QUEM PAGA?
Sabe-se – e sobre isso não há qualquer
dúvida – que foram os sistemas financeiros americano e europeu que estiveram e estão
na origem da presente crise. Claro, que a crise que rebentou em 2007, na
América, assim como a de 1929, embora tenham tido ambas a sua causa próxima no
capital financeiro, têm no capitalismo liberal e na profunda desigualdade de
distribuição de rendimentos a sua causa mais profunda. Certamente que as crises
são diferentes, principalmente nas suas consequências, mas isso não significa
que não tenham causas comuns.
Mas voltemos à actualidade. Foi a falência do sistema financeiro
– umas vezes ostensivamente exibida, como aconteceu com a falência de grandes
bancos na América e de outras instituições financeiras de objecto múltiplo, mas
também na Islândia, na Inglaterra, na Irlanda, na Holanda, na Bélgica, enfim,
por toda a Europa; outras escondidas com a cumplicidades dos Estados e dos
famosos reguladores, como se está a ver na Espanha, na Itália, na Grécia, em
Portugal, em França, enfim, mais uma vez em quase toda a Europa – que levou à
falência dos Estados e transformou a dívida pública no centro de todas as atenções
da zona euro.
A esta causalidade acresce, para agravar brutalmente a
situação, a receita posta em prática para combater a crise, inspirada na pura
ortodoxia neoliberal, com o propósito de aproveitar a situação existente para
uma transformação estrutural da sociedade em que vivemos. Uma transformação que,
não obstante todos os meios de que hoje se dispõe e dos extraordinários progressos
alcançados pelas modernas sociedades, visa colocar o trabalho exactamente na
mesma situação em que se encontrava há século e meio. No passado, isso
acontecia em nome da acumulação primitiva, ou seja da necessidade de acumular
capital que, juntamente com outras formas de rapina como a exploração colonial,
permitisse a criação da massa crítica necessária aos profundos investimentos que
o desenvolvimento do capitalismo impunha. Hoje, é em nome da competitividade que
por toda a Europa o capital defende e tenta, até agora com relativo êxito,
diminuir drasticamente os custos unitários do trabalho para aumentar
brutalmente as margens de lucro, a exploração e a desigualdade social.
É neste contexto, muito sumariamente traçado, que os bancos
estão a transferir para os cidadãos em geral, mas com fortíssima incidência nos
rendimentos do trabalho, os prejuízos que acumularam em consequência de operações
de altíssimo risco que proporcionaram lucros elevadíssimos aos seus executivos e
aos especuladores, mas também em consequência dos financiamentos no sector
imobiliário, ele também altamente especulativo, que obviamente colapsou mal
estancou a fonte de financiamento que o alimentava, já para não falar nos
empréstimos que contraíram para financiar o consumo e outras actividades que em
nada beneficiaram as respectivas economias.
Estas diversas causas do colapso do sistema financeiro não têm a mesma incidência em toda a zona euro, nem as mesmas causas a mesma intensidade em todos os países.
A bolha imobiliária, por exemplo, está particularmente presente na Irlanda e em Espanha, embora tenha reflexos em
todo o sistema financeiro europeu.
E nem sequer se ouse dizer como alguns insinuam e os mais
desavergonhados afirmam que foram os Estados que faliram os bancos. Esse
argumento é falso, já que o activo constituído pelos créditos sobre os Estados continua a ser o mais seguro de todo o
sistema financeiro, seja ele representado por títulos da dívida pública, seja
por créditos sobre o sector público empresarial. Não só nenhum desses empréstimos ou
títulos deixaram de ser pagos na data do vencimento, como uma parte
considerável desses activos – os títulos da dívida pública – têm permitido aos
bancos aceder aos leilões do BCE dando-os em garantia do dinheiro que recebem.
Dinheiro que recebem a 1% e aplicam a taxa várias vezes superior.
O argumento de que os bancos são demasiado grandes para falir
fez com que o Estado por todo os lado entrasse com o dinheiro necessário para os
salvar. O modo como isso se tem feito também não é uniforme. Depende do grau de
democratização das respectivas sociedades. Se as sociedades são
democraticamente fortes, o Estado, embora “meta o dinheiro”, vê-se obrigado a
criar simultaneamente condições de acesso à gestão do banco e de retorno
relativamente satisfatórias, participando obviamente do capital social na
medida dos capitais que proporcionou.
Pelo contrário, se as sociedades em que o fenómeno ocorre são
democraticamente frágeis, como é o nosso caso, e se os respectivos governos
actuam como agentes do capital financeiro, as operações de capitalização estão
revestidas da maior opacidade, exactamente para se não saber que o Estado não
impôs condições satisfatórias de retorno do capital investido, não participa da
gestão nem tão-pouco passa a integrar o respectivo capital social na medida do
contributo prestado.
Ou seja, neste tipo de sociedades em que do regulador aos
respectivos governos todos actuam como agentes do capital financeiro reúnem-se
facilmente as condições necessárias para um saque gigantesco. Saque em que as famigeradas
“Troikas” se não metem, pois como agentes descarados que são do capital financeiro
internacional nada têm a opor ao “fortalecimento” do sistema financeiro.
Este é um dos tais casos em que não basta apenas protestar,
como se fez no BPN e no BPP, é preciso que o Ministro das Finanças ou o
Primeiro Ministro expliquem “tim tim por tim tim” o que estão a fazer com o dinheiro
dos portugueses. E os portugueses não querem saber muito, querem apenas, sem
ambiguidades ,saber: a) quanto e a que bancos emprestaram; b) causas e natureza
desses passivos; c) natureza jurídica da intervenção do Estado; d) condições de
retorno (tempo e remuneração) do capital investido.
1 comentário:
Fiz link. Obrigada:)
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