sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A CRISE DO EURO: O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO



AS DIVERGÊNCIAS SÃO MUITAS E ALGUMAS DECISÕES ATÉ JÁ ESTARÃO TOMADAS

RTR2P34V_Comp



I

INTRODUÇÃO

Começando pelo fim: a zona euro não tem futuro. Mais cedo do que tarde o euro terminará e com ele o sonho de construir uma Europa unificada.

O mais provável é que as decisões já estejam tomadas. Mas como ninguém quer assumir a responsabilidade de uma “acção directa”, as coisas estão sendo manobradas de modo a que o euro impluda nos países em grandes dificuldades, a começar pela Grécia, e depois os efeitos dessa implosão se propaguem aos restantes de modo a que o fim da moeda única apareça como uma inevitabilidade ditada pela situação calamitosa dos devedores.

Como toda a gente hoje já sabe – salvo o Governo português – a criação do euro como moeda única foi fruto de um voluntarismo político, precipitada por uma situação internacional inesperada, sem que houvesse, ou tivessem sido gradualmente criadas, as condições estruturais indispensáveis à sua sustentabilidade.

Sem prejuízo da existência destas condições que sempre teriam de ser criadas, o euro só poderia subsistir, depois do que se está a passar, se os países da moeda única, sem excepção, passassem a ter acesso ao crédito nas mesmas condições em que hoje ele é concedido aos países cuja dívida está qualificada como triplo A.

Só por esta via seria possível compaginar políticas de crescimento com políticas gradualistas de amortização da dívida e de redução do défice sem cair na espiral recessiva a que inexoravelmente as políticas austeritárias conduzem.

Mas como isso não vai suceder, o euro terminará.

II

O QUE ESTÁ EM DISCUSSÃO

Convém por isso explicar, tão sucintamente quanto possível, o que neste momento está em jogo, quais as razões das divergências existentes, bem como as consequências decorrentes da adopção de certas políticas. O assunto é complexo, há muita desinformação, mas também há muito desconhecimento daquilo sobre que se fala.

Vamos por isso tentar pôr alguma ordem nesta difícil matéria.

O próximo Conselho Europeu tem como pontos fortes da agenda:

 - A implementação operacional das novas modalidades de intervenção do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF);

- A recapitalização dos bancos;

- A criação da governação económica da zona euro e o reforço da integração económica.

Só as duas primeiras questões têm, neste momento, verdadeiramente interesse, por muito que isso custe à Assunção Esteves e às suas iniciativas sobre o "governo económico europeu". Se não houver acordo sobre elas ou se o acordo que vier a ser alcançado não resolver o problema existente (e é isso o que vai acontecer, como o futuro confirmará), a terceira questão perde todo e qualquer significado.

Aliás, o problema com que a Europa se debate não é de longo prazo, nem sequer de médio prazo, mas antes de curtíssimo prazo.

III

FUNDO EUROPEU DE ESTABILIDADE FINANCEIRA

Comecemos pelo FEEF. Mais importante do que as divergências sobre o seu montante, são as divergências sobre a sua natureza e composição. A União Europeia tem oscilado muito a este respeito. Primeiramente a grande divergência era sobre o seu montante, mas a partir de determinada altura a Alemanha trouxe para a discussão a necessidade de os privados – isto é, o capital financeiro – também participarem na sua composição. 

Houve várias oposições (da França, da Espanha, do BCE e de outros) que impediram a ideia de ir imediatamente avante. A Alemanha contornou a situação, não desistiu da ideia e conseguiu que os seus parceiros aceitassem o princípio de uma participação voluntária dos privados no fundo. Como é que esta participação teria lugar? A participação consistiria numa perda de 21% da dívida grega (ou seja, aquilo a que os media e os nossos políticos denominaram “perdão” e que mais à frente veremos em que consiste).

A Alemanha continuava a justificar esta proposta como uma punição adequada aos bancos imprudentes. Mas ainda este acordo não estava consolidado (aliás, a Grécia sempre se opôs a isto e mais à frente explicaremos porquê), já a Alemanha se aprestava a tornar pública uma nova proposta exigindo uma perda da dívida grega, primeiro de 40% e depois de 50%!

Face a esta proposta da Alemanha, a França continua a bater-se por um corte de cerca de um quinto da dívida grega, mas exige em contrapartida que o FEEF se torne mais operacional, o mesmo é dizer, possa acudir em condições aceitáveis de mercado a quem não encontra dinheiro disponível a preços comportáveis.

Mas aí a Alemanha discorda e o BCE também. Ou seja, nem Merkel nem Trichet querem um BCE à imagem da Reserva Federal Americana - um banco que assegure liquidez ilimitada (neste caso ao FEEF), com o argumento de que se corria o risco de "encher" o Banco Central com produtos tóxicos provenientes dos Estados endividados. Dito de outra maneira: a única forma de o FEEF atender às necessidades financeiras dos Estados em dificuldades seria comprar-lhes obrigações, que depois, para conservar a sua própria liquidez, entregaria em garantia (ou revenderia) ao BCE.

Não, a Alemanha não quer isso. A Alemanha apenas aceita que o FEEF responda por 20% ou 30% da dívida dos Estados. Mas o que significa isto? Significa que os “investidores” teriam de assumir o risco dos restantes 70% ou 80%. Ou seja, os financiamentos dos Estados em dificuldades continuariam a vencer juros altíssimos, variáveis, como hoje são, consoante a expectativa de reembolso do capital emprestado.

Antes de continuarmos, convém perceber em que se traduz realmente o perdão da dívida grega e por que razão os gregos o não querem e os alemães continuam a pugnar por ele.

É que este “perdão” vai ter efeitos devastadores na Grécia, além dos efeitos em cadeia que necessariamente provocará sobre a maior parte das dívidas (francesa incluída), como se tem visto. Sempre que Meckel fala nisto ou mostra a sua intransigência, a Grécia, Portugal, a Irlanda, a Itália, a Espanha e até, posto que em muito menor medida, a França e a Bélgica, pagam juros mais altos.

A dívida grega está hoje estimada em 350 mil milhões de euros. Deste montante, 141 mil milhões pertencem a instituições gregas (bancos, companhias de seguros, caixas de reforma e os outros investidores de menor porte); 120 mil milhões estão nas mãos do BCE, do FMI e da União Europeia); e os restantes 89 mil milhões pertencem a investidores estrangeiros de vários países.

Portanto, se houvesse um “perdão” a maior parte dele seria suportado pelos gregos e tanto mais quanto maior ele fosse. O sistema bancário grego afundar-se-ia; as caixas de reforma perderiam parte do seu dinheiro, logo as reformas teriam de diminuir na mesma proporção; as seguradoras faliriam e a Grécia não conseguiria dinheiro no mercado internacional para colmatar estas perdas.

Como é óbvio nada disto é inocente. Quem advoga o perdão nestes termos conhece muito bem as consequências da proposta que faz e sabe por que a faz.

IV

A RECAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS

Mas há mais: a recapitalização dos bancos. Aparentemente a ideia também parece muito boa: há bancos que estão expostos às dívidas soberanas e como tais dívidas correm, cada vez mais, riscos de incumprimento será necessário recapitalizar os bancos numa certa proporção do risco da dívida detida. E a proposta que está em cima da mesa é a seguinte: 60% para a dívida grega; 40% para a portuguesa e irlandesa e 20% para a espanhola e italiana.

Os bancos teriam de ser recapitalizados, mais ou menos, consoante o risco e o montante da dívida detida.

Independentemente da questão de saber como se recapitalizam os bancos – e já se sabe que há-de ser sempre pela via do Estado, logo dos contribuintes – há um problema muito mais grave: se é que ainda é possível estabelecer hierarquias na ordem de gravidade destas matérias. É que a partir do momento em que a dívida de um Estado implica a recapitalização do banco que a detém tal dívida vale cada vez menos e o Estado que a emitiu paga cada vez mais pelo dinheiro que precisa. Por outro lado, o Banco que a detém fica com mais dificuldades de acesso ao crédito e a espiral da subida de juros pela conjugação combinada daqueles efeitos será inevitável. É por isso que os bancos espanhóis – alguns, os maiores da Europa – e os italianos se opõem à recapitalização.



A recapitalização feita nestes termos acaba por ser uma armadilha que se vai virar contra os países em dificuldades e contra os bancos desses países que venham a ser recapitalizados, diferentemente do que acontecerá, obviamente, com os bancos dos países próperos, que só lucrarão com ela.
Além de que a recapitalização nestes termos é um meio para acabar de vez com a ideia de que os mais fracos tem de ser ajudados pelos mais fortes.
O raciocínio da Alemanha é claro: se temos de ajudar alguém pelo descalabro da dívida soberana de alguns Estados, ajudêmo-nos a nós próprios, ou seja, aos nossos bancos e outros que ajudem os seus.

V

CONCLUSÕES

Perante este quadro só mesmo um crente, um grande crente, como Vítor Gaspar, pode acreditar nas políticas que está a tentar pôr em prática. E é também de acreditar que, para muitos outros que estão no Governo, a inocência sobre tudo isto só encontre paralelo no servilismo com que se dedicam à missão que lhes impõem, embora à custa do povo!

As conclusões são óbvias:

Primeiro: não vai haver qualquer acordo sério no próximo Conselho europeu; nem no próximo, nem no de quarta-feira da semana que vem.

Segundo: a Alemanha sabe perfeitamente quais as consequências das políticas que defende; se numa primeira fase ainda poderia ter acreditado na resolução do problema a partir da imposição dos seus pontos de vista, hoje, face à sua magnitude, já não tem qualquer dúvidas de que ele não tem solução por essa via.

Terceiro: como não está disposta a abdicar das suas convicções em matéria de Banco Central e, por outro lado, está convencida de que sobrevirá com a mesma força num contexto diferente do actual, nada fará para impedir a falência da Grécia e dos que virão a seguir.

Quarto: os grandes beneficiários do euro foram o capital financeiro em geral e a actividade exportadora alemã, que se reforçou consideravelmente nesta última década, tanto na indústria como nos serviços, embora o capital financeiro dos países endividados esteja agora a sofrer as consequências das políticas que pôs em prática depois da vigência do euro...mas acabará por ser recapitalizado à custa do dinheiro dos contribuintes, principalmente das imposições sobre os rendimentos do trabalho.


4 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Fiz link,meu amigo!... como não podia deixar de ser!... e, sinceramente!, agradeço.
Um grande abraço.

Dédé disse...

Gostei e linkei http://aessenciadapolvora.blogspot.com/2011/10/de-que-falam-os-lideres-europeus-quando.html

Ana Cristina Leonardo disse...

... e que me diz disto? Gostava de ouvir/ler a sua opinião?

http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com/2011/10/famigerada-divida-publica-explicada-as.html

veganugo disse...

"A dívida grega está hoje estimada em 350 mil milhões de euros. Deste montante, 141 mil milhões pertencem a instituições gregas (bancos, companhias de seguros, caixas de reforma e os outros investidores de menor porte); 120 mil milhões estão nas mãos do BCE, do FMI e da União Europeia); e os restantes 89 mil milhões pertencem a investidores estrangeiros de vários países."

Não entendi muito bem...o que significa na prática o perdão à Grécia?