O RUIR DOS PRECONCEITOS
A crise do mercado livre manifestada com grande intensidade no sistema financeiro norte-americano depressa chegou aos quatro cantos do mundo, embora com intensidade e incidências diferentes. A Europa, ideologicamente colonizada pelas doutrinas neo-liberais americanas, foi também ela forçada a tomar medidas ostensivamente contrárias a tudo o quer andou a apregoar e a impor desde o tratado de Maastricht.
A título de exemplo, podem enumerar-se as medidas do Governo irlandês destinadas a assegurar por dois anos os depósitos dos seis grandes bancos do país, bem como medidas semelhantes, de protecção dos depósitos bancários, adoptadas pelo Reino Unido, o país europeu mais afectado pela crise.
Depois, temos as nacionalizações de bancos, para os salvar da falência, no RU (Northern Rock), no Benelux (Fortis), Alemanha (Hypo Real Estate) e na França e Bélgica (Dexia).
Estas e outras medidas que certamente se seguirão de apoio a empresas de outra natureza, nomeadamente industriais, também em crise, como consequência da drástica diminuição da procura e da escassez de liquidez, vão deitar por terras todos os preconceitos que Bruxelas erigiu em normas jurídicas (como sempre fazem todos os fanáticos).
Durante anos e anos a fio, os Estados foram obrigados a afastar-se, sector após sector, da prestação de bens essenciais e a despojar-se de todas as actividades lucrativas para entregar, umas e outras, ao capital privado, que nelas encontrou uma fonte incomensurável de lucros, como acontece, entre muitas que se poderiam enumerar, com as infra-estruturas rodoviárias e aeronáuticas, com as telecomunicações, com a energia, com a água, enfim, com tudo o que possa tornar-se lucrativo. Tudo feito com o mais completo desprezo pela noção de serviço público, desde então relegado para a condição de conceito residual destinado a abranger as actividades não lucrativas ou que somente com grave risco da paz social se poderiam tornar lucrativas.
Durante anos e anos a fio, os Estados foram impedidos de ajudar as actividades económicas em crise, com o consequente encerramento das empresas e o desemprego de milhares e milhares de trabalhadores. Entre a recuperação da empresa, nos casos em que isso era economicamente viável, mediante uma injecção de capital pelo Estado, com a correspondente tomada da posição accionista, e o seu encerramento, o capitalismo neoliberal não só não tinha dúvidas, como proibia e punia qualquer outro tipo de comportamento. Entre pôr o Estado a pagar o subsídio de desemprego ou permitir que com a sua ajuda a empresa se viabilizasse, a ortodoxia neoliberal não hesitava: a sacrossanta concorrência (leia-se: concentração capitalista) exigia o encerramento da empresa.
Da noite para o dia, todos os dogmas ruíram e é o próprio Estado que, em nome da estabilidade económica, se vê obrigado a salvar, com medidas “heterodoxas”, o sistema financeiro dos atoleiros em que se meteu com a sua inesgotável ganância!
Com a actual crise morrem por muitos anos as ortodoxias opressoras e abre-se um novo e promissor caminho de desenvolvimento da democracia.
Com esta crise abre-se um tempo novo. Se, como disse Hobsbawm, o século XX apenas começou verdadeiramente em 1918, não é menos verdade que somente em 2008 ele terminou, e não, como muitos supuseram, em 1989/91!
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