segunda-feira, 9 de julho de 2012

AINDA UMA BREVE ANOTAÇÃO SOBRE O ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL


O QUE NINGUÉM (APARENTEMENTE) QUER VER

Estará tudo dito sobre o acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais as normas do Orçamento de Estado para 2012 que “cortam” os subsídios de férias e de natal do sector publico e dos pensionistas? Talvez não.

Na intervenção de ontem à noite na TVI Marcelo Rebelo de Sousa confirmou, no essencial, o que aqui se disse sobre a interpretação do acórdão. Há, porém, uma questão quer o ilustre Professor não tratou apesar de a ela ter aludido ao de leve. É a questão da natureza dos subsídios de férias e de natal e das consequências que dela decorrem. Como já tínhamos dito em post anterior, o TC considerou sem margem para qualquer dúvida que aqueles subsídios fazem parte do salário dos trabalhadores do sector público ou da reforma dos pensionistas. São, portanto, salário ou pensão de reforma, logo um direito, e não um qualquer bónus que possa ser retirado por lei de acordo com os critérios políticos de quem decide.

O reconhecimento dos subsídios como salário ou pensão implica que eles estejam juridicamente tão protegidos como o próprio salário ou pensão de que fazem parte integrante.

Acontece que deste reconhecimento decorrem várias consequências que não têm sido levadas em conta na discussão deste assunto. A primeira, aliás óbvia, foi também ontem apontada por Rebelo de Sousa. Depois da decisão do Tribunal Constitucional não mais poderá dizer-se que o governo vai eliminar os subsídios. A verdade é que daquele reconhecimento não decorre somente esta conclusão. Há mais. Pondo a questão na forma interrogativa: pode uma medida que incida sobre a totalidade ou sobre parte dos subsídios ser tomada pela forma que para o efeito foi adotada na lei de aprovação do Orçamento para 2012? Poderá o Parlamento pura e simplesmente adoptar relativamente àqueles salários e pensões uma medida de natureza semelhante à que adopta para alcançar uma qualquer outra diminuição de despesa?

De facto, os salários dos funcionários públicos e as pensões dos reformados são despesa do Estado da mesma forma que constituiu despesa do Estado a manutenção em funcionamento do tribunal de Castro Daire, da Maternidade Alfredo da Costa ou da Escola Afonso Benevides. Mas terão estas despesas todas elas mesma natureza? Se o Estado (no caso, o Governo) pretender fechar aquelas instalações para diminuir a despesa pública poderá certamente fazê-lo contanto que continuem no essencial assegurados os serviços que através delas se prestavam. Porventura em condições mais incómodas para os utentes mas desde que o direito destes à saúde, ao ensino ou à justiça não fique de tal modo afectado na sua consistência prática que equivalha à sua denegação não há meio, por mais que politicamente se discorde, de impedir o governo de o fazer. E poderá o Estado, neste caso o Parlamento, fazer o mesmo relativamente aos subsídios de férias e de natal? Poderá pura e simplesmente o Parlamento decretar que aqueles subsídios ficam suspensos enquanto durar o Programa de Assistência Financeira? Ou terá antes o Estado, se quiser recuperar aquelas verbas, que usar uma outra via, como necessariamente teria de usar relativamente a qualquer outro direito da mesma natureza cuja efectividade não dependesse dele?

Essa a grande questão. Então, o direito ao salário ou à pensão de reforma têm a mesma natureza do direito ao ensino, do direito à saúde ou do direito à justiça? Ou dito de uma forma mais precisa: a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas afecta o direito ao salário e à pensão da mesma forma que o encerramento daquelas instalações afecta o direito à justilça, à saúde ou ao ensino? Não terá o governo se quiser neutralizar a despesa com os subsídios de férias e de Natal, nos termos decididos pelo Tribunal Constitucional – isto é, com respeito pelo princípio da igualdade – que operar essa neutralização pela via de um imposto extraordinário, aprovado pelo Parlamento, exactamente nos mesmos termos em que teria de o fazer se decidisse atingir os subsídios correspondentes do sector privado?  

Ninguém até hoje, que seja do nosso conhecimento, se pronunciou sobre este assunto. Nem o Tribunal Constitucional abordou o assunto, nem tão-pouco ele foi tratado desta forma política ou juridicamente em termos que sejam do conhecimento público ou do conhecimento técnico especializado. É, porém, nossa profunda convicção que somente por esta via se assegurará o princípio da igualdade e se defenderá integralmente a conclusão a que o Tribunal chegou de que os subsídios fazem parte integrante do salário ou das pensões e são, como tal, um direito da mesma natureza destes.


5 comentários:

Anónimo disse...

Bem visto, como sempre.
V

anamar disse...

Vou partilhar Zé Manel.
Brilhante, como sempre.

:))

Anónimo disse...

Passe a presunção, descabida e só aparente, sempre tive o ponto por evidente e, mais, implícito sempre.
Os pontos, de que 'subsídios' são salário (1/7 da soma anual), e de que o respeito da decisão do T.Const. não se cinge a tributar os trabalhadores do privado, roubando-lhes os tais subsídios, exige pelo contrário o reforço da tributação universal...
Porque a igualdade, como é óbvio, afere-se no universo dos cidadãos, de todos, não no segmento laboral, entre trabalhadores do público e do privado.
Aliás, se assim não fosse, como explicar (e justificar) juridicamente os cortes dos pensionistas (do público e do privado)?

A.M.

JM Correia Pinto disse...

Claro, a tributação universal é que assegura o princípio da igualdade. Também o disse em posts anteriores, embora tenha depois concluído que, na prática, ela acaba por recair quase só sobre os rendimentos do trabalho. Daí que somente a estes agora me tenha referido.
Mas ainda bem que há quem pense o mesmo...apesar do silêncio que há sobre o assunto.
Obrigado
CP

Party Organizer disse...

me tenha referido. e só aparente os cortes dos pensionistas.