domingo, 1 de julho de 2012

A CIMEIRA DE BRUXELAS





O SUL VERGOU MERKEL?



Ainda é dedo para tirar conclusões do último Conselho Europeu. Quem atender apenas às “letras grandes” vai supor que houve no último fim-de-semana uma viragem coperniciana relativamente ao modo como vinha sendo tratada a crise do euro. Porém, atendendo às “letras pequenas” depressa se concluirá que as mudanças não foram assim tão profundas. Tudo vai depender do modo como o acordo vier a ser aplicado.

De facto, a banca passa a poder recapitalizar-se directamente no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), MEDE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) a partir de princípios de Julho, contra aquela que era a posição alemã que exigia que a recapitalização se fizesse por via dos Estados. Todavia, este procedimento somente se aplicará quando houver uma supervisão bancária única liderada pelo BCE. Quando é que isto vai acontecer? Não se sabe. E se a Espanha recorrer agora ao FEEF para recapitalizar os bancos poderá, mais tarde, quando aquele procedimento entrar em vigor, transferir a dívida para os bancos? Por outras palavras, terá a medida ontem aprovada efeitos retroactivos? Rajoy diz que sim, mas a resposta não é evidente, além de que a Espanha vai ter agora de contrair a dívida para assistir os bancos. Quando mais tarde for renegociar o resgate já parte em desvantagem.

Depois há a questão da condicionalidade que também não está clarificada. Que as entidades bancárias devedoras terão de suportar a condicionalidade imposta pelos mutuantes é evidente. A questão que se põe é se essa condicionalidade terá também natureza macroeconómica, isto é, se se aplicará também ao Estado. Merkel no Parlamento alemão, Barroso e Rompuy em Bruxelas, foram muito claros: haverá condicionalidade. Já Rajoy, em Madrid, disse o contrário. Uma coisa é certa: pode não ser uma condicionalidade em tudo semelhante à que existe para a Grécia, Irlanda e Portugal, mas nem por isso deixará de existir.

Já no que respeita à compra da dívida pelo fundo de resgate, ou seja, a compra no chamado mercado secundário, ela passa a ser possível, mas a sua compra implica fora de dúvida condicionalidade para o país devedor, inclusive com Memorandum assinado. Não era esta a proposta de Monti. O Primeiro ministro italiano exigia que o fundo actuasse sempre que o “o prémio de risco país” ultrapassasse um determinado nível e que a essa actuação não estivesse ligada qualquer exigência. Não foi, porém, isso o que acabou por ser negociado.

Como se vê não houve uma grande vitória dos países do Sul. Do Sul é como quem diz: Portugal não fazia parte deste grupo; faz parte, como serventuário, do grupo do Norte!

Mas nada disto resolve, como breve se verá, a crise do euro. Pode aliviar temporariamente a pressão dos países com mais dificuldades de financiamento. Mas essas dificuldades vão manter-se. É bom que se entenda o seguinte: na quinta-feira passada estava-se para além daquilo que é financeiramente suportável. Nem a Espanha nem a Itália poderiam continuar a endividar-se àqueles preços de mercado. Mas também não podem a um preço superior ao dobro daquele que é o actual preço da dívida. Todos os países que agora estão em dificuldades endividaram-se a um preço muito baixo – por isso se endividaram – de modo que à medida que a dívida se vai vencendo eles vão ter de contrair nova dívida para pagar a antiga. Dívida esta que vai ficar- já está a ficar - muito mais cara que a anterior. Ora, isto só seria suportável se, por um lado, houvesse crescimento e alguma inflação e, por outro, juros igualmente baratos. Não se verificando nenhuma destas condições e tendo os países em dificuldade perdido competitividade relativamente aos menos endividados nada do que é fundamental fica resolvido com estas medidas.

A única coisa que a Cimeira teria de positivo, caso as melhores perspectivas viessem a verificar-se, era o facto de ter havido um grupo de países do sul, discretamente apoiados pela França, que, com a posição por eles adoptada, deixaram claro que o euro não é uma moeda de um país só, mas uma moeda comum. Mas mesmo isto é cedo para poder ser afirmado.

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