quinta-feira, 28 de junho de 2012

A ILUSÃO DO EURO




SOBRE A CIMEIRA EUROPEIA



Por esta hora os dados já estão lançados, apesar de ainda se não conhecerem os resultados oficiais do Conselho Europeu que hoje e amanhã se realiza em Bruxelas.

Toda a gente diz que esta será a cimeira decisiva, esquecendo-se que antes desta já houve outras dezanove cimeiras igualmente decisivas sobre a crise do euro. Diz-se também que é o euro que está em causa e que do seu fracasso resultará o fim da moeda única.

Tudo isto é muito importante mas nada disto é novo. Nem mesmo o previsível fim do euro. Que o euro era uma moeda mal construída já há muito se sabia, embora os primeiros oito, nove anos, da sua existência tivessem mascarado essa incontornável realidade. Todavia, a partir do momento em que na América rebentou a crise financeira, Outono de 2007, e as dificuldades de financiamento se agravaram, as fragilidades do euro foram-se evidenciando com a passagem do tempo a ponto de logo se perceber qual seria o seu mais que provável fim.

É preciso no entanto que se diga que a grande fragilidade do euro não é de natureza técnica, não se trata de uma falha de “construção técnica”, mas de natureza política. Mais: a falha de “construção técnica”, que agora já quase toda a gente reconhece, tem a sua origem numa questão política e não propriamente numa deficiente aplicação prática de conhecimentos teóricos.

O euro é uma construção política que obedece a duas ideias contraditórias, quase antagónicas entre si. De um lado, a ideia francesa de que somente uma moeda europeia poderia pôr fim à hegemonia económica alemã e à “tirania do Bundesbank”. Do lado alemão, entre a quase impossibilidade de manter o marco no quadro de uma Alemanha reunificada sem uma crispação de consequências incalculáveis na Europa, principalmente com a França, e a adopção de uma moeda comum, a Alemanha optou por se desfazer formalmente do marco, aceitando uma nova moeda tanto quanto possível parecida com aquela que tão orgulhosamente simbolizava o ressurgimento da "nação alemã".

A França, sem ter percebido completamente onde se metia, acabou por aceitar a “construção da nova moeda” moldada pela Alemanha, como se de uma vitória sua se tratasse, enquanto a Alemanha foi mantendo uma atitude relativamente vigilante (como logo se depreendia pelo acórdão do TC que apreciou o Tratado de Maastricht) que se foi intensificando, primeiro, à medida que ia ganhando consciência das enormes vantagens que o euro lhe proporcionava e depois com o agravamento da crise e das suas consequências.

Os demais países actuaram como é hábito neles. Os que tinham a suas moedas e políticas monetárias estritamente ligadas ao Bundesbank – Benelux, Áustria e Finlândia – entregaram-se como de costume nas mãos dos alemães de acordo com a velha máxima de que o “ que é bom para eles também será bom para nós”. A Inglaterra, como é seu hábito, sempre que “fatias” importantes de soberania começam a ser opostas em causa, “caiu fora” e deixou essa coisa do euro para os continentais. A Dinamarca e Suécia, aquela até mais do que esta, raciocinaram ao contrário dos que tradicionalmente estavam ligados ao marco – “quanto mais afastados estivermos da hegemonia alemã, melhor”. E não aderiram. A Irlanda aderiu para fugir à hegemonia da libra esterlina convencida como sempre esteve, desde que existe, que para ela nunca é bom estar do mesmo lado da Inglaterra, mesmo que para isso tenha de escolher amigos indesejáveis. Depois vem os do Sul: de todos os que alinharam, a Itália foi desde o princípio a que o fez com mais reticências. Como membro fundador da “Europa” tinha muita dificuldade em ficar de fora sem pôr em causa o projecto na sua totalidade. Desconfiada e sem entusiasmo, acabou por aderir certamente convencida de que não seria o euro que iria pôr termo às “especificidades italianas”. E ainda se está sem saber se enganou já que no inevitável “confronto” do euro com a Itália é bem mais provável que acabe por ser esta a manter-se tal qual é do que ser o euro a impor-lhe uma nova “fisionomia”, mesmo que isso leve ao fim da moeda única. Finalmente, vêm os Ibéricos e os gregos. Nos primeiros prevaleceu a “saloiice bacoca” de que tinham de estar no “pelotão da frente”, embora com propósitos diferentes de Portugal e Espanha, já tantas vezes caracterizados neste blogue – sumariamente, a Espanha para reencontrar na Europa a liderança (ou a co-liderança) perdida; Portugal por ver na Europa o seu novo “el dorado”. Com dois anos de atraso e uma taxa de câmbio aparentemente mais favorável que a de Portugal e a de Espanha, os gregos entraram com as “contas marteladas” na velha ideia de Ulisses de que sempre acaba por vencer o que for mais astuto. Há depois mais cinco que entraram muito mais tarde. Três deles são germanófilos de gema e sentir-se-ão sempre bem do mesmo lado em que estiver a Alemanha; os outros dois são ilhas mediterrânicas, uma delas muito ligada à Grécia, a outra à Itália. Se a Grécia e a Itália estavam no sistema por que ficar de fora, podendo entrar?

Como se está a ver há aqui muito pouca economia, muita política e nenhuma solidariedade. Só mesmo os ingénuos acreditaram que o euro era a expressão da solidariedade europeia e um novo e decisivo factor de integração e desenvolvimento económico.

Mas é preciso ser mesmo muito ingénuo para ter feito tábua rasa do que se passou na crise monetária de 1992/93. Por esta época já os países fundadores da União Monetária estavam ligados pelo Sistema Monetário Europeu (SME) que em 1987 substituiu a Serpente Monetária, a qual, tal como também veio a acontecer ao SME, soçobrou por não ter sido possível manter um sistema de câmbio fixo (com pequenas flutuações) das principais moedas europeias. O SME que assentava no mesmo princípio, embora com algumas diferenças relativamente à Serpente Monetária, por exemplo, a pequena flutuação permitida já não ocorria relativamente a cada uma das outras moedas, mas relativamente a um cabaz de moedas cuja expressão era o ECU – uma moeda virtual; e o estabelecimento de um mecanismo de solidariedade com vista à defesa recíproca das respectivas moedas integrantes do sistema, o SME, dizíamos, não resistiu aos movimentos especulativos de 1992/93, os quais, diga-se sem rodeios, só tiveram lugar (só poderiam ocorrer) por a taxa de câmbio de algumas moedas, quase todas, com excepção obviamente do marco, ser completamente irrealista. Tratava-se de moedas que, com a passagem do tempo, a fixidez dos câmbios ia sobrevalorizando tornando-se insustentável aos respectivos bancos centrais aguentar o seu valor. É claro que as culpas foram imputadas à Alemanha, por se ter recusado a baixar a taxa de juro (que ela subira para conter os efeitos inflacionistas da reunificação) e por se ter recusado a comprar ilimitadamente francos franceses para impedir a sua queda.

Estes factos são verdadeiros, mas o seu enquadramento exigiria largas explicações que neste contexto não podem ter lugar, ficando apenas como referência o facto de tudo se ter agravado por a direita francesa (Balladur) recém-chegada ao poder (Março de 1993), ainda com Mitterrand na presidência, ter arrogantemente tratado a Alemanha como se se tratasse de um país sem soberania monetária. A Alemanha, já politicamente fortalecida pela reunificação, reagiu como se impunha, deixou de comprar francos franceses e a moeda francesa afundou-se. Da taxa de câmbio quase fixa passou-se para uma margem de flutuação de até 15%, o que na prática correspondia à certidão de óbito do SME.  Já antes do franco, outras moedas tinham sido atacadas – a lira, a coroa dinamarquesa, a libra esterlina, a peseta e até o escudo – tendo os respectivos governos, para impedir o afundamento da moeda e o colapso da economia, procedido a várias desvalorizações e abandonado o SME.

Portanto, e em conclusão, com os pressupostos políticos da “Europa” a moeda única não passa de uma ilusão. Os mais fracos, com a Grécia, a Irlanda e Portugal, podem manter essa ilusão porque não contam nada, mas quando a questão se puser a sério para a Espanha, como já se está a pôr, para a Itália ou para a França, o euro acabará.

2 comentários:

Anónimo disse...

Penso que fará agora em Julho anos que chegava a Paris e na central de camionagem em que parei notava-se alguma agitação junto do quiosque dos jornais. Lembro-me que um deles (Le Monde?) titulava: -Un orage d´été sur la France- . Em conversas que apanhei entre franciús notava-se um certo ar de inquiatação e ouvi de um deles para outro qq coisa como: nous devons nos méfier des alemands(??)". Ainda mais tarde soube que nas conversas da política francesa passou a designar-se o bundesbank como a "arma atómica dos alemães". Mas nessa viagen, em camião TIR espanhol e noutras que se seguiram já pude perceber um pouco a real razão dos problemas (ou parte) actuais: A colossal frota de camiões espanhois tinha um problema de rentabilidade a saber: tinham carga para o norte (Alemanha e Holanda) mas para baixo havia muito menos tonelagem: levavam produtos das hortas de Múrcia e traziam carregamentos mais "densos". Este é que me parece ser o verdadeiro nó da questão, esquecê-lo ou omiti-lo só contribui para fazer medrar o preconceito e as explicações mais ou menos requentadas.

lg

Luis Eme disse...

é verdade.

é tudo uma questão de tempo.

de vontades, já era...