O CHAMADO DESAIRE ELEITORAL
A polémica está lançada e o desafio também: o Bloco de Esquerda reduziu para metade o número de deputados de 2009 por erros políticos da sua direcção, devendo, como agora está na moda nos partidos burgueses, apresentar de imediato a sua demissão ou, pelo contrário, terá sido o excelente resultado obtido há dois anos fruto de uma conjuntura excepcional muito diferente da actual?
As críticas que recorrentemente têm sido lançadas por dois ou três militantes – moção de censura, não falar com a troika, má gestão da derrota da candidatura Alegre – não fazem verdadeiramente qualquer sentido e algumas delas até são contraditórias.
Começando pela primeira – a moção de censura. Aparentemente a crítica baseia-se no facto de o Bloco ter apressadamente apresentado a moção para se antecipar ao PCP que tencionaria fazer o mesmo num timing que não chegou a definir. A apresentação da moção de censura em si pode não ter sido uma boa ideia não tanto por putativamente afastar alguns milhares de eleitores, mas pelo clima que criaria relativamente ao que viria a seguir. Ou seja, a moção de censura em si não afastaria o eleitorado fiel, mas seguramente contribuiria para a criação de um clima de crise que levaria logo na primeira oportunidade, como levou, à queda do governo. E não seria prudente provocar eleições numa conjuntura que antecipadamente se sabia ser desfavorável ao Bloco. Mas se a crítica é esta, então em vez de se falar em processo de mimetização do PCP, deveria antes dizer-se que o Bloco tinha todo o interesse em manter o PS no governo até ao fim da legislatura, sem pôr de lado a contundência das suas críticas, por saber que as eleições realizadas no contexto actual lhe seriam fatalmente desfavoráveis.
Só que se a crítica for esta ela acaba por levantar um problema bem mais complicado, que é o de saber quais são as condições de crescimento do Bloco. E tudo aponta no sentido de que o Bloco, depois de feito o pleno das múltiplas organizações e sensibilidades de esquerda que o compõem e de ter recolhido as franjas de esquerda das dissidências do PCP, só poderia crescer à custa do chamado eleitorado de esquerda do PS. Só que uma coisa é crescer, outra consolidar o crescimento.
O Bloco cresceu em 2009 num contexto eleitoral decorrente de uma anterior maioria absoluta do PS cujo exercício durante quatro anos desagradou francamente a largos sectores do próprio Partido Socialista que não estavam então dispostos a repetir o voto de 2005 por temerem a continuação do que se passou na legislatura que então findava, sabendo igualmente tais sectores, pelo conhecimento que iam tendo da evolução das sondagens, que o desvio do voto num partido de esquerda como o Bloco não entregaria o poder à direita e obrigaria o PS a um diálogo que o afastaria da tentação hegemónica com que até ai tinha actuado.
Ora este eleitorado, dois anos mais tarde, não se fixou no Bloco e voltou ao partido donde tinha saído, exactamente para tentar impedir que o poder caísse nas mãos da direita que, entretanto, já tinha recuperado parte do volátil eleitorado de centro-direita que nos últimos quinze anos votara preferencialmente PS.
Mais difícil será saber por que não se fixou este eleitorado no Bloco e acudiu logo na primeira ocasião a tentar salvar o PS de uma derrota frente à direita. Este eleitorado em grande medida gerado pela Maria Rodrigues e pelo Correia de Campos, e também pela arrogância de Sócrates, no fundo, voltou ao PS, exactamente por considerar o Bloco um partido muito diferente do Partido Socialista – um partido útil para protestar e manter a sociedade alerta contra as tentações direitistas da “esquerda” que governa, mas um partido que não constitui uma alternativa válida para governar.
Mas se for assim onde está o erro? O erro está em supor que um partido como o Bloco com uma matriz dominantemente revolucionária, embora camuflada, possa alguma vez constituir numa sociedade como a nossa - uma sociedade típica de capitalismo desenvolvido - uma alternativa eleitoral viável. Não pode. Para ser uma eventual alternativa eleitoral teria de ser algo de muito parecido com os três partidos da troika (falando do que por cá há) ou ter uma evolução muito semelhante, por exemplo, à dos verdes alemães. Mas se o Bloco evoluir depressa ou devagar em qualquer um destes sentidos a sociedade que ele afirma querer alterar ficaria substancialmente na mesma em tudo que respeite às questões verdadeiramente estruturais.
Aliás, o falhanço do apoio à candidatura de Manuel Alegre é o exemplo mais acabado de como nenhum dos objectivos implícitos nela visados foi alcançado. O Bloco apoiando um candidato da tal ala do PS que ele queria eleitoralmente seduzir não logrou concretizar tal objectivo como se viu nas eleições de 5 de Junho e, por outro lado, colocando-se ao lado do PS no apoio ao mesmo candidato afugentou a larga maioria do eleitorado socialista. Se o inêxito relativamente ao primeiro objectivo constitui uma crítica objectiva à estratégia da direcção, a consequência decorrente desse apoio deita por terra as críticas dos críticos, a menos que nelas esteja implícita a transformação do Bloco num partido completamente diferente daquilo que ele é.
Ainda está para “nascer” o partido que numa situação estabilizada defenda uma alteração substancial da sociedade e tenha simultaneamente a pretensão de chegar ao poder por via eleitoral. Os dois exemplos mais conhecidos – um pela conquista do poder, outro pela expressão eleitoral que chegou a atingir – são o caso chileno e o italiano. No Chile um pouco mais de um terço dos votos foi suficiente para chegar ao poder, mas de nada serviram perante a força das armas. Na Itália votações extraordinárias do PCI de quase 40% nunca foram suficientes para sequer chegar ao governo – a Democracia Cristã tinha sempre mais (e hoje sabe-se porquê) – e da única vez em que um dirigente da Democracia Cristã se propunha apresentar no Parlamento a viabilização daquilo a que então se chamava o “compromisso histórico”, esse dirigente foi raptado exactamente quando ia a caminho do Parlamento e depois assassinado. E ninguém foi capaz de o salvar, nem mesmo Paulo VI de quem era amigo íntimo…
7 comentários:
Um Partido para se concretizar, tera que promeiro apresenatr "uma nova constituicao" ao Povo e dai partir para um projecto politico de fundo.Esta "constituicao" aprovada pelo Povo "so em campanha" sera a base para a tal "terceira via" ou nao? Se o Povo aprovar..esta dado o primeiro grande passo e o movimento consulidado.
Parabens Dr. Correia Pinto a sua explicacao e o principio, creio eu, do que aqui e pedido.
Um dos poucos textos brilhantes sobre os dilemas do Bloco de Esquerda que li até agora.
No entanto, o autor não considerou uma hipotese que se concretizou no Brasil, num contexto bem diverso do nosso, de um partido, o PT, nascido de sectores de extrema-esquerda e dos movimentos sociais conseguir chegar ao Poder por desgaste dos partidos do regime. Se bem que deparando-se em seguido com os mesmos problemas, e contradições, da social-democracia histórica.
Excelente análise, mas duvido que o Daniel Oliveira e a Joana Amaral Dias (entre outros) não a possam ler, pois o tempo que dedicam ao pensamento da política estética-televisão/espectáculo-diversão tão do agrado do sistema, não lhes permite terem tempo para o Exercício do Pensamento.
A análise em epígrafe baseia-se apenas nas questões conjunturais da política de mercearia, das tricas e jogadas de bastidores e deixa de lado o que me parece essencial: os verdadeiros valores de que a esquerda de referência devia ser defensora. Eu continuo e continuarei fiel é maxima de que só a verdade é revolucionária.Isso significa que todos aqueles que fingem não ver os factos e se escondem atrás de chavões, preconceitos e interesses mesquinhos, são de facto contra-revolucionários e descredibilizam-se perante o povo. Não é desses que precisamos.
Este anónimo não percebeu nada do que escreveste. Achas que é com ele que vamos
fazer a Revolução?
Claro numa revolucao precisamos de todos estes tambem servem para passar a plalavra! Um abraco
HL
No Público de hoje o Vital "apanhou" o essencial da tua ideia que depois desenvolve para chegar à conclusão que mais lhe convém.
Mas o essencial continua estar aqui.
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