O SUL VERGOU MERKEL?
Ainda é dedo para tirar conclusões do último Conselho Europeu.
Quem atender apenas às “letras grandes” vai supor que houve no último fim-de-semana
uma viragem coperniciana relativamente ao modo como vinha sendo tratada a crise
do euro. Porém, atendendo às “letras pequenas” depressa se concluirá que as
mudanças não foram assim tão profundas. Tudo vai depender do modo como o acordo
vier a ser aplicado.
De facto, a banca passa a poder recapitalizar-se directamente
no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), MEDE (Mecanismo Europeu de
Estabilidade) a partir de princípios de Julho, contra aquela que era a posição
alemã que exigia que a recapitalização se fizesse por via dos Estados. Todavia,
este procedimento somente se aplicará quando houver uma supervisão bancária
única liderada pelo BCE. Quando é que isto vai acontecer? Não se sabe. E se a
Espanha recorrer agora ao FEEF para recapitalizar os bancos poderá, mais tarde,
quando aquele procedimento entrar em vigor, transferir a dívida para os bancos? Por
outras palavras, terá a medida ontem aprovada efeitos retroactivos? Rajoy diz
que sim, mas a resposta não é evidente, além de que a Espanha vai ter agora de
contrair a dívida para assistir os bancos. Quando mais tarde for renegociar o
resgate já parte em desvantagem.
Depois há a questão da condicionalidade que também não está
clarificada. Que as entidades bancárias devedoras terão de suportar a
condicionalidade imposta pelos mutuantes é evidente. A questão que se põe é se
essa condicionalidade terá também natureza macroeconómica, isto é, se se aplicará
também ao Estado. Merkel no Parlamento alemão, Barroso e Rompuy em Bruxelas, foram
muito claros: haverá condicionalidade. Já Rajoy, em Madrid, disse o contrário. Uma
coisa é certa: pode não ser uma condicionalidade em tudo semelhante à que
existe para a Grécia, Irlanda e Portugal, mas nem por isso deixará de existir.
Já no que respeita à compra da dívida pelo fundo de resgate,
ou seja, a compra no chamado mercado secundário, ela passa a ser possível, mas
a sua compra implica fora de dúvida condicionalidade para o país devedor,
inclusive com Memorandum assinado. Não era esta a proposta de Monti. O Primeiro
ministro italiano exigia que o fundo actuasse sempre que o “o prémio de risco
país” ultrapassasse um determinado nível e que a essa actuação não estivesse
ligada qualquer exigência. Não foi, porém, isso o que acabou por ser negociado.
Como se vê não houve uma grande vitória dos países do Sul. Do
Sul é como quem diz: Portugal não fazia parte deste grupo; faz parte, como
serventuário, do grupo do Norte!
Mas nada disto resolve, como breve se verá, a crise do euro.
Pode aliviar temporariamente a pressão dos países com mais dificuldades de financiamento.
Mas essas dificuldades vão manter-se. É bom que se entenda o seguinte: na
quinta-feira passada estava-se para além daquilo que é financeiramente suportável.
Nem a Espanha nem a Itália poderiam continuar a endividar-se àqueles preços de
mercado. Mas também não podem a um preço superior ao dobro daquele que é o
actual preço da dívida. Todos os países que agora estão em dificuldades
endividaram-se a um preço muito baixo – por isso se endividaram – de modo que à
medida que a dívida se vai vencendo eles vão ter de contrair nova dívida para
pagar a antiga. Dívida esta que vai ficar- já está a ficar - muito mais cara
que a anterior. Ora, isto só seria suportável se, por um lado, houvesse
crescimento e alguma inflação e, por outro, juros igualmente baratos. Não se
verificando nenhuma destas condições e tendo os países em dificuldade perdido
competitividade relativamente aos menos endividados nada do que é fundamental fica
resolvido com estas medidas.
A única coisa que a Cimeira teria de positivo, caso as
melhores perspectivas viessem a verificar-se, era o facto de ter havido um
grupo de países do sul, discretamente apoiados pela França, que, com a posição
por eles adoptada, deixaram claro que o euro não é uma moeda de um país só, mas
uma moeda comum. Mas mesmo isto é cedo para poder ser afirmado.
Sem comentários:
Enviar um comentário