O QUE FALTA ESCLARECER
O esclarecimento que Cavaco Silva publicou hoje (1 de Fevereiro) no site da Presidência da República sobre a permuta de uma vivenda por um terreno esclarece muito pouco.
Em primeiro lugar, é muito discutível que este esclarecimento deva ser publicado no site oficial da Presidência da Republica. O negócio que suscita dúvidas foi realizado pelo cidadão Cavaco Silva, quando não exercia funções oficiais, e o que estava, e continua a estar, em dúvida, depois de se ter tomado conhecimento da aquisição a baixo preço das acções da SLN, é se aquele negócio, realizado antes desta compra, envolve ou não algum favorecimento, para além dos problemas fiscais que pudesse ter.
A questão do favorecimento, das prendas, contrariamente ao que há dias disseram no tribunal ex-altos responsáveis políticos portugueses, é uma questão da máxima importância para quem exerce cargos políticos. E tanto mais importante, quanto mais elevados são esses cargos. É que manda a boa educação que as prendas sejam retribuídas por quem as recebe. Se a retribuição for feita pelo cidadão privado que as recebe, à custa do seu património, ninguém tem nada com isso. Mas a questão muda de figura se a retribuição se traduzir num favor político, pequeno ou grande.
De facto, como qualquer pequeno jurista sabe, a prenda tanto pode ter um intuito altruístico, de pura generosidade, como pode ser feita por interesse (para conseguir vantagens muito superiores da outra parte) ou até ter intuitos malévolos (comprometer o beneficiado). Se qualquer pequeno jurista sabe isto, também deveria sabê-lo, por maioria de razão, um grande político!
Essa a razão, porque a questão das prendas é importante no desempenho de cargos políticos.
Cavaco Silva no esclarecimento que publicou afirma que pagou sisa e indica o montante em euros da importância paga. E aqui começam, melhor, recomeçam as dúvidas.
O negócio que consta da escritura é uma permuta de uma vivenda (a Mariani) por um terreno na Praia da Coelha, ambos avaliados em 27 mil contos, moeda corrente à época da transacção.
Foi nisto que consistiu o negócio ou foi antes, como esclareceu F. Fantasia, sócio da sociedade proprietária do terreno, a troca de uma vivenda por outra?
No primeiro caso, as partes avaliaram os bens trocados no mesmo montante, não tendo pago, consequentemente, qualquer sisa à data da realização do negócio. A sisa somente seria devida se os bens trocados fossem de diferente valor, cabendo o seu pagamento ao adquirente do bem mais valioso, pela diferença.
A tese que se depreende do esclarecimento, tendo também presente o texto da minuta, é que o bem adquirido por Cavaco Silva na aludida permuta valia muito mais do que aquele que ele deu em troca, tendo a sisa incidido sobre a diferença de valor entre os bens trocados. Ou seja, a sisa não foi paga antes da realização da escritura, como obrigatoriamente acontecia nos contratos de compra e venda, mas depois de realizada a troca, seguramente por a avaliação das finanças não coincidir com a dos contraentes que, como se já disse, atribuíram aos bens permutados o mesmo valor. Todavia, esta avaliação só terá sido feita depois de 2001, já que o montante indicado por Cavaco Silva vem expresso em euros, moeda que apenas se tornou corrente depois daquela data.
Mas aqui surge outra questão, que resulta do conhecimento de factos notórios: a essa data já no terreno estava implantada uma moradia habitada por Cavaco Silva.
Então, a sisa é paga sobre quê? Sobre o terreno permutado? Ou sobre o terreno mais a casa entretanto construída? Obviamente ninguém acredita que o terreno valesse assim tanto mais que a moradia dada em troca. Logo, somente poderia recair sobre ambos: terreno e casa.
Mas como recair sobre a casa se a única coisa que Cavaco Silva adquiriu pela escritura foi o terreno? O que se depreende é que entre a data da celebração da escritura e o pagamento da sisa se edificou naquele terreno uma casa. Resta, porém, saber á custa de quem ela foi construída. Se foi construída à custa de Cavaco, a que título paga ele a sisa?
Pode haver uma explicação: é o negócio que consta da escritura não ter sido o efectivamente realizado. É o declarado, mas não o realizado. O realizado é outro. Quando há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada e essa divergência assenta num acordo das partes, pode haver uma simulação, se simultaneamente tiver havido a intenção de enganar terceiros. Enganar terceiros não é sinónimo de prejudicar terceiros. De facto, a simulação tanto pode ser fraudulenta (animus nocendi), como não ser (animus decipiendi).
A questão que está por esclarecer é, portanto, saber o que realmente foi trocado: casa por casa ou casa por terreno. Se a troca tiver sido casa por casa, como tudo indica que foi, então o permutante do terreno, além da transmissão efectuada por mero efeito do contrato, ficou ainda com a obrigação de construir a casa para Cavaco Silva.
E num caso destes tanto pode haver simulação, como um simples negócio fiduciário.
Se a obrigação de construir era realmente do permutante do terreno é natural que o fisco, tendo mais tarde detectado negócio verdadeiro, tenha exigido a sisa. E assim se tenha ressarcido do imposto que realmente lhe era devido.
Só que este problema levanta outro: a obrigação de construir em que termos impende sobre o permutante do terreno? É ele que suporta a totalidade das despesas de edificação? Caso em que teria havido um negócio misto: permuta e doação ( e neste caso não haveria lugar ao pagamento de sisa, mas de imposto sobre doações). Ou apenas suporta os custos da edificação até à concorrência do valor do bem para ele transferido, cabendo a diferença a Cavaco Silva? Caso em que, como já se disse, não haveria lugar ao pagamento de qualquer sisa.
Esta uma dúvida – uma dúvida muito importante que o esclarecimento da questão fiscal não resolve – que somente Cavaco Silva pode esclarecer.
É uma dúvida importante, potenciada pelo posterior negócio das acções, porque não é indiferente ter havido doação (nos termos referidos) ou não.
Em conclusão: para as coisas ficarem clarinhas como água, ainda há muito por esclarecer.
Em primeiro lugar, é muito discutível que este esclarecimento deva ser publicado no site oficial da Presidência da Republica. O negócio que suscita dúvidas foi realizado pelo cidadão Cavaco Silva, quando não exercia funções oficiais, e o que estava, e continua a estar, em dúvida, depois de se ter tomado conhecimento da aquisição a baixo preço das acções da SLN, é se aquele negócio, realizado antes desta compra, envolve ou não algum favorecimento, para além dos problemas fiscais que pudesse ter.
A questão do favorecimento, das prendas, contrariamente ao que há dias disseram no tribunal ex-altos responsáveis políticos portugueses, é uma questão da máxima importância para quem exerce cargos políticos. E tanto mais importante, quanto mais elevados são esses cargos. É que manda a boa educação que as prendas sejam retribuídas por quem as recebe. Se a retribuição for feita pelo cidadão privado que as recebe, à custa do seu património, ninguém tem nada com isso. Mas a questão muda de figura se a retribuição se traduzir num favor político, pequeno ou grande.
De facto, como qualquer pequeno jurista sabe, a prenda tanto pode ter um intuito altruístico, de pura generosidade, como pode ser feita por interesse (para conseguir vantagens muito superiores da outra parte) ou até ter intuitos malévolos (comprometer o beneficiado). Se qualquer pequeno jurista sabe isto, também deveria sabê-lo, por maioria de razão, um grande político!
Essa a razão, porque a questão das prendas é importante no desempenho de cargos políticos.
Cavaco Silva no esclarecimento que publicou afirma que pagou sisa e indica o montante em euros da importância paga. E aqui começam, melhor, recomeçam as dúvidas.
O negócio que consta da escritura é uma permuta de uma vivenda (a Mariani) por um terreno na Praia da Coelha, ambos avaliados em 27 mil contos, moeda corrente à época da transacção.
Foi nisto que consistiu o negócio ou foi antes, como esclareceu F. Fantasia, sócio da sociedade proprietária do terreno, a troca de uma vivenda por outra?
No primeiro caso, as partes avaliaram os bens trocados no mesmo montante, não tendo pago, consequentemente, qualquer sisa à data da realização do negócio. A sisa somente seria devida se os bens trocados fossem de diferente valor, cabendo o seu pagamento ao adquirente do bem mais valioso, pela diferença.
A tese que se depreende do esclarecimento, tendo também presente o texto da minuta, é que o bem adquirido por Cavaco Silva na aludida permuta valia muito mais do que aquele que ele deu em troca, tendo a sisa incidido sobre a diferença de valor entre os bens trocados. Ou seja, a sisa não foi paga antes da realização da escritura, como obrigatoriamente acontecia nos contratos de compra e venda, mas depois de realizada a troca, seguramente por a avaliação das finanças não coincidir com a dos contraentes que, como se já disse, atribuíram aos bens permutados o mesmo valor. Todavia, esta avaliação só terá sido feita depois de 2001, já que o montante indicado por Cavaco Silva vem expresso em euros, moeda que apenas se tornou corrente depois daquela data.
Mas aqui surge outra questão, que resulta do conhecimento de factos notórios: a essa data já no terreno estava implantada uma moradia habitada por Cavaco Silva.
Então, a sisa é paga sobre quê? Sobre o terreno permutado? Ou sobre o terreno mais a casa entretanto construída? Obviamente ninguém acredita que o terreno valesse assim tanto mais que a moradia dada em troca. Logo, somente poderia recair sobre ambos: terreno e casa.
Mas como recair sobre a casa se a única coisa que Cavaco Silva adquiriu pela escritura foi o terreno? O que se depreende é que entre a data da celebração da escritura e o pagamento da sisa se edificou naquele terreno uma casa. Resta, porém, saber á custa de quem ela foi construída. Se foi construída à custa de Cavaco, a que título paga ele a sisa?
Pode haver uma explicação: é o negócio que consta da escritura não ter sido o efectivamente realizado. É o declarado, mas não o realizado. O realizado é outro. Quando há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada e essa divergência assenta num acordo das partes, pode haver uma simulação, se simultaneamente tiver havido a intenção de enganar terceiros. Enganar terceiros não é sinónimo de prejudicar terceiros. De facto, a simulação tanto pode ser fraudulenta (animus nocendi), como não ser (animus decipiendi).
A questão que está por esclarecer é, portanto, saber o que realmente foi trocado: casa por casa ou casa por terreno. Se a troca tiver sido casa por casa, como tudo indica que foi, então o permutante do terreno, além da transmissão efectuada por mero efeito do contrato, ficou ainda com a obrigação de construir a casa para Cavaco Silva.
E num caso destes tanto pode haver simulação, como um simples negócio fiduciário.
Se a obrigação de construir era realmente do permutante do terreno é natural que o fisco, tendo mais tarde detectado negócio verdadeiro, tenha exigido a sisa. E assim se tenha ressarcido do imposto que realmente lhe era devido.
Só que este problema levanta outro: a obrigação de construir em que termos impende sobre o permutante do terreno? É ele que suporta a totalidade das despesas de edificação? Caso em que teria havido um negócio misto: permuta e doação ( e neste caso não haveria lugar ao pagamento de sisa, mas de imposto sobre doações). Ou apenas suporta os custos da edificação até à concorrência do valor do bem para ele transferido, cabendo a diferença a Cavaco Silva? Caso em que, como já se disse, não haveria lugar ao pagamento de qualquer sisa.
Esta uma dúvida – uma dúvida muito importante que o esclarecimento da questão fiscal não resolve – que somente Cavaco Silva pode esclarecer.
É uma dúvida importante, potenciada pelo posterior negócio das acções, porque não é indiferente ter havido doação (nos termos referidos) ou não.
Em conclusão: para as coisas ficarem clarinhas como água, ainda há muito por esclarecer.
3 comentários:
Um esclarecimento: A permuta foi e só podia ter sido feita entre os lotes e Mariani. A gaivota ainda não existia! Mais, para ser sobre a Gaivota, teria que tratar-se de permuta de bens presentes Mariani e bens futuros Gaivota Azul. O que não é o caso e daria certamente uma diferença de sisa muito maior, face aos valores da Gaivota actualizados e os da Mariani desactualizados.
Falta pois esclarecer os verdadeiros valores dos bens permutados e, quem pagou, o projecto e a construção da Gaivota.
A questão jurídica está modelarmente esclarecida no post.
Mais que pertinentes por isso as conclusões de CP e também o comentário de Anónimo.
Nada está ainda esclarecido por Cavaco acerca deste obscuro negócio.
Segundo ouvi há pouco na TV, a avaliação fiscal da nova casa do Cavaco terá sido feita ... antes dela ser construida. Concretamente, teria incidido sobre um projecto de arquitectura que não tem qualquer correspondência com a Casa da Gaivota mais tarde edificada, que tem área muito superior.
Se isto não for falso a gravidade desta história assume proporções que, se Cavaco tivesse vergonha, nem sequer acabava o mandato que está a terminar.
Quanto a mim, está esclarecido o mais importante: o sr. pr entrou (???) num "negócio" do tipo dos seus compadres e amigos do BPN.
E, como o povo diz que é tão ladrão quem vai à vinha como aquele que fica à porta, resta-nos o "consolo" de imaginar que sexa, para além de conivente, é cobarde...
Enviar um comentário