…DEPOIS DE MÚLTIPLAS CAPITULAÇÕES
As conclusões do último Conselho Europeu da zona euro (mais uma novidade justificada pela situação de emergência…como diriam os nossos constitucionalistas) não resolvem nenhum problema dos países endividados, nem tão-pouco evitam que novos e devastadores ataques especulativos voltem a ser desencadeados contra países da zona euro, com a diferença de os próximos a cair serem incomparavelmente mais fortes do que aqueles que já caíram.
Muito resumidamente – e sem descodificações – na reunião da última quarta-feira decidiu-se: 1) “cortar” em 50% a dívida da Grécia contraída junto de entidades diferentes dos Estados e das três organizações internacionais credoras – FMI, União Europeia e Banco Central Europeu; 2) recapitalizar os bancos expostos às dívidas soberanas “problemáticas” e exigir um ratio de 9% de capital de primeira qualidade relativamente ao crédito concedido; 3) regular os novos modos de funcionamento do FEEF, sem pôr em causa a concepção germânica do BCE; 4) avançar na regulamentação daquilo a que a Alemanha chama o “Governo o económico da União”, sem prejuízo de determinados controlos imperativos serem desde já postos em prática.
Estas conclusões, claramente impostas pelo mais forte, decorrem de uma dupla constatação: primeira, que a Grécia não tem capacidade para pagar a dívida que contraiu; segunda, que os bancos dos países mais endividados estão numa situação financeira muito pior do que aquela que os seus balanços evidenciam.
Quer isto dizer que afinal não é o capital financeiro que comanda o sentido das decisões da zona euro? Seria arriscado fazer essa afirmação, como arriscado seria não ter na devida conta a multiplicidade de poderosos interesses que nesta questão estão em jogo.
Em primeiro lugar, os interesses do capital financeiro não são homogéneos. Eles variam de país para país, além de que não se pode menosprezar as lutas pela hegemonia do sistema. E depois é preciso ter em conta que num país com tão forte capacidade exportadora como a Alemanha o capital industrial também tem muita força. Aliás, cerca de quarenta grandes patrões da indústria franco-alemã subscreveram há uns meses um manifesto em defesa do euro.
Em segundo lugar, a recapitalização só tomou em conta a exposição à dívida soberana, mantendo entre parênteses o grave problema dos demais “activos tóxicos”, nomeadamente os do “sub prime”, que ninguém sabe a quanto montam, embora se saiba que continuam a figurar nos activos dos bancos como valores seguros, sendo esta para muitos a principal causa da retracção do crédito.
Por outras palavras, estas medidas significam que a Alemanha não é insensível ao euro. Pelo contrário, a Alemanha quer o euro, mas quere-o à imagem e semelhança do marco. Enquanto estiver em condições de impor o seu conceito de moeda única vai lutar por ela, sem quer tal luta envolva qualquer tipo de solidariedade com os parceiros dessa mesma moeda.
E foi o que fez com o apoio de uma França que, tendo começado por tentar uma outra concepção do euro, tanto pelo papel que atribuía ao FEEF como pelo limite que desejava estabelecer para o “corte” da dívida grega, acabou por claudicar completamente face às exigências alemãs, escamoteando ou escondendo por trás da força germânica a sua imensa fraqueza.
O que é mais perturbador no caso francês nem sequer é tanto a inconsequente hiperactividade de um presidente “rasca”, que pouco tem a ver com a direita que tem governado a França desde 1958, como a generalizada resignação com que a imprensa e largos sectores da classe política, com excepção das correntes soberanistas, aceitam os diktats alemães nos quais parecem enxergar uma virtude que gostariam de saber imitar. Preocupação, a existir, apenas com a China...
A solução germânica está, porém, longe de assegurar a viabilidade do euro, além de não haver qualquer dúvida de que acabará por agravar ainda mais a situação dos países endividados, a começar pela Grécia.
Sem querer insistir em factos que noutras ocasiões já foram evidenciados, importa dizer que os principais prejudicados com pseudo perdão da dívida grega são os gregos, já que muito mais de metade da dívida “perdoada” está nas mãos de entidades gregas – bancos, companhias de seguros, caixas de pensões. E mesmo que as perdas venham a ser parcialmente compensadas por fundos provenientes de outras origens serão sempre os gregos a pagar esses fundos.
Depois, a recapitalização dos bancos nos termos em que foi decidida acabará em muitos casos por fazer-se à custa do contribuinte, logo de mais medidas de austeridade, e mesmo quando não for o caso, como parece vir a acontecer com os bancos espanhóis, a recapitalização será feita à custa de menos dinheiro para a economia e veremos se não também à custa de uma subida das taxas de juro a pagar pelos países cuja dívida por não ter sido considerada segura obrigou os bancos que a detinham a uma recapitalização correspondente ao risco assumido pela sua detenção.
O raciocínio, em termos económicos, é muito simples: o pressuposto de que se partiu foi o seguinte: dívida soberana não tem risco, menos ainda de um país da zona euro. Ao fim de dez anos os “mercados” começaram a suspeitar que afinal tal dívida não tinha uma garantia a cem por cento de reembolso. Dependia do país que a contraiu. E começaram a penalizar os países com taxas de juros correspondentes aos riscos presumidos. E foi assim que “estourou” a Grécia, a Irlanda e depois Portugal.
Pois bem, agora é a própria zona euro que vem confirmar que há dívida soberana incobrável, tanto assim que já “obrigou” os credores privados a “perdoar” metade da dívida grega. E ao estabelecer para os bancos uma regra de recapitalização correspondente à exposição ao risco daquela e de outras dívidas soberanas (irlandesa, portuguesa, italiana, espanhola), no fundo, o que a zona euro vem dizer é que há uma forte probabilidade, maior nuns casos do que noutros, de tais dívidas não serem integralmente cobráveis.
E compreende-se o que isso significa no mundo financeiro em que vivemos…
Mas há mais: os países endividados continuam vinculados a inexoráveis políticas de austeridade, que, além de agravarem a dívida, constituem um verdadeiro flagelo social pelas múltiplas consequências que provocam em todos os domínios da sociedade. E para sair deste ciclo vicioso a reunião de ontem, tal como Gaspar, só tem para oferecer a “fada da confiança”…
Finalmente, abreviando o muito que haveria para dizer, a ordem germânica ficará completamente instaurada quando a panóplia de sanções anunciadas por Merkel entrar em vigor e garantir pela dureza das suas consequências comportamentos completamente alinhados com as virtudes teutónicas!