VEM AÍ UM GOVERNO DE
DIREITA SOB A CAPA DE SALVAÇÃO NACIONAL
Não é preciso passar o dia agarrado à televisão, nem ouvir
todas as intervenções e entrevistas para perceber o que se está a passar. Para
quem ande nisto há muito tempo e saiba decifrar o sentido das palavras
facilmente percebe que está em campo uma magistral encenação que irá certamente
desembocar numa muito alargada coligação de direita.
Começando pelo princípio: o PS de Sócrates negociou e assinou
o memorando com a Troika. Fê-lo, em certo sentido, em estado de necessidade,
embora substantivamente na continuidade do PEC IV e tendo de suportar e aceitar
as violentas arremetidas negociais do PSD que desde o princípio foi exigindo da
Troika mais do que ela própria estava então disposta a impor.
Nada de erradas interpretações: não quer isto dizer que a Tróica
seja branda. Quer dizer que a Troika actua em cascata, fazendo exigências
sucessivas à medida que os resultados vão ficando aquém das metas. Do mesmo
modo que o FMI vai tendo um discurso aparentemente contrário ao sentido das imposições
e dos resultados a que por via delas se chega, para aliviar a pressão e tornar
mais fácil a imposição de novas medidas. Tudo isto é velho e conhecido. Só
mesmo os (chamemos-lhes) ingénuos não percebem, continuando a citar a Sra. Lagarde
para gáudio do próprio FMI.
O Governo PSD/CDS aplicou e ampliou as medidas constantes do
Memorandum. O PS de Seguro foi apoiando com o seu silêncio e inacção, bem como
com a prestimosa colaboração de Proença, tudo o que nele se continha, não se afastando
da política oficial durante mais de um ano, aceitando inclusive tudo o que se
estava a passar como uma espécie de expiação dos pecados de Sócrates, a quem
então eram imputados todos os males do país bem como a natureza dos remédios
para os tratar.
Quando se começou a tornar evidente para toda a gente que a
continuação daquela política levava à desgraça dos portugueses e punha em causa
o pouco que já restava da dignidade e da soberania nacionais, Seguro começou a
distanciar-se cautelosamente sem contudo apresentar nada de diferente, salvo
umas pequenas alterações de natureza puramente cosmética.
Acossado pelo apoiantes de Sócrates, preocupados com a
intensificação dos ataques à medida que se ia consolidando o completo fracasso
da política governamental, Seguro, tendo em risco o lugar ou correndo o risco
de cavar uma profunda divisão no partido, deu um giro de quase cento e oitenta
graus e começou a contestar asperamente a política de austeridade sem contudo
apresentar nada de verdadeiramente alternativo para o caso (mais que provável)
de as suas propostas não serem aceites pelos patrões da Europa.
Por esta mesma altura, o CDS, vendo o descalabro que assolava
o país e temendo uma forte penalização eleitoral, passou a pôr em prática a
duplicidade política em que Portas é mestre, dando por um lado a entender que mantinha
um desacordo de fundo com a orientação dominante, mas simultaneamente tudo fazendo
para se manter no poder e nele alargar a sua influência.
Durante todo este tempo a esquerda combateu praticamente
sozinha a política de austeridade. Tendo como exemplo o que se passava na Grécia
e não podendo deixar de reagir à violenta agenda neoliberal que, com a colaboração
de Proença, o Governo ia impondo em todos os domínios relevantes (economia, finanças,
função pública, pensionistas e reformados, relações laborais, política social,
etc.), a esquerda – a tal esquerda que o PS e a matilha de comentadores apelida
de radical - limitou-se a pugnar por uma simples política neokeynesiana, sem
sequer exigir medidas de outro alcance político absolutamente justificáveis
pela evolução da situação.
Quando até certo sector do patronato se rebelou, obrigando Proença
recuar, e Sócrates, por coincidência ou não, regressou, o PS de Seguro foi
também forçado a endurecer o discurso contra a austeridade, apresentando – e ai
já acompanhado por todo o PS que conta – aquilo a que se poderia chamar uma agenda
de austeridade pragmática sem as imbecilidades ideológicas de Passos e Gaspar.
Mas mesmo esta agenda, aliás inconsequente nos seus fundamentos
e por isso mesmo inexequível, não tem a menor possibilidade de ser aceite pelos
patrões da Europa, não tendo o PS qualquer plano alternativo para responder a
esta evidência…salvo a crença de que a Europa vai mudar pela persuasão e pela
evidência do fracasso. Enfim, é preciso não compreender nada do que é a
Alemanha para acreditar nisto.
Pois bem, mas é exactamente com esta agenda e apresentando-se
como campeão da luta contra a austeridade que o PS se prepara para uma ampla
coligação com todos os sectores da direita (CDS, principalmente, não obstante tal
partido albergar no plano dirigente militantes de extrema direita, como Nuno
Melo e Pires de Lima, entre outros) que, pelas mais diversas razões, principalmente
pelo fracasso das políticas em curso, se têm distanciado de Passos e de Gaspar.
É essa a ampla coligação que Seguro quer fazer com os
portugueses. Aqueles que no PS estão longe de tudo isto ou simplesmente
descrentes numa tal solução, não passam de simples válvulas de escape num
partido onde a exposição pública de certos estados de alma vale tanto como a
prática política que objectivamente os contraria e se lhes opõe.
2 comentários:
Há muito que sinto isso e nem foi preciso que tivesse chegado o congresso. Toda a análise joga mesmo sem ele. O congresso apenas serve, a uns para o interiorizar, a outros para se poder dizer que o PS tentou tudo...
Não posso dizer que conto com um "Cisne Negro" pois este aparece quando ninguém conta com ele...
Tenho-o lido com algum cuidado. Percebo o seu argumentário crítico. Mas não fica muito clara qual é a sua alternativa. Assim, sem qualquer ironia, gostava que elencasse, muito simplesmente e em termos concretos e práticos (para citar um clássico), o que fazer. Não esquecendo, claro, de encarar, com realismo e honestidade, as previsíveis consequências de cada passo que vier a indicar. Um abraço
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