se conhecem. Fidel não era seguramente a sua "praia". Outros, que não ele, tiveram mais sorte, como aconteceu com Mobutu, democraticamente recebido no Algarve, na casa do Vau...
10 comentários:
Soares mandou fuzilar alguém por delito de opinião? Não, pois não?
E Fidel? Pois...
Cada um que escolha os seus heróis!
Falso que Fidel tenha cometido os actos que no comentário lhe são imputados.
Irrespondível. Outros que respondam à sua negação.
Apenas digo o seguinte: que seria de Soares, que seria de mim, que seria de si, Dr. JM Correia Pinto, se acaso fossemos cubanos e dissentissemos um pouco que fosse?
"Chiquititos", não é? Seria isso que ouviríamos lá no outro mundo, não é?
Como é bonito apreciar a grandeza épica desse Fidel de um metro e noventa, o seu carisma e sua aura de revolucionário...
Pena, pena é o sangue, a indelével mancha de sangue a seus pés.
A história me absolverá " ele o disse e assim será. Margarida m.
Há um claro exagero no comentário de JMV.
Em primeiro lugar, o que no texto se descreve são duas pequenas histórias, uma delas – a primeira - contada ao narrador, com inexcedível graça, por um dos protagonistas do episódio em questão.
Em segundo lugar, é óbvio que se sublinha a duplicidade com que Soares actuava no confronto leste-oeste. Como político que não brinca em serviço, Soares tudo subordinou aos seus objectivos estratégicos. Que para isso tivesse que ser "amigo" de Mobutu, de Ceausescu, de Savimbi ou de qualquer outro, era-lhe perfeitamente irrelevante.
Em terceiro lugar, é verdade que em Cuba existe a pena de morte, como infelizmente existe em muitos outros países, a começar pela maioria dos estados dos Estados Unidos.
Na longa narrativa recolhida por Ignacio Ramonet, Fidel descreve e explica todos os casos em que foi aplicada a pena capital em Cuba, bem como porque voltou a ser aplicada depois de longos anos sem qualquer execução. Com excepção do herói de Kuito Kanavale – um exagero, muito influenciado pela conjuntura: perante a ameaça crescente de Bush, Cuba parece ter sentido necessidade de demonstrar que não contemporizava com o narcotráfico - as demais execuções têm por fundamento actos de terrorismo, sequestro de pessoas e actos de natureza semelhante. Nos EUA, infelizmente, passa-se o mesmo e Bush, como governador do Texas, terá confirmado muitas mais sentenças de morte do que Fidel.
Por último, pode-se discutir e discordar de muito do que se passa em Cuba, mas afirmar que há execuções por delito de opinião é algo que somente os círculos mais reaccionários dos exilados cubanos na Florida seriam capazes de subscrever. Fora destes círculos, nem mesmo os sectores mais fundamentalistas da Administração americana têm dito tal coisa, ao longo destes últimos 50 anos.
Dr. JM Correia Pinto,
Irrespondível.
A sofística que é necessária para adornar com outra roupagem, para dar "fundamento", ao que não é senão o acto de intolerância máxima de um detentor de poder face a quem "não seja por nós", é deveras um exercício que me entristece...
Mas que são os sentimentos? O indivíduo concreto, com um nome e um cheiro? Nada, pouco. Que a "magnificente idéia" posta em marcha por alguns iluminados avançe, isso é tudo o que importa e ai de quem se intrometa entre essa máquina e o avanço!
E, claro, pouco valerá trazer à colação o maniqueísmo/arcaísmo "esquerda/direita". Tudo o que imputo aos "Fideis" vale, por identidade de razão, para os "Pinochets". Os de ontem, de hoje e de amanhã. A minha condenação de loucos sociopatas infelizmente alçados ao poder não é selectiva mas perene e intransigente.
Pena de morte: sem mais, sou contra. Em qualquer circunstância. Qualquer.
Porém, não parece de todo em todo adequado equivaler a mesma carga de censura para uma condenação à morte resultante da prática judicialmente demonstrada de crimes particularmente cruéis (como seriam os homicídios qualificados), o que ocorre nos v.g. nos EUA, com "crimes" "contra o Estado", "contra o avanço da Revolução", "de terrorismo", "de subversão", "de sedição" ou outros nomen juris eufemisticamente usados em tais regimes para os tais "delitos de opinião".
Por mim, assunto encerrado. Deixou de haver progresso na discussão.
Obrigado pelos comentários.
CP
Por mim idem.
Seria escusado agradecer os comentários, pois que a leitura do seu blog merece sempre e muito justamente uma leitura atenta e por vezes participativa, como foi o caso.
Relendo o que escrevi, vejo alguma acrimónia no tom do que escrevi.
Peço, pois, que releve o que possa exceder em tom ou substância o que apenas quis que fosse, sem maior elaboração, a manifestação da minha parte de uma discordância de fundo quanto ao Fidelismo ou quanto à valia e mérito do nosso ex-PR.
Os meus cumprimentos.
JMV
Tudo bem. Não acho que haja nada a censurar no comentário crítico ou na polémica que são, de sua natureza, agressivos ou, muitas vezes, propositadamente exagerados nos termos utilizados para desse modo deixaram mais vincados a discordância e o distanciamento relativamente ao tema criticado.
JMCPinto
Mobutu?! Mas é óbvio, o ego do Dr. Soares não o interpretava como uma ameaça. Já Fidel …
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