O QUE FICOU POR DIZER
O debate de ontem não trouxe nada de novo. Dito de outra maneira: trouxe aquilo que se esperava. E, todavia, havia muito para dizer, principalmente da parte de Jerónimo de Sousa.
Sócrates faz o seu papel e já concluiu que o modo como o desempenha lhe traz benefícios, por isso não é de estranhar que o seu guião se não altere quer quando fala para a sua direita ou para a sua esquerda. O seu objectivo é, por um lado, manter o maior número possível de votos dos eleitores oscilantes entre o PS e o PSD e, por outro, fazer regressar ao PS parte dos que migraram para o BE. Consequentemente, faz o discurso da esquerda da direita, que é onde verdadeiramente o PS se situa: promete manter o estado social tal como ele hoje é entendido, sem excepções, por todos os partidos socialistas e social-democratas da Europa, e atemoriza os oscilantes de direita com as consequências do radicalismo neoliberal do PSD.
Sócrates assenta o seu discurso em três pressupostos muito fáceis de enunciar.
O primeiro é a crença acrítica nas virtualidades da União Europeia, quaisquer que sejam e tenham sido as profundas modificações ocorridas no seu seio nestes últimos anos – a “Europa” é um dado incontornável em que não se mexe, nem se discute!
O segundo assenta na aceitação igualmente acrítica de uma política económica que produz resultados diametralmente opostos aos enunciados com base numa crença que os factos já demonstraram não ter qualquer possibilidade de êxito, sendo bem mais provável, pelos exemplos que se conhecem, que leve antes ao desastre mais completo – esta incapacidade de atender à realidade dos factos só é politicamente entendível por quem assenta a actuação política em pressupostos irracionais com completo desprezo pelas mais elementares regras do pensamento científico, ou seja, a política deixa de ser a “arte do materialmente possível” para se transformar no “resultado de uma vontade”.
O terceiro assenta na defesa do “estado social”, tal como ele necessariamente resulta dos dois pressupostos anteriores, que obviamente o descaracterizam, a cada ano que passa, e o limitam até se tornar numa espécie de programa assistencial de contenção das consequências mais gravosas da pobreza – ou seja, o estado social deixou de ser um complemento fundamental de uma política de redistribuição de rendimentos para se tornar gradualmente numa espécie de bolsa assistencial das situações socialmente mais graves. Dito de outro modo: a redistribuição de rendimentos imposta pelo capitalismo neoliberal leva necessariamente à destruição do “estado social”, não apenas por opção política, mas por impossibilidade material de o sustentar.
É óbvio que contra isto a esquerda tem respostas, mas essas respostas não podem ser circunstanciais nem iludir relativamente a cada assunto a posição de fundo que tem de ser adoptada e das quais decorrerão as soluções alternativas que sem medo, e devidamente explicadas, têm de ser apresentadas ao sufrágio popular. Os habituais métodos de actuação já se revelaram insuficientes e ineficazes: o eleitorado das “propostas circunstanciais” tem uma elasticidade limitada que, em circunstâncias excepcionais, pode rondar os vinte por cento, mas que em caso algum os ultrapassa. E com vinte por cento, para quem aposte na via institucional, não se chega a lado nenhum, ainda por cima divididos por dois partidos.
Também é evidente que não compete ao dirigente político apresentar o seu programa com base em detalhadas análises político-económico-filosóficas, mas as propostas que apresentar têm de estar estribadas nessas análises sob pena de o eleitorado as rejeitar por não encontrar nelas uma base coerente confiável.
Em conclusão: os pressupostos do actual discurso político têm de ser desmontados e simultaneamente reconstruídos num sentido completamente diferente do actual. Actuar de outro modo é “navegar” na periferia dos limites estabelecidos pelo discurso dominante.
O debate de ontem não trouxe nada de novo. Dito de outra maneira: trouxe aquilo que se esperava. E, todavia, havia muito para dizer, principalmente da parte de Jerónimo de Sousa.
Sócrates faz o seu papel e já concluiu que o modo como o desempenha lhe traz benefícios, por isso não é de estranhar que o seu guião se não altere quer quando fala para a sua direita ou para a sua esquerda. O seu objectivo é, por um lado, manter o maior número possível de votos dos eleitores oscilantes entre o PS e o PSD e, por outro, fazer regressar ao PS parte dos que migraram para o BE. Consequentemente, faz o discurso da esquerda da direita, que é onde verdadeiramente o PS se situa: promete manter o estado social tal como ele hoje é entendido, sem excepções, por todos os partidos socialistas e social-democratas da Europa, e atemoriza os oscilantes de direita com as consequências do radicalismo neoliberal do PSD.
Sócrates assenta o seu discurso em três pressupostos muito fáceis de enunciar.
O primeiro é a crença acrítica nas virtualidades da União Europeia, quaisquer que sejam e tenham sido as profundas modificações ocorridas no seu seio nestes últimos anos – a “Europa” é um dado incontornável em que não se mexe, nem se discute!
O segundo assenta na aceitação igualmente acrítica de uma política económica que produz resultados diametralmente opostos aos enunciados com base numa crença que os factos já demonstraram não ter qualquer possibilidade de êxito, sendo bem mais provável, pelos exemplos que se conhecem, que leve antes ao desastre mais completo – esta incapacidade de atender à realidade dos factos só é politicamente entendível por quem assenta a actuação política em pressupostos irracionais com completo desprezo pelas mais elementares regras do pensamento científico, ou seja, a política deixa de ser a “arte do materialmente possível” para se transformar no “resultado de uma vontade”.
O terceiro assenta na defesa do “estado social”, tal como ele necessariamente resulta dos dois pressupostos anteriores, que obviamente o descaracterizam, a cada ano que passa, e o limitam até se tornar numa espécie de programa assistencial de contenção das consequências mais gravosas da pobreza – ou seja, o estado social deixou de ser um complemento fundamental de uma política de redistribuição de rendimentos para se tornar gradualmente numa espécie de bolsa assistencial das situações socialmente mais graves. Dito de outro modo: a redistribuição de rendimentos imposta pelo capitalismo neoliberal leva necessariamente à destruição do “estado social”, não apenas por opção política, mas por impossibilidade material de o sustentar.
É óbvio que contra isto a esquerda tem respostas, mas essas respostas não podem ser circunstanciais nem iludir relativamente a cada assunto a posição de fundo que tem de ser adoptada e das quais decorrerão as soluções alternativas que sem medo, e devidamente explicadas, têm de ser apresentadas ao sufrágio popular. Os habituais métodos de actuação já se revelaram insuficientes e ineficazes: o eleitorado das “propostas circunstanciais” tem uma elasticidade limitada que, em circunstâncias excepcionais, pode rondar os vinte por cento, mas que em caso algum os ultrapassa. E com vinte por cento, para quem aposte na via institucional, não se chega a lado nenhum, ainda por cima divididos por dois partidos.
Também é evidente que não compete ao dirigente político apresentar o seu programa com base em detalhadas análises político-económico-filosóficas, mas as propostas que apresentar têm de estar estribadas nessas análises sob pena de o eleitorado as rejeitar por não encontrar nelas uma base coerente confiável.
Em conclusão: os pressupostos do actual discurso político têm de ser desmontados e simultaneamente reconstruídos num sentido completamente diferente do actual. Actuar de outro modo é “navegar” na periferia dos limites estabelecidos pelo discurso dominante.
4 comentários:
Tens toda a razão, mas num horizonte temporal para além de 5 de junho. Nestas eleições, como dizes, a "esquerda" - ou melhor, o campo do "não" - vai perder porque Sócrates e a sua máquina de manipulação tecnicamente goebbeliana (não tenho medo de dizer isto, obviamente que não estou a chamar o PS de fascista) vai recuperar o desvio de votos para o BE. Muitos eleitores em tempo de crise vão essencialmente para o do mal o menos, aquilo que já conhecemos. Sabes isto tão bem como eu.
O problema que se põe é que uma atitude consequente de esquerda obriga a um voto mesmo que enjoado num dos dois partidos do não. Qual será a minha opção? É possível que só decida na câmara de voto, tão difícil é a escolha entre os amigos da Coreia do Norte e das FARC e os videirinhos espertalhaços de esquerda "diferente".
Li-o atentamente, como sempre...
:)) Abraço
Não percebi nada a partir do momento em que acho que ia dizer alguma coisa importante...
Pode descodificar."É óbvio que contra isto a esquerda tem respostas, mas essas respostas não podem ser circunstanciais nem iludir relativamente a cada assunto a posição de fundo que tem de ser adoptada e das quais decorrerão as soluções alternativas que sem medo, e devidamente explicadas, têm de ser apresentadas ao sufrágio popular."?
Meu Caro Rogério Pereira:
Muito sucintamente: o que está em causa e não pode por mais tempo ser iludida é a questão da nossa ligação à União Europeia e à zona euro. O assunto tem de ser discutido abertamente aqui e lá fora. Sem rodeios...
Depois, como consequência dessa ligação nos termos em que existe, a questão da dívida e do "resgate". Impossível, absolutamente impossível, resolver o problema no actual contexto e com as medidas preconizadas. Elas levam a um agravamento da situação. Alguém tem de ter a coragem de dizer em Bruxelas que esta solução não serve...E que, por isso, não a vamos cumprir.
Finalmente, o modelo económico: não há que ter medo das propostas: há sectores da economia que têm de ser nacionalizados e que ir preparando economicamente o país para o "pós Europa" já que esta "união" não tem qualquer futuro. De momento apenas se aguenta porque os grupos económicos dominantes continuam a ver num grande espaço de comércio livre um excelente campo de actuação para os seus negócios, mas quando os conflitos surgirem entre eles, principalmente com base em divergências nacionais, tudo estará muito próximo do fim.
Hoje, o que domina a Europa é o medo: o medo do outro, do emigrante, do emergente, dos novos polos de poder. E com base no medo nada de positivo se pode fazer - a guerra é historicamente a porta de saída do medo. A Europa de hoje caminha para uma espécie de novo fascismo, utilizando o conceito num sentido lato - uma dreita belicosa, xenófoba, racista, que desconfia do próprio vizinho mais próximo, domina a Europa de Norte a Sul e de Leste a Oeste. As duas únicas excepções deixarão muito brevemente de o ser...
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