quinta-feira, 5 de julho de 2012

A QUEM ESTÁ ENTREGUE ESTE PAÍS?



A QUE NÍVEL DE DEGRADAÇÃO É PRECISO CHEGAR?




Nos últimos anos tem-se assistido a um clima de degradação moral nos círculos próximos do poder político ou mesmo no seu interior que não pode deixar de ser tido em conta em qualquer análise política por mais pretensamente neutral que ela pretenda ser no plano ético.

Desde Maquiavel que sabemos que Política e Moral são campos diferentes, obedecendo cada uma às suas próprias regras. Quando se diz na esteira de Maquiavel que Política e Moral são realidades diferentes o que se pretende incisivamente sublinhar é que o Estado não actua subordinado a uma lei exterior que lhe seja superior com vista à prossecução de finalidades alheias à sua própria existência. O Estado tem as suas próprias regras, que visam fins próprios do Estado não estando sujeito na sua actuação a uma avaliação valorativa que tome como referência ou paradigma normas que sejam estranhas aos seus fins, mas antes respeitem a outros domínios como o aperfeiçoamento pessoal de quem as pratica, a salvação da alma, a preparação da vida extra-terrena ou outras coisas do género.

O mérito de Maquiavel na análise desta questão como em tantas outras em que foi inovador não esteve tanto em ter descoberto algo, mas antes em haver teorizado aquilo que via, o que era praticado, atribuindo-lhe a importância que realmente tinha e relegando para um plano secundário o que o que era proclamado ou pregado e nada seguido. Nunca antes ninguém tinha sido tão atento à realidade das coisas políticas como foi o Mestre de Florença para quem a observação e a interpretação da realidade empírica se sobrepunha na análise política a todas as demais considerações. Daí a sua modernidade.

No tempo de Maquiavel a questão do poder ainda era analisada apenas por um dos lados do problema, pelo lado do Príncipe. Só alguns séculos mais tarde, com o advento do Iluminismo, passou a ser também encarada pelo outro lado, pelo lado do Povo.

Isto não quer dizer que antes dos Iluministas a questão do “Povo” estivesse completamente arredada das preocupações da filosofia política. Não estava, nem tão-pouco se pode escamotear o papel importante nesse domínio desempenhado por certos sectores do pensamento cristão. Mas nada de confusões. Uma coisa são os avisos feitos ao Príncipe sobre os seus limites do poder que exerce, que, uma vez ultrapassados, poderiam levar à sua destituição. Outra coisa completamente diferente é o poder ter no Povo a sua origem e no governo em prol do Povo a sua legitimidade.

São duas formas muito diferentes de encarar o mesmo fenómeno. No tempo de Maquiavel a grande questão ainda era a de como manter o poder. Desde a Antiguidade clássica, principalmente desde Roma, que Maquiavel tão bem conhecia, o “bom governo” era o governo que sabia preservar o poder.

Nesta arte de preservação do poder intervêm múltiplos factores não sendo entre estes despiciendo o grau de aquiescência ou de aceitação do seu exercício pelos seus destinatários de tal modo que, quando esta relação entre o “soberano” e os súbditos se degrada a ponto de poder fazer perigar a sua continuidade, os rivais do soberano indesejado se aproveitam dessa degradação para o depor, reiniciando-se assim um novo processo que tende a terminar do mesmo modo.

A preocupação de Maquiavel no Príncipe, contrariamente ao que se passa nos Discorsi…, é, portanto, uma preocupação eminentemente prática, embora baseada em considerações teóricas muito profundas, de aconselhar o melhor caminho para “conquistar e preservar o poder” ou, dito de outra maneira, para “assegurar a manutenção do Estado”.

A moral que Maquiavel rejeita é a da subordinação do Estado a outros princípios que não sejam os da sua própria continuidade. O Estado não existe para servir interesses particulares de quem o dirige, nem actua subordinado a uma lei superior que busque fins diferentes dos exigidos pela comunidade a que respeita.

Hoje nas modernas democracias representativas em que por força da acção dos partidos se tem assistido à degradação do conceito democrático o povo tende a perder o papel de referente em torno do qual gira toda a vida política para voltar regressivamente a ser apenas aquele último limite que em situações extremas constituiu um obstáculo intransponível à continuidade do poder.

Tudo isto vem a propósito do que hoje se passa em Portugal depois que esta geração do “insucesso escolar” tomou o poder. Formada e integrada na política partidária desde tenra idade, mantendo com a política uma relação muito semelhante à que os marginais das claques de futebol mantêm com o desporto, desprovida de outros referentes comportamentais que não sejam a sobreposição do seu grupo aos demais e a tomada do poder como objectivo supremo pelas múltiplas vias que o seu acesso lhe abre, ei-la adornada com licenciaturas alcançadas na idade madura em universidades corruptas que traficam cursos em troca de uma esperada influência futura; ei-la vendendo o país a retalho em troca de contrapartidas inconfessáveis e outras que passam pela colocação de confrades em lugares decorativos principescamente pagos; ei-la tratando de manhã nas empresas em que está avençada os assuntos que à tarde vai decidir nas comissões parlamentares; ei-la pressionando privatizações para obter nos consultórios de advogados a que pertence como traficante de influência o serviço de assessoria jurídica que lhes vai ser adjudicado por concurso fraudulento; ei-la concedendo à custa do sacrifício do povo rendas feudais em domínios senhoriais demarcados que lhe garantem como contrapartida os meios financeiros necessários à sua prosperidade pessoal e do seu grupo; ei-la tão subserviente perante o estrangeiro quão desapiedada é no tratamento da maior parte dos seus nacionais; ei-la nos famigerados organismos reguladores fazendo fretes às empresas monopolistas ou aos ministros que não aceitam a liberdade de imprensa; ei-la, em suma, destruindo este país perante a passividade dos seus cidadãos.

E é perante esta última consideração que urge afinal saber quem está actuando à revelia das regas fundamentais da preservação da continuidade do Estado, se quem sistematicamente as viola no interesse próprio e do seu grupo ou se quem permite passivamente que tudo isso se passe na maior e total impunidade, sabendo-se, como se não pode deixar de se saber, que os que estão agora no poder são exactamente iguais ou piores do que os que lá estiveram e que os que se perfilam são no essencial iguais aos que lá estão.

Este o dilema que tem de ser resolvido urgentemente. Depois de amanhã poderá ser tarde…

2 comentários:

Anónimo disse...

O diploma do Relvas trás-me conforto, ou, melhor, reforça um certo bem estar, uma espécie de compensação para o quanto me enganei em relação a tanta coisa e tanta gente! Mas nunca tive dúvidas sobre a natureza destas "escolas". Há mais de vinte anos que eu vi (com estes que a terra há-de comer, como diz o cigano) casos de bradar aos céus. Era evidente a natureza de traga-perras (no dizer dos espanhóis)destas "instituições". Seria curioso saber quem as erigiu, quem as reconheceu etc etc,. Mas não haja ilusões, a situação só será denunciada/utilizada na estrita medida das necessidades da refrega política, há muita gente com telhados de vidro....Vou por aqui um exemplo: Em Portugal há pessoas com o grau de "mestre"(!!!!) que nunca completaram o antigo 5º ano dos liceus ou equivalente!!
Depois, pensando um pouco, o Relvas, se houvesse um concurso para tal, talvez pudesse ser considerado o mais português dos portugueses, concentra muitos mais ingredientes que um Sócrates um Vara etc..
lg

Raimundo Narciso disse...

"... esta geração do “insucesso escolar” ... mantendo com a política uma relação muito semelhante à que os marginais das claques de futebol mantêm com o desporto..."
Esta imagem é excelente. Parabéns