terça-feira, 24 de maio de 2011

TROIKA: UMA CAMPANHA DE MENTIRAS E OMISSÕES COMO NUNCA SE VIU



O INEVITÁVEL VAI ACONTECER

A campanha eleitoral para as legislativas de 5 de Junho dos três partidos com hipóteses de constituírem governo decorre em Portugal sob o signo da mentira e da inconsciência. Como nunca se viu depois do 25 de Abril. Nem mesmo quando Soares, Sá Carneiro e Freitas se proclamavam socialistas aconteceu algo de semelhante, já que nessa altura, a maior parte dos votantes dos respectivos partidos, assustada com o que se estava a passar, pelo menos sabia que o “socialismo” deles era para acabar com o socialismo dos outros. Mas agora não. Agora as pessoas sabem que o PS, o PSD e o CDS deram o seu acordo a um programa de austeridade imposto pela UE/BCE/FMI, mas não fazem a menor ideia como esse programa vai ser aplicado nem quais vão ser as consequências da sua aplicação.
O PS e o PSD divertem-se com acusações recíprocas sobre assuntos de lana caprina (para utilizar uma expressão latina que os economistas eruditos do nosso tempo traduziram por palavras mais consentâneas com o tal saber económico de que fala Cavaco) e nem sequer abrem a boca sobre o programa de austeridade que já em Julho começarão a pôr em prática. Enquanto o CDS, vogando entre a nova atitude responsável do chefe e as questões da lavoura, vai tentando capitalizar ao máximo as consequências daquela falsa guerrilha. Mas sobre o essencial nem uma palavra.
É claro que as presentes eleições estão marcadas pela questão da continuidade ou não da carreira política de Sócrates, o que sendo um assunto com alguma importância política – uma importância que vai inclusive para além do interesse do directamente visado - nem por isso deixa de ser uma questão colateral. De facto, a importância política só poderá resultar de uma hipotética vitória de Sócrates, que parece agora mais difícil de alcançar, já que da sua derrota resultaria o que está à vista de todos: a sua demissão de Secretário Geral do PS e negociação das condições em que o PS se disporia a integrar ou a apoiar o novo governo. O que, diga-se, assumirá contornos muito diferentes consoante haja ou não maioria absoluta PSD/CDS.
E é uma questão colateral, porque o novo governo, com Sócrates ou sem Sócrates, não vai ter qualquer hipótese de pagar a dívida tal como ela agora está estruturada, nem os tais fundos de resgate aportados pelas três instituições acima referidas vão ter qualquer efeito positivo sobre a economia portuguesa. Pelo contrário, a situação só pode piorar tal como está a acontecer com a Grécia.
E o que é espantoso é que nesta União Europeia, dominada pela Alemanha, com a complacência da França (que estupidamente vê no “rigor teutónico”a salvação dos seus bancos), não haja uma única voz, dentre as vozes que têm acesso ao governo dos Estados, capaz de erguer-se contra esta loucura, esta política económica de vistas curtas, que pretende evitar o inevitável. É bom que se perceba que não há qualquer hipótese de recuperar com estes programas de austeridade, assentes numa crença – uma crença tão irracional como as demais –, erros estruturais sem simultaneamente se assumir a responsabilidade pelas consequências dos erros cometidos.
E esses erros, contrariamente ao que supõem os economistas cavaquistas, e muitos outros ligados ao PS, conjunturalmente mais silenciosos por conveniência política, mais do que imputáveis aos devedores, decorrem fundamentalmente do modo como foi estruturada a zona euro e dos actuais credores que, dotados ao longo de mais de uma década de reservas de liquidez aparentemente inesgotáveis, trataram de fazer a sua aplicação lá onde o dinheiro faltava, sem curarem de saber como, na espiral de endividamento que eles próprios estavam a criar, poderiam os devedores ter condições para restituir o que então estavam a receber.
Omitir estas questões, fazer de contas que elas não existem, ou supor que o “resgate”, aplicado com rigor e cumprido à risca o seu condicionalismo, resolve as nossas dificuldades é uma irresponsabilidade apenas comparável à ignorância dos que acreditam nestas soluções. Os credores internacionais não podem receber todo o dinheiro que emprestaram – têm de suportar o risco da sua própria incompetência – nem podem manter-se os prazos nem os juros actualmente em vigor. Uns têm de ser alargados e outros descidos para níveis consentâneos com uma política económica de recuperação que permita gerar emprego e crescimento, criando assim condições para o pagamento do que for devido. E internamente há que escrutinar com rigor as dívidas por obras ou serviços prestados de modo a torná-las compatíveis com uma retribuição razoável do capital investido. Taxas de retribuição do capital como as actualmente em vigor para a maior parte das parcerias público-privadas terão de ser drasticamente reduzidas para níveis aceitáveis, de acordo com o interesse público.

5 comentários:

Rogério G.V. Pereira disse...

Excelente post. Vale um contributo, se me permite:

"O capitalismo tem, na sua génese, a tomada de risco e em consequência a possibilidade de insucesso. No caso de iniciativas empresariais esse insucesso pode-se traduzir em processos de saneamento ou falência, que geralmente resultam na reestruturação de dívida dos credores da empresa. Ou seja, o processo de reestruturação de dívida é intrínseco a economias de mercado. Além desse exemplo note-se que, em economias de mercado, os bancos regularmente reestruturam os créditos que detêm sobre empresas e famílias em dificuldade. De facto, os bancos (e outras empresas) incluem na sua demonstração de resultados uma previsão das imparidades, que não é mais do que uma previsão dos hair-cuts que irão sofrer quando reestruturam a dívida dos seus clientes. É parte do dia-a-dia do negócio bancário." -
economista Ricardo Cabral , Semanário Expresso

Raimundo Narciso disse...

Viste o Krugman este domingo no NYT e no El país? Linkei-o no Puxapalavra. Diz que a reestruturação (a pesada, não a leve) da dívida é inevitável na G, I e P. E que a UE, o BCE, em resumo, a Alemanha, por este caminho leva a Europa a epicentro de nova crise financeira.

Ana Paula Fitas disse...

Caro JMCorreia-Pinto,
Faço link... como não podia deixar de ser :)
Obrigado!
Um abraço.

Anónimo disse...

O que é verdade para as empresas e para os particulares só parcialmente se aplica aos Estados. O "erro de avaliação" dos credores de Portugal foi participarem da convicção muito generalizada de que a dívida soberana um país da euro-zona teria sempre a escudá-la o superior interesse político das potências no Projecto e a consequente solidariedade. Que me lembre, ninguém levantou esta questão. O tal "hair-cut" que cada vez parece mais inevitável terá, no meu modesto entendimento, consequências funestas e duradouras. Atente-se no défice da BC e composição desse desequilíbrio!!! As comparações com o caso da Argentina, por exemplo, são inaplicáveis em aspectos essenciais. Essa solução para Portugal terá mais semelhanças com os países que ciclicamente beneficiam dos "perdões".
NG

JM Correia Pinto disse...

A convicção de que haveria solidariedade entre os que participam no projecto comum só pode provir de uma crença - estado de espírito muito divulgado entre os economistas - porque os tratados institucionais afastam expressamente essa hipótese. Mais: o acórdão do Tribunal Constitucional alemão sobre Maastricht é eloquente a esse respeito.
Portanto, houve um erro de cálculo dos credores, isto é, dos detentores da liquidez, que não pode deixar de ser responsabilizado.