domingo, 15 de maio de 2011

RETOMANDO A CONVERSA



COMO ÍAMOS DIZENDO ...

Depois de uma ausência de quase três semanas, confirma-se à chegada o que se ia intuindo à distância: há muito nervosismo para as bandas de S. Caetano à Lapa e não só…
E compreende-se: a nova equipa do PSD, devidamente infiltrada por gente do Cavaco, tinha como certa a vitória nas urnas e o fim da carreira política de Sócrates. Afastado Sócrates, por impossibilidade de qualquer entendimento com ele, os “patriotas” do PS – Seguro, Assis e outros, todos com o beneplácito de Soares – alinhariam, com subalternos, num alargado governo PSD/Cavaco, com o CDS como apêndice, destinado a assegurar um “grande consenso” que permitisse pôr em prática um amplo programa neoliberal capaz de ultrapassar pela direita o próprio programa da “troika”. Nesse governo, o PS desempenharia a ilusória tarefa de conter e controlar o descontentamento das “massas populares” mais afectadas pelas “reformas”, nome dado, como se sabe, às novas formas de exploração capitalista, destinadas a reforçar a acumulação primitiva muito danificada e afectada nas economias periféricas pelas consequências em cascata da crise financeira de 2008.
Afinal, parece que as coisas não vão ser bem assim, não, evidentemente, do ponto de vista dos resultados a alcançar, mas dos executores encarregados de os concretizar.
Sócrates, que joga o seu futuro político nas próximas eleições, não só logrou estancar a queda continuada e progressiva do PS, como conseguiu inverter o sentido de voto de muitas dezenas de milhares de eleitores, descontentes com a actuação inconsequente e a várias vozes do PSD ou receosos das consequências de uma aceleração neoliberal proposta pelo PSD. Os primeiros são eleitores do “bloco central”, que perante a inconsistência dos novos actores preferem ficar com os que já conhecem e que, no seu íntimo, até admiram, e os segundos são eleitores da “esquerda” do PS, que em épocas de “grande prosperidade eleitoral” tinham rumado mais à esquerda para tranquilizar a consciência política revoltada pela duplicidade política de Sócrates (conversa de meia-esquerda, prática de inteira direita) e que agora, em situação de emergência, regressam a “casa” para impedir a transferência de poder para outras mãos.
Sócrates, tendo em seu desfavor um imenso passivo, que, em princípio, arrasaria qualquer outro dirigente político, conseguiu, com êxito, imputar ao PSD uma crise política cujo momento para a desencadear ele próprio escolheu, responsabilizar e de certa forma marginalizar Cavaco, culpando-o ostensivamente pela sua inactividade e sibilinamente pelo seu arreigado partidarismo e tentando aparecer aos olhos de muitos eleitores da esquerda como o único político capaz de, em tempos de crise, salvaguardar o essencial do que resta do “estado social”.
Do lado do PSD, ficou demonstrado à saciedade que a política com recurso ao teleponto não funciona quando ao leme não está alguém minimamente preparado: os habituais ”leitores” do teleponto, com este por longe, confundem-se, contradizem-se e revelam uma incapacidade confrangedora quando solicitados a actuar no quadro interligado das matérias complexas a tratar, enquanto os “autores materiais” do teleponto, impossibilitados de assumir publicamente uma liderança política correspondente à importância da sua “liderança de facto”, vão-se sentindo cada vez mais desesperados com o evoluir dos acontecimentos e cometem, eles também, erros de toda a ordem, inclusive ao nível da linguagem comunicacional, revelando um estado de espírito muito próximo do dos treinadores de futebol que acabam de perder um jogo que antecipadamente tinham por ganho.
Do lado da esquerda, as duas vias propostas, irreconciliáveis, no essencial, embora aparentemente próximas em múltiplas questões concretas, têm-se revelado incapazes de apresentar um discurso susceptível de mobilizar os largos sectores do eleitorado cujos interesses coincidem com os pontos de vista por elas defendidos e consequentemente criarem as condições capazes de pressionar o PS a adoptar uma política mais próxima do centro-esquerda. Embora na presente situação, em que fundamentalmente se discute a escolha dos executores do programa de governo imposto pela troika, com a cumplicidade, em graus diversos, do PS, PSD e CDS, o papel da esquerda esteja mais orientado para uma acção de resistência popular cuja amplitude tenderá a ser superior ao peso eleitoral dos respectivos partidos, nem por isso deixa de ser importante a obtenção de um bom resultado eleitoral, único índice seguro, para quem governa, do descontentamento popular.

2 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro JMCorreia Pinto,
Obrigado pela sistematicidade lúcida do seu texto :)
Faço link.
Obrigado.
Abraço.

Rogério G.V. Pereira disse...

Eis aqui um texto em estado puro. Suficientemente claro para não ser escuro. Suficientemente limpo e isento, para ser distante e elegante. A conversa rodeou a substância e concentrou-se nos actores. A Ana Paula Fitas, porque o considera, saiu daqui reconfortada... No fundo ela preocupa-se muito com estas coisas...