quarta-feira, 6 de junho de 2012

AINDA A RECAPITALIZAÇÃO DOS BANCOS




O FACTOR NACIONAL NO DESENVOLVIMENTO DA CRISE



Mais do que uma ingenuidade é um erro de dimensões incomensuráveis supor que o factor nacional não desempenha nesta crise um papel de primeiro plano. Sabendo nós o que se passou antes de 1914 numa fase de desenvolvimento do capitalismo historicamente semelhante a esta – sem analogias exageradas e menos ainda de anacronismos – em que o capitalismo se debatia no mundo ocidental com a ameaça crescente do socialismo, é difícil não compreender que a apregoada solidariedade do grande capital, nomeadamente do capital financeiro e especulativo, numa época em que se debate com um grau de ameaça próximo do zero, não ceda lugar a uma visão nacionalista, como a crise europeia eloquentemente demonstra.

Voltemos à recapitalização dos bancos. Está em curso na União Europeia, muito por força do que desde há um mês se passa em França, um movimento que a cada dia que passa ganha mais aliados, tendente a permitir que o chamado “fundo de resgate” – a partir de 1 de Julho, Mecanismo de Estabilização Financeira (MEF) – possa emprestar dinheiro directamente aos bancos, retirando os Estados do circuito, como hoje impositivamente acontece. Diz-se na imprensa europeia, e dizem-no abertamente os actuais governantes espanhóis, para impedir que se caia na desgraçada situação em que estão a Grécia, a Irlanda e Portugal.

A proposta foi ontem adiantada por Olli Rehn, vice-presidente da Comissão responsável pelas Finanças e conta com o apoio de Durão Barroso. Fora da Comissão, ao nível dos Estados – e esse é o plano que verdadeiramente interessa – a proposta tem o apoio da França, da Itália e da Espanha, para só citar as maiores economias da zona euro depois da Alemanha. E até se pode dizer que os ditos mercados reagiram bem a esta proposta, assim como aos passos dados no sentido criação da união bancária, como de resto seria de esperar.

Pois bem, esta proposta que visa fortalecer o capital financeiro, embora assumindo ele próprio as responsabilidades pelo seu resgate, depara-se com a oposição declarada da Alemanha que não parece disposta a ceder um milímetro naquilo que desde o início da crise tem sido a sua imagem de marca: dinheiro somente a troco de soberania! A Alemanha quer fazer intervir os Estados como mutuários para lhes impor um severo condicionalismo traduzido como bem se sabe num conjunto de medidas semelhantes às já foram impostas aos países intervencionados, a partir daí transformados em verdadeiros Estados -vassalos.

A Espanha, pese embora a gestão atabalhoada que tem feito da crise do sistema financeiro nacional, não abdica da sua posição, confiante em que esta caminhada à beira do abismo acabará por ser travada por quem, em última instância, tiver mais a perder. Uma estratégia muito semelhante à do Syriza feita com outra linguagem, outros protagonistas, mas com os mesmos objectivos, embora servindo internamente interesses não inteiramente coincidentes.

Numa altura, portanto, em que na União Europeia se está pondo em causa um tratado que ainda nem sequer entrou em vigor, é inacreditável que o Governo Português tenha pressurosamente avançado com a ajuda aos bancos exactamente no momento em que, como tudo indica, poderiam ser eles a tratar da sua própria vida. Este comportamento do Governo português revela também a importância que para a direita do radicalismo neoliberal que nos governa tinha a intervenção estrangeira como modo de facilitar a transformação estrutural da sociedade, independentemente dos prejuízos nacionais que tal intervenção pudesse causar.

Portanto, as coisas são mais complexas do que parecem. Nesta crise há quem, condicionado por reflexos nacionalistas, sendo de direita, actue do mesmo modo que a esquerda e há também quem privilegie o internacionalismo para mais facilmente impor um programa de direita. Quem, porém, não tem dúvidas acerca da interpretação dos interesses nacionais numa perspectiva hegemónica – e não apenas puramente defensiva como alguns ingenuamente supõem – é a Alemanha, da mesma forma que outros, como a Espanha e a República Checa, para citar apenas os mais evidentes, a ela se opõem na defesa de interesses nacionais contrapostos, não obstante as identidades ideológicas dos respectivos governantes.

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