terça-feira, 24 de julho de 2012

A ENTREVISTA DE FELIPE GONZÁLEZ A "EL PAÍS"



AS CULPAS SÃO SEMPRE DOS OUTROS



A extensa entrevista a Felipe González que El País ontem publicou não tem sobre a natureza da crise verdadeiramente nada de novo. Ou melhor, como diria um espanhol bem humorado, ajuda a perceber por que razão Rubalcaba (Secretário Geral do PSOE) à segunda está contemporizador, à terça cabreado e à quarta dialogante. Mas serve também para compreender quão assustador é para os “felipistas” a hipótese de a actual direcção do partido, por pressão das bases, passar a fazer uma oposição dura e corajosa às políticas de austeridade postas em prática por Rajoy por decisão da Troika. No caso uma troika mais informal, até talvez mais inorgânica que a nossa, mas nem por isso menos complacente. Pelo contrário.

O que no fundo González advoga é um grande pacto com o PP no qual se acorde o que há a fazer para que a Espanha passe a ter condições para negociar com a Europa as  medidas indispensáveis para combater a crise. Ou seja, o que é preciso é que sob a visão iluminada do PSOE, tal como González a entende, a Espanha seja capaz de fazer uma verdadeira negociação com a Europa, coisa que até hoje segundo ele não aconteceu. Mais: González considera que as imposições que já fizeram a Espanha para lhe concederem essa ridicularia de 30 mil milhões de euros deixa o governo sem margem de manobra para negociar o verdadeiro resgate, que andará pelos 300 mil milhões de euros.

Para González as culpas da presente situação são dos que se lhe seguiram. De Aznar e de Zapatero, que, segundo ele, deitou muita gasolina no fogo. González nunca perdoou a Zapatero a sua ascensão a Secretário Geral do PSOE contra o seu próprio voto e os candidatos por ele escolhidos. É verdade que a bolha imobiliária espanhola começa a inchar com a liberalização dos solos decretada por Aznar, mas ela tem a sua causa, em Espanha como na Irlanda, na concepção do euro, ou se se quiser ser mais preciso, no modo como esta Europa foi construída a partir de Maastricht. Se antes de Maastricht o modelo de construção já era antidemocrático e relativamente indefinido também não é menos verdade que por essa altura ele não estava em condições de causar tantos danos às partes que o compunham como passou a estar depois de Maastricht, com a agravante de ainda se ter tornado mais antidemocrático.

Sobre este “pecado original” e sobre o modelo de desenvolvimento económico construído em Espanha com os fundos comunitários entrados às catadupas, González não diz uma palavra. As asneiras vieram todas depois e são tanto da responsabilidade de quem as cometeu como de quem emprestou o dinheiro para que fossem cometidas.

Por outro lado, há passos da sua argumentação, toda ela no sentido de pressionar a Alemanha a transformar o BCE numa verdadeira Reserva Federal ao serviço dos Estados insustentavelmente endividados, que se baseiam em factos que ele contesta quando isoladamente analisados, mas que rapidamente perdem essa conotação quando funcionam como simples contexto da conclusão a que quer chegar. Exemplifiquemos: argumentar com base na situação orçamental espanhola e no endividamento do Estado anterior ao desencadeamento da crise para justificar um tratamento preferencial ou pelo menos muito diferente do BCE, tanto mais que ela (a situação espanhola) até era melhor do que a alemã, é um argumento que exactamente se baseia no enaltecimento do que à frente se critica. Então González não percebe que o superávide orçamental espanhol e a baixa dívida pública foram conseguidos à custa das extraordinárias taxas de crescimento que a bolha imobiliária proporcionava e do gigantesco endividamento privado da economia espanhola?

Queixa-se, por fim, González de que, apesar de existir na zona euro uma moeda única, ela não tem em todos os países o mesmo valor. Infelizmente, é verdade. A causa desse estranho fenómeno está na sua concepção e não no uso que dela se fez. Quem pode em capitalismo impedir o lucro? Quem pode impedir o capital de buscar o lucro nas actividades mais lucrativas mesmo que para isso tenha de refugiar-se nas menos sustentáveis? Aliás, que não são sustentáveis sabe-o o capital depois, nunca antes. Basta ler Alan Greenspan para perceber isto. Quando se está na alta, seja ela baseada no que for, ninguém actua partindo do pressuposto de que à alta se segue a baixa. A lógica do capital é outra: aproveitar ao máximo o que está a dar e quando deixar de dar passar para outra.

E como pretende Gonzalez resolver o problema dos países endividados? Pondo o BCE a comprar ilimitadamente dívida pública sempre que o chamado “prémio de risco” ultrapasse os 200 pontos percentuais. Ou seja, sempre que a diferença da taxa de juro entre a do país que se endivida à taxa mais baixa e a do país em questão ultrapassar os 2%, o BCE interviria comprando dívida ilimitadamernte.

Mas como conseguir semelhante coisa se o BCE é exactamente o contrário disto? Mas mesmo que isso acontecesse o problema não ficaria resolvido. Ficaria atenuado, aliviado, mas agravar-se-ia novamente lá mais à frente. Não pode haver em capitalismo dinheiro ao mesmo preço para economias diferentes. A comparação com os Estados Unidos e o Reino Unido não vale. Nos Estados Unidos e no Reino Unido há uma economia – a economia americana e a economia do Reino Unido. Na União Europeia há várias economias!


1 comentário:

jvcosta disse...

"Uma troika mais informal..."

Isto é agora, no resgate dirigido especificamente ao "saneamento" do sistema bancário. Mas com juros de hoje acima dos 7%, o resgate geral, à grega e portuguesa, parece-me inevitável e quero ver se, então, a intervenção da troika não será como cá.

Quero ver é se o orgulho tradicional dos espanhóis vai permitir o nosso "bom comportamento"