SEGURO À VOLTA DO ACESSÓRIO
António José Seguro, secretário geral do PS, a propósito da discussão do Orçamento de Estado insiste em protagonizar uma actuação política nas franjas do essencial. Não penetra no âmago da questão. Depois de tudo o que se tem passado, dificilmente este Orçamento deixará também de ser tido como o orçamento do PS. É certo que Seguro disse: “Este não é o meu orçamento, mas este é o meu país, por isso…”
Claro que se trata de uma proposição ilógica, pois se este é o seu país e se Seguro quer para si e para o seu partido um país diferente do preconizado pela direita neoliberal, deveria opor-se a este orçamento exactamente por ele ser um poderoso instrumento desse tal país que a direita quer edificar e o sinal mais evidente do tal país que ela quer construir.
Numa altura em que tudo está em discussão, em que até os mais acérrimos defensores da União Europeia começam a manifestar as maiores reservas quanto ao caminho que está sendo seguido, numa altura em que o falso directório germano-francês começa a dar sinais claros de desentendimento, Seguro continua à volta de pequenas coisas, como o IVA da restauração, que sendo embora uma questão relevante, não deixa de ser uma ninharia face ao que está em jogo.
Já antes tinha andado à volta da questão das “almofadas” sem se ter apercebido do verdadeiro alcance das medidas tomadas pelo governo relativamente à função pública e aos reformados. E agora continua a andar à volta do acessório sem clarividência política para subir vários degraus na sua acção de oposição ao governo
E Seguro até estava partidariamente bastante à vontade para assumir outras posições já que no rigor dos princípios nem sequer se debate com um qualquer problema de herança que tenha de repudiar. O anterior Secretário Geral do PS disse inúmeras vezes que não estava disponível para governar com o FMI. É certo que acabou – ou ele ou o então ministro das Finanças – por solicitar a intervenção da “troika”, mas fê-lo em estado de necessidade, em consequência de múltiplas pressões, e numa altura em que já não detinha os poderes de direcção do país, acabando por praticar um acto cuja validade é mais do que questionável.
Mas, independentemente desta circunstância, de então para cá as coisas evoluíram muito. Percebeu-se que, embora haja um problema de dívida pública em quase todos os países europeus, Alemanha incluída, e em vários deles um défice fiscal (orçamental) considerável, nem uma nem outro são as verdadeiras causas da crise. São factores que pela dimensão que assumiram não podem deixar de ser seriamente tidos em conta, mas não são as causas da crise. As causas da crise são outras.
Em primeiro lugar, o peso crescente dos países emergentes na economia mundial e a perda de competitividade europeia em áreas que antes dominava, tanto no sector primário como no secundário e, nalguns casos, até já no terciário.
E depois, embora conexo com o anterior, a crise do sistema bancário. E aqui há um paradoxo que muitos têm dificuldade em compreender. Por um lado, o papel dominante do sistema financeiro na economia mundial, ou mais correctamente, em todos os países que adoptaram a liberalização de capitais, em detrimento da chamada economia real; e, por outro, a crise desse mesmo sistema bancário inundado de lixo tóxico de toda a espécie, numa cadeia interminável de responsabilidades, que o faz ser cada vez mais voraz quer nas suas actividades especulativas quer nas suas múltiplas relações com os devedores.
Daí que as alternativas só sejam duas: ou o sistema bancário é “regenerado” à custa do contribuinte, o que vai implicar um abaixamento considerável do nível de vida das populações dos países desenvolvidos, mantendo no essencial as mesmas características que hoje tem (desregulação, liberalização dos movimentos de capitais, etc.); ou o poder político “domestica” o sistema bancário, controlando-lhe os movimentos e impondo-lhe obrigações relativamente à economia real.
E este problema é tão grave que as suas consequências vão muito para além do plano económico. É também a democracia que está em causa. Está-se a assistir na Europa àquilo que nem nos anos dourados do "Consenso de Washington" se assistiu em África ou na América Latina – a imposição, pelos mercados, de governos tecnocráticos nos chamados países em crise, aceites como uma fatalidade pelos parlamentos nacionais, ou, pior ainda, governos colaboracionistas que repudiam os programas eleitorais com que forem eleitos para seguirem ortodoxamente, com inexcedível zelo, os ditames do capital financeiro, como acontece em Portugal e vai seguramente acontecer noutros países.
É por estas razões mais profundas que algumas das questões em que a “eurozona” anda há muito tempo enredada têm muito menos interesse do que parece.
De facto, se já é um dado relativamente adquirido pela “comunidade política pensante” que os programas de austeridade não só não resolvem nada, como agravam drasticamente a crise, ainda não está compreendido que não será pela via das discussões à volta do papel do BCE, nem do “governo económico” da União, tal como a Alemanha o concebe, que o problema se resolverá.
Estes dois últimos temas são importantes não pelo contributo que possam trazer à resolução dos múltiplos problemas com que a zona euro está confrontada, mas antes porque a breve trecho vão fazer “rebentar” o directório (acima denominado “falso directório”) germano-francês pela radical contradição de interesses e de posições entre ambos. Os franceses apertados pela dívida, cujo peso não cessa de aumentar, embora por agora a ritmo diferente da italiana, vão querer alterar a natureza do BCE, por nela verem a única tábua de salvação que lhes resta, enquanto os alemães vão insistir no “governo económico” tal como eles o entendem (controlo dos orçamentos nacionais, sanções, etc.), tentando dar mais um passo na criação de uma Europa germânica.
Claro que este "federalismo orçamental" de estilo alemão, sem o correspondente reforço da solidariedade financeira ilimitada via BCE , não vai ser aceite pela França, assim como também não é crível que uma alteração radical das funções do BCE, de que a França vai precisar, seja atendível pela Alemanha.
Portanto, enquanto a União Europeia continuar a correr atrás de algo que vai sempre à sua frente, e que ela nunca alcança, mesmo que vá tomando algumas das medidas que antes rejeitou, jamais os problemas com que a Europa se debate serão resolvidos.
Perante uma crise tão profunda, atravessada por interesses tão diversos, é mais provável que a Europa se desagregue do que, pelo contrário, se reforce.
Ora, um dirigente político não pode deixar de ter tudo isto em conta como cenário de rectaguarda do seu tempo de actuação política. Se se perde com questões de lana caprina apenas reforça o poder daqueles a quem diz querer opor-se, contribuindo para polarizar a discussão à volta de assuntos onde o Governo é mais forte por estarem a ser discutidos dentro da lógica e do contexto por ele impostos.
Mas há mais: deve também não ter medo de ir falando num "plano B" para Portugal, o tal plano que agora alguns já abordam e de que aqui já tínhamos falado quando se manifestaram as primeiras grandes dificuldades do segundo Governo Sócrates.
1 comentário:
O problema de Seguro é não querer perceber que não é possível agradar a gregos e a troianos e o mais dificil que pode haver é estar entre Deus e o diabo.
Deste modo continuamos sem poder contar com o PS pois ele vai formoso e vai seguro mas pelo caminho errado!
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