segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

NUNCA SE VIU UMA VITÓRIA ASSIM!



23 DE JANEIRO 2011 VAI FICAR NA HISTÓRIA DAS ELEIÇÕES

Uma tristeza imensa abateu-se sobre a vitória de Cavaco. Nunca se viu uma vitória assim. Nem a de Pirro, depois de ele próprio ficar a saber o que era uma vitória com o seu nome…
Dois derrotados saíram vencedores, um terceiro limitou os danos e conteve o eleitorado, um quarto fez o seu papel, um quinto perdeu, quase sozinho, com nulas consequências para quem o apoiou por obrigação, com desencanto para quem apostou nas consequências pós-eleitorais do apoio prestado, com alguma tristeza para o candidato derrotado por ter finalizado uma carreira política, mas nada que se compare à fúnebre alegria que rodeia a vitória do candidato vencedor!
É a tristeza dos cavaquistas pelo fim de um mito, a queda de um ídolo com os pés de barro. É a alegria contida dos que querem as mãos livres para quando lá chegarem, se chegarem, marcando as distâncias e rejeitando as tutelas.
É o desnorte de Portas que, não tendo a quem se agarrar, foi o único que viu na tristeza da vitória o início de um ciclo de sentido completamente diferente daquele que se pode iniciar. Quem diria, para além dos fiéis, que Cavaco iria ter como aliado privilegiado o ex-director do Independente?
Enquanto Cavaco, em silêncio profundo, guarda o luto da vitória...

ALAIN OULMAN COM QUE VOZ

A NE PAS RATER

Alain chegou e Amália nunca mais foi a mesma.
E nós também não. A Amália do fado comum, a grande voz, passa de um dia para outro a ser a “nossa” fadista. “Nós” éramos todos aqueles que mantinham o fado à distância como expressão de uma arte menor
Alain não lhe trouxe apenas os poetas, o que não seria pouco, trouxe-lhe uma nova melodia – uma impensável nova dimensão.
O’Neil, Ary, Alegre deixam-se contagiar pelo fascínio e pelo génio musical de Alain, como antes já tinham sido tocados Mourão-Ferreira, Régio, Pedro Homem de Melo, Cecília Meireles. E antes ainda Castilho, Bernardim Ribeiro, Pero de Viviães, o rei Dinis, João Ruiz de Castelo Branco e Camões, principalmente Camões, que escreveu para Amália um dos seus mais belos sonetos
Amália, por mais sublime que fosse a sua voz, por mais inteligente que fosse a interpretação das suas canções, nunca o teria descoberto se não fosse Alain.
E, sem Alain, Amália jamais seria o que hoje é!

Naquele tempo não havia economistas…
Havia um sonho que a poesia ajudaria a concretizar…
E o sonho realizou-se, feliz, mas incompleto, como todos os sonhos…
E entre a realidade do sonho e crueldade da vida a História foi fazendo seu caminho…
Um triste e penoso caminho para quem tem de o calcorrear sem sonho, sem esperança e agora também com medo…
Dizem que já não há mais sonhos. E esforçam-se numa retórica estúpida, mas envolvente, enleante, quase irrespirável, por nos fazer acreditar que o sonho acabou de vez para dar lugar à mão invisível que, acordados, nos guia para um destino inexorável…
Mas o sonho existe. Pode ter abandonado os "velhos", os descrentes, os submissos, os instalados, mas está bem vivo nos jovens que do outro lado do Mare Nostrum lutam a peito descoberto contra a tirania, a opressão e o roubo.
E não me venham falar de “valores ocidentais”, do perigo islâmico e de toda essa ganga abjecta com que, principalmente, à noite, em overdose, nos impedem de sonhar!
Não me queiram enganar. “Não me queiram converter a convicção”.“Merda! Sou lúcido!”

domingo, 30 de janeiro de 2011

O ATAQUE AO TRABALHO CONTINUA!



O GOVERNO SUCUMBE À POLÍTICA REACCIONÁRIA DE BRUXELAS

Já se sabia que a direita neoliberal que domina a União Europeia e pontifica em Bruxelas tinha exigido ao Governo Português mais um vergonhoso ataque aos direitos dos trabalhadores numa manifestação de arrogância e de triunfalismo de quem pretende retirar da crise económica todas as vantagens que a fragilidade da actual situação aparentemente permite.
As medidas que o Governo se prepara para tomar em consonância com um patronato explorador, pré-anunciadas por Bruxelas, depois de uma reunião de ministros em que participou Teixeira dos Santos, são mais uma prova inequívoca da ofensiva ideológica comandada pelo directório europeu com o falso pretexto de que por via delas se favorece a competitividade da empresa, quando o que está liminarmente em causa é exploração de quem trabalha, eliminando todos os direitos sociais de modo a torná-los uma mercadoria a que possam aceder apenas os que têm dinheiro.
Sócrates, no Parlamento, instado a clarificar o assunto, refugiou-se na declaração de que não aceitará despedimentos sem justa causa. A Ministra do Trabalho, essa estranha personalidade política recrutada no mundo do trabalho para fazer o trabalho sujo em matéria laboral, limitou-se a justificar as medidas que se prepara para propor com base na analogia do que se passa lá fora, nos nossos principais concorrentes.
Esta argumentação absolutamente atentatória da dignidade de quem a escuta, pela mentira e pela estupidez que encerra, revela até que ponto se chegou hoje na política. Esta sim, é que é uma verdadeira demonstração da “vil baixeza” a que se chegou.
Continuando por este caminho nada mais começa a restar aos trabalhadores europeus, nomeadamente os mais causticados pela crise económica, da exclusiva responsabilidade de quem “governa” a economia, do que imitar o povo de Tunes e do Cairo, correndo não apenas com aqueles que os governam, mas também, e principalmente, com aqueles que os exploram.
De facto, o que se está a passar, telecomandado por Berlim e Bruxelas, com a conivência cobarde dos governos nacionais, começa a ser uma questão que já não pode resolver-se no quadro institucional vigente. Ele é demasiado forte, demasiado tentacular, demasiado enleante para se deixar surpreender pela via dos procedimentos habituais. A resposta vai ter de ser outra. E mais tarde ou mais cedo vai acontecer.
Do mesmo modo que os regimes corruptos e cleptómanos que dominam os povos do norte do Mediterrâneo vão ser todos corridos, apesar de apoiados por Washington e pela União Europeia, também na Europa a continuação das políticas de exploração do trabalho, da eliminação dos direitos laborais e sociais, da marginalização económica de sectores cada vez mais vastos da sociedade nesta voragem insaciável, próprias de quem se deixou inebriar pela conjuntura e de quem já perdeu a noção das realidades, vai ter consequências terríveis para os seus autores, fautores e cúmplices. E na Europa, historicamente, as grandes convulsões não costumam ser nada suaves. Que não se espantem depois!

sábado, 29 de janeiro de 2011

AINDA HÁ JUÍZES!



LUTA SEM TRÉGUAS CONTRA O CAPITAL FINANCEIRO

O grande objectivo das correntes progressistas nos tempos que correm tem de ser a luta, por todos os meios, contra o capital financeiro e contra quem o apoia ou protege. Enquanto não há condições para adoptar medidas mais radicais, só possíveis no quadro de profundas transformações proporcionadas pelas grandes convulsões sociais que se avizinham, é dever de todos os que se não conformam com o governo plutocrático das nossas sociedades lutar contra o capital financeiro, boicotando-o, sabotando-o, defendendo os direitos dos cidadãos da sua prepotência e rapinagem.
Os exemplos dessa descarada actuação plutocrática estão presentes nas mais diversas manifestações da vida económica, quer contra cidadãos indefesos, contra Estados cúmplices das suas actuações, quer pelas crises económicas e sociais que os desmandos financeiros do capital especulativo propagam a todo o mundo, fazendo pagar com o desemprego, a miséria e a fome de muitas dezenas de milhões de pessoas o restabelecimento da sua capacidade predadora!
Ainda agora se viu como um banco português, depois de ter pressionado e exigido da empresa de que era accionista o pagamento antecipado de dividendos para fugir a uma tributação que no ano seguinte incidiria sobre os lucros obtidos, gizou a inacreditável manobra de aumentar nessa mesma sociedade a sua participação accionista …para ficar completamente isento de impostos.
A gente ouve e toma conhecimento disto e pensa que se está a falar da mulher do Ben Ali, mas não está. Está-se a falar de um banco português!
Vem tudo isto a propósito de duas decisões tomadas por dois tribunais espanhóis sobre um assunto da máxima actualidade.
Como se sabe, a crise financeira que em fins de 2007 rebentou na América, e depois se espalhou com particular intensidade por todo o “mundo desenvolvido”, dando lugar a uma crise económica e social sem paralelo desde 1929, teve a sua origem na especulação imobiliária, na chamada “borbulha imobiliária”insuflada pela concessão desregulada de crédito barato para a aquisição de casas, que se iam artificialmente valorizando num movimento especulativo igualmente sem precedentes, dando simultaneamente lugar à criação dos mais diversos produtos financeiros derivados daquele negócio inicial, que numa espiral especulativa incontrolada iam sendo vendidos nos quatro cantos do mundo, até que…sucedeu o inevitável: os compradores das casas sobreavaliadas deixaram de ter dinheiro para pagar os empréstimos contraídos, a saturação do mercado imobiliário baixou drasticamente os preços das casas…e tudo dá para a frente ruiu como um baralho de cartas com as consequências tsunâmicas de uma onda que não parava de crescer e de se espalhar por todo o lado onde houvesse o menor vestígio daquela especulação.
Nos Estados Unidos e na Inglaterra quando o devedor hipotecário deixa de cumprir o empréstimo, salda a dívida entregando ao credor, ao banco, a coisa hipotecada (a casa). O risco da eventual diferença entre o valor da dívida e o valor da casa corre por conta do banco que, obviamente, o transferiu a uma seguradora. Ou seja, numa linguagem simples: pela divida apenas responde o bem hipotecado e não o restante património do devedor, no caso de o valor resultante da venda da casa não ser suficiente para pagar o capital em dívida.
Nos direitos europeus continentais, com o nosso e o espanhol, por exemplo, as coisas não se passam assim. Se uma pessoa contrai um empréstimo no banco para aquisição de uma casa, dando esta em hipoteca, pelo incumprimento do devedor responde a casa, mas se o valor desta não for suficiente para pagara a totalidade da dívida, pelo remanescente responde o património do devedor, desde logo o salário.
Na prática as coisas passam-se assim: o banco avalia a casa que o cliente quer comprar e empresta-lhe uma percentagem daquele valor, pelo qual responde a casa como hipoteca. Em situações normais, esta garantia é suficiente para assegurar o crédito do banco. Em épocas de crise como a actual, além de a casa ter sido muito provavelmente sobreavaliada, em consequência da tal “bolha”especulativa de que acima falámos – e em Espanha essa “bolha” existiu” –, o mais certo é ela ter agora um valor menor do que aquele que teria em condições normais de mercado.
Segundo a lei espanhola, em caso de incumprimento, a casa vai à “praça” por um preço relativamente abaixo do valor de mercado. Mas se a “praça” ficar deserta, vai uma segunda vez por metade do preço. Se não aparecer comprador, o banco normalmente fica com ela.
Foi o que aconteceu: um cidadão pediu emprestado ao banco 71 225 € para comprar uma casa que o banco tinha avaliado em 75 900 €. Três anos depois, por incumprimento, o banco ficou com a casa por 42 895 €, ou seja, por 33 005 € menos do que avaliação que ele próprio tinha feito há três anos, objectivamente correspondente a uma desvalorização de 43,5%!
Feitas as contas, depois de três anos de pagamentos, o devedor, apesar de ter entregado a casa ao banco, devia-lhe ainda 28 129€ mais 8 438 € de juros e despesas, num total de 36 612 €! Por outras palavras, depois de ter pago as prestações durante cerca de três anos e de ter perdido a casa a favor do banco, este infeliz comprador ainda ficava com uma dívida de 36 612€ por uma casa que já não tinha.
Com o baixo ordenado que tinha, e as limitações à penhora, ficaria durante toda a sua vida a pagar o empréstimo para a compra de uma coisa que ficou para o credor e ainda deixaria um apreciável património passivo aos seus herdeiros!
O tribunal de Navarra não teve dúvidas, apesar das disposições do Código Processo Civil e da Lei dos créditos hipotecários, decidiu, com base no artigo 3.º do Código Civil Espanhol, que manda “interpretar as leis de acordo com a realidade social do tempo em que são aplicadas”, que apenas o valor da coisa hipotecada, e não a totalidade do património do devedor, garante o cumprimento do empréstimo por ser moralmente inaceitável que o banco continue a reclamar um crédito que nunca teria sido concedido se o valor real da coisa que o sustenta o não garantisse na totalidade. E concluiu: “se houve perda de valor, isso se deve à crise económica, fruto das más práticas do sistema financeiro”!
Foi assim, com decisões ousadas e justas, que o pretor desenvolveu e transformou o direito romano fazendo dele uma das maiores criações do génio humano!
Felizmente, ainda há juízes!

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O CDS ESTÁ NERVOSO




PAULO PORTAS MUITO ANSIOSO

O CDS está enredado num liame do qual não se consegue desprender. Por um lado, sabe que os 21 deputados que alcançou numa votação histórica e irrepetível lhe servem de bem pouco numa Assembleia com a actual composição e, por outro, aspira o mais rapidamente possível a ser governo, objectivo que só pode alcançar submetendo-se a uma nova votação.
Os deputados que actualmente tem não lhe servem para “nada”, porque mesmo que tentasse empurrar o PSD, fora do timing deste, para actos que conduzissem a eleições antecipadas, a já anunciada abstenção do Bloco e do PC nunca lhe permitiria alcançar a maioria necessária (maioria absoluta dos deputados em exercício de funções) para derrubar o Governo e, muito menos, para o substituir, facto que, mesmo em circunstâncias plausíveis, nunca aconteceu em Portugal.
Por outro lado, sabe que o PSD, depois da “sofreguidão” inicial demonstrada pela nova liderança, optou agora por um estilo diferente, aparentemente mais tranquilo, destinado a criar na opinião pública a ideia de que se as coisas não correrem bem, a culpa é exclusivamente da responsabilidade do Governo.
Ora, o CDS não desconhece que esta estratégia, que terá o seu zénite na aprovação do próximo orçamento, só poderá ser coroada de êxito se a execução orçamental do Governo for um fracasso e se os ataques especulativos à dívida e ao euro mantiverem um crescendo de intensidade que torne inevitável o recurso ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira, vulgo FMI. São muitos “ses”. E pior do que os “ses”, é a certeza de que tal estratégia em nada o beneficiará, não apenas por a votação de 2009 ser irrepetível nos seus efeitos (a “entrada” de cinco deputados nos últimos votos contados em outros tantos distritos), como por o próprio corpo eleitoral do CDS (cerca de 16 deputados) só ser viável com o PSD em crise.
Portanto, sentindo-se a reboque de uma estratégia que não comanda, e sendo incapaz de impor uma outra que lhe minore os prejuízos, Paulo Portas, instável e ansioso, “desata” numa série de iniciativas, umas demagógicas, outras ridículas, que apenas servem para demonstrar as limitações de uma ambição muito acima das possibilidades de quem a tem.
Todos ficámos muito “comovidos” com a recente iniciativa do CDS contra os ordenados e vencimentos do sector público - a que logo a SIC N deu pleno acolhimento, sem outro critério nem outro enquadramento que não fossem o de por via do “escândalo” subir as audiências (seja com as demagogias do Portas ou com peripécias do processo "Casa Pia") – e esquecidos do zelo com que importantes “dossiers” do Estado foram tratados por Portas e pelo CDS, como o dos “helicópteros”, o dos “submarinos”, o dos “sobreiros”, enfim, o zelo infinito com que o pobre do Telmo, auto-apodado “o Breve”, se dedicou a cuidar dos assuntos do Estado nos últimos dias do seu mandato, depois de uma breve “clandestinidade” a que Abel Pinheiro soube pôr cobro com diligências “ao mais alto nível”!
E da demagogia ao ridículo vai um pequeno passo que a ansiedade ajuda a transpor: a de ouvir da “boca” do PSD: “Tem lá calma que a nossa estratégia não é essa, nem tu és para aqui chamado nesta fase do processo

O QUE SE PASSA NO MINISTÉRIO PÚBLICO?


OS PROCESSOS DISCIPLINARES NO DCIAP

Causa alguma perplexidade na opinião pública a notícia, não explicada, da abertura de processos de inquérito ou disciplinares a magistrados do MP em serviço no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, com competência na investigação na criminalidade complexa e altamente organizada, encarregados da investigação e instrução de processos muito mediatizados.
A magistratura do Ministério Público é autónoma e hierarquizada.
Como magistratura autónoma ela não recebe ordens do Presidente da República, da Assembleia da República, do Governo, nem dos Tribunais, competindo-lhe, como órgão do Estado que também é, representá-lo, defender a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos, bem como o interesse público tutelado pela constituição e pela lei, além, evidentemente, de exercer a acção penal.
A independência do MP caracteriza-se fundamentalmente pela autonomia de que goza relativamente a todos os órgãos do poder central, regional e local e pela obrigatoriedade de pautar a sua acção por critérios de legalidade, objectividade e imparcialidade.
Como magistratura hierárquica que é, o MP tem como instância suprema a Procuradoria Geral da República, composta pelo Procurador Geral da República, os Procuradores Gerais Adjuntos e o Conselho do Ministério Público, competindo ao Procurador Geral dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do MP e emitir directivas, ordens e instruções aplicáveis à actuação dos respectivos magistrados, que lhe devem obediência funcional.
Muito sumariamente estes são os dois pilares axiológicos – autonomia e dever de obediência – que pautam o estatuto dos magistrados do Ministério Público. Obediência funcional à hierarquia no quadro das directivas, ordens e instruções emitidas nos termos da lei e autonomia no exercício do núcleo essencial das funções compreendidas no quadro da respectiva magistratura: defesa da legalidade democrática, dos direitos dos cidadãos e do interesse público, nos termos da constituição e da lei, bem como no exercício da acção penal.
Não está, portanto, em causa a abertura de inquéritos ou a instauração de processos disciplinares a magistrados dos Ministérios Público suspeitos de violação de deveres profissionais ou de prática de actos incompatíveis com o decoro e a dignidade da função ou que nela se repercutam negativamente. O que está em causa neste momento muito difícil que a Justiça atravessa – certamente muito mais do que um simples momento – é a prática de actos que, por incidirem sobre magistrados a cargo de quem esteve a averiguação e instrução de processos muito complexos e politicamente melindrosos, por envolverem interesses difíceis de atingir e que gozam de ampla protecção política, deveriam ser transparentes e inequivocamente esclarecidos, tanto no interesse da magistratura em si e das suas instâncias supremas, como dos magistrados sob suspeita.
De facto, pelo que já veio a público, torna-se difícil compreender, nalguns casos, onde acaba a responsabilidade pela prática de certos actos e por que razão numa estrutura hierárquica como a do MP ela deve circunscrever-se a certas pessoas e não abranger outras que, por omissão dos poderes de direcção, fiscalização e coordenação, parecem igualmente responsáveis pelo que se passou ou, noutros casos, por que não ter havido uma atempada acção preventiva destinada a evitar a prática de actos que agora se censuram.
A transparência é um valor fundamental para a credibilidade da justiça. Os seus principais intervenientes, o Ministério Público e a magistratura judicial, estão hoje sob o permanente escrutínio da sociedade, devendo evitar-se tudo o que possa contribuir para agravar o actual estado de coisas. A recusa de explicações adicionais só serve para enraizar o sentimento de insegurança do funcionamento da justiça sempre que estão em jogo altos interesses, quer pela qualidade das pessoas envolvidas, quer pela magnitude dos interesses sob investigação.
É que a opinião pública ainda não está refeita do grave dano resultante da perda de confiança originada pela recusa da publicitação dos despachos de arquivamento de participações criminais oriundas de outros agentes judiciários…

COELHO, UM HOMEM SEM MEDO!



GRANDE ENTREVISTA À RTP MADEIRA


Vale a pena ver esta grande entrevista de JM Coelho à RTP Madeira.

A força do povo obrigou o órgão do regime a entrevistar um "pária do regime".
Coelho um político populista? Há quem tal afirme. Penso que não. Antes um político popular e destemido.
Força Madeira!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AS AMEAÇAS E AS PRENDAS


RESISTIRÁ A JUSTIÇA?

Correm nestes dias no Campus da Justiça, em Lisboa, processos muito conhecidos do grande público, que constituem para o povo anónimo, e de certo modo também para a opinião que se publica, uma espécie de “prova de fogo” para a justiça portuguesa.
Entre outros que poderiam ser citados, estão o “Caso dos submarinos” e a “Face Oculta”.
No primeiro, o Juiz Carlos Alexandre decidiu pronunciar os dez arguidos do processo por “burla qualificada” e “falsificação de documentos”.
Entre os arguidos estão responsáveis ou representantes da empresa Ferrostaal, grande multinacional alemã, que integra o consórcio que vendeu os submarinos a Portugal. Apesar de a Ferrostaal estar sob investigação em vários países, inclusive na Alemanha, sempre pelo mesmo motivo – corrupção -, esta será a primeira vez que gente sua vai a julgamento fora da Alemanha.
No caso português, tanto quanto se percebe pela leitura dos jornais – e percebe-se muito pouco, porque sempre que o assunto é um pouquinho mais complicado os nossos jornalistas são incapazes de o explicar, obviamente porque não o entenderam – este processo poderá ser a ponta de um iceberg que anda para aí à deriva desde há sete anos, na esperança de “derreter-se” antes de ser avistado e investigado.
Mas percebe-se que no caso estão metidos aqueles nossos pequenos “Catões” sempre muito preocupados com o “vigaristazeco” que “saca” um rendimento social de inserção, apesar de ter outros rendimentos ou com o “ladrãozeco” que numa rua menos iluminada dá um “esticão” na carteira da senhora indefesa!
Tão grave ou mais grave são, todavia, as ameaças que se depreendem das palavras do Juiz que decretou a pronúncia. Podem resultar de uma interpretação das alegações do advogado da Ferrostaal, mas podem também ter outra origem.
Só o Juiz o poderá dizer, mas se tivessem outra origem não seria para admirar. Basta ter presente os recentes documentos dados a conhecer pela WikiLeaks para se perceber que não falta nesses grandes “Estados democráticos”, sempre prontos a dar lições de democracia aos pobres ou aos que com eles não alinham a cem por cento, quem use todos os meios necessários para pressionar a Justiça, inclusive para impedi-la de julgar. E se isso também estivesse a acontecer aqui, seria normal. Anormal e nobre apenas seria a conduta do Juiz que resiste a pressões.
Às pressões a que o Governo Português não sabe ou não quer resistir quando lhe exigem o embaratecimento dos despedimentos, ou a imposição de medidas drásticas para a redução do défice, utilizando a chantagem dos juros, e, simultaneamente, esses mesmos Estados acham perfeitamente normal o esbanjamento de recursos públicos na compra de submarinos ou outro material de guerra por eles vendido!
No processo “Face Oculta”, a questão que ultimamente tem ocupado a atenção da opinião pública é o corrupio de importantes personalidades chamadas pela defesa a depor sobre a honorabilidade de alguns dos arguidos.
Ao contrário do que porventura crê a defesa, a excessiva publicidade feita à volta dos nomes das personalidades chamadas a depor apenas serve para descredibilizar a política e os políticos (defende-se todos uns aos outros, é o que se ouve) e pode agravar ainda mais a situação da Justiça, se a futura decisão, independentemente da sua justeza, for absolutória ou ficar muito aquém da convicção já formada pela dita opinião pública com base naquilo que ouviu ou veio a público.
Dir-se-á que a Justiça é a que se faz nos tribunais e não na praça pública – e é verdade, e assim deveria ser – mas no ponto em que as coisas já estão a publicidade destes movimentos da defesa só serve para piorar ainda mais a situação.
Situação que aliás foi agravada por algumas declarações prestadas à saída do tribunal por algumas personalidades e advogados de defesa, a avaliar pelas reacções praticamente unânimes que suscitaram nos sites dos jornais on line em que foram publicadas.
De facto, é de uma total imprudência a afirmação de que não é valor das prendas (dentro de certos limites, evidentemente), mas a honorabilidade de quem as recebe, que dita o seu significado e efeitos. Há nesta afirmação uma arrogância moral não muito diferente de outras que ouvimos durante a campanha eleitoral e que, por isso, não pode deixar de ser combatida para bem de todos, inclusive de quem a profere.
Pois se o que está em causa é exactamente a honorabilidade de quem é suspeito, é evidente que não pode ser a honorabilidade do visado a servir de critério aferidor da natureza da sua conduta. É essa a razão que leva alguns países e organizações internacionais a seguir um critério puramente objectivo de avaliação do sentido das prendas, proibindo a sua aceitação acima de certo montante (aliás, baixíssimo, como acontece nos USA e na Comissão Europeia, por exemplo).

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA



DESFAZENDO ALGUMAS CONFUSÕES E ALERTANDO PARA O QUE INTERESSA

No sistema constitucional português, como em qualquer outro, a legitimidade do Presidente da República para o exercício dos poderes compreendidos na sua competência não resulta do número de votos com que foi eleito, mas de ter sido eleito segundo os procedimentos prescritos na Constituição e demais legislação aplicável com ela concordante.
A competência e os poderes do Presidente da República são sempre os mesmos, tenha ele sido eleito com mais ou menos votos.
A competência do PR é a que resulta da Constituição e, como a de qualquer outro órgão unipessoal ou colectivo, está genericamente fixada nos textos que a consagram, independentemente das pessoas que a exercem e dos votos com que essas pessoas foram eleitas, no caso de se tratar de órgãos electivos.
E o exercício dos poderes do Presidente da República também não depende do número de votos com que o titular daquele órgão foi eleito, mas antes do modo como tais poderes estão configurados na Constituição: umas vezes trata-se de poderes vinculados, ou seja, de poderes que o Presidente tem de exercer nos estritos termos previstos na lei fundamental; outras, trata-se de poderes discricionários, a exercer de acordo com a avaliação pessoal do Presidente, como, de resto, acontece com o exercício de qualquer outro poder discricionário, no caso, por maioria de razão, por se tratar de típicos actos políticos.
Claro que toda a gente concorda com estes princípios. Quando alguns se referem à maior ou menor “capacidade de intervenção” consoante os votos o que parece pretenderem dizer é que o Presidente se sentirá mais à vontade (mais apoiado) no exercício dos seus poderes se tiver sido eleito com uma maioria significativa.
Salvo o devido respeito, a questão posta nestes termos não está bem posta e quando uma questão não está devidamente equacionada nunca poderá ter uma boa resposta.
Voltemos à questão inicial. Nos casos em que o Presidente exerce os seus poderes nos estritos termos legais – ou seja, quando não há possibilidade de duas actuações – os votos com que ele foi eleito não servem para nada nesse caso. Com muitos ou poucos votos a sua actuação terá de ser sempre a mesma.
Nos casos em que o Presidente actua discricionariamente, cumpridos que estejam certos pressupostos, também não são os votos com que foi eleito que acabam por contar para se saber se as suas actuações são mais ou menos apoiadas pelos cidadãos. O que conta nestes casos é o acerto da convicção pessoal em que fundamenta a sua actuação. Se o Presidente actua em consonância com a vontade da maioria, os seus actos serão incontestados e respeitados. Se o Presidente exerce um poder discricionário de graves consequências politicas na base de uma errada avaliação pessoal ou, pior ainda, menosprezando o sentimento maioritário dos eleitores com base na pura convicção pessoal de que a sua actuação não está sujeita a esse tipo de condicionalismo antes se guiando por aquilo que o seu autor interpreta como sendo uma actuação conforme ao interesse nacional, o Presidente corre sérios riscos de ser desautorizado com todas as consequências políticas que daí possam advir.
Portanto, no quadro dos poderes presidenciais constitucionalmente consagrados, a eleição do Presidente, com a maior ou a menor maioria de sempre, é absolutamente irrelevante para o exercício daqueles poderes.
Mas já poderá não sê-lo no quadro de duas outras situações – uma claramente anticonstitucional e outra, digamos, “aconstitucional” – ambas juridicamente incontroláveis e de controlo político muito difícil, se, por força da maioria que o apoia, o Presidente se sentir tentado a uma actuação contrária à Constituição.
Referimo-nos, no primeiro caso, à inconstitucional interpretação de certos poderes que, pelo seu exercício, levam o Presidente a intervir em áreas que não são da sua competência, porque sente a sua actuação confortada pelo apoio popular ou por uma opinião pública que maioritariamente a sufraga.
Esta situação pode ocorrer fundamentalmente no domínio das relações entre o Presidente e o Governo e traduzir-se quer, na exoneração do Governo, com base numa interpretação inconstitucional do artigo 195,2 da Constituição, quer no condicionamento da actuação do Executivo pela permanente tentativa de intromissão no exercício dos poderes deste. Pode ocorrer, mas não tem condições para perdurar por largo tempo. Pode ocorrer no quadro de uma guerrilha institucional, mas levará inevitavelmente à dissolução do Parlamento e à marcação de eleições.
A segunda situação a que chamamos “aconstitucional” resulta do exercício de poderes fácticos susceptíveis de inverter completamente o papel do Presidente da República no sistema constitucional português. E esta é uma situação que, havendo uma clara apetência política nesse sentido, pode ser potenciada por uma eleição com larga maioria.
Esta situação tem probabilidade de acontecer se a Presidência da República for ocupada por alguém com grande vocação executiva e simultaneamente houver, no Parlamento, uma maioria da sua cor política, que com ele esteja em perfeita consonância.
A simples identidade de cor política não é, porém, suficiente, como já se viu, principalmente nos mandatos de Guterres e de Jorge Sampaio, para que aquela situação ocorra. É preciso mais do que isso: é necessário uma “forte apetência” executiva da parte de Belém e uma aceitação dessa intervenção por parte do Governo saído da maioria que o apoia.
Esta é, sem dúvida, a maior perversão do regime semi-presidencialista como o nosso, não só por a dominante do sistema ser a parlamentar, mas principalmente por ela permitir concentrar nas mãos do Presidente da República amplos poderes fácticos e jurídicos, susceptíveis de perverter o regime democrático consagrado na Constituição. E nada pode evitar esta situação se as condições fácticas acima referidas estiverem reunidas.
Existe esse perigo? Sim, existe esse perigo se o PSD chegar ao governo com maioria absoluta, apesar de o Presidente ter sido eleito com a menor maioria de sempre e de a actual direcção do PSD se não situar a cem por cento naquilo a que vulgarmente se chama o “cavaquismo”. É que por mais que o Presidente do PSD clame por autonomia, como o sub-repticiamente tem feito, demarcando as distâncias, dificilmente o Governo por ele formado, principalmente em pastas chave, deixaria de integrar nomes grandes do “cavaquismo”. E depois, daí para a frente, já se sabe como é…

CAVACO VENCEU COM A MENOR MAIORIA DE SEMPRE


A VITÓRIA ESPERADA

Como se esperava, Cavaco Silva venceu as presidenciais do passado domingo. Menos de um quarto dos eleitores incritos deu-lhe o seu voto, concedendo-lhe nos votos expressos uma maioria de cerca de 53%.
A eleição de Cavaco Silva não constituiu qualquer surpresa, pelo menos desde há cerca de um ano para cá. Também não constituiu surpresa o voto relativamente pouco expressivo que o elegeu, tanto em números absolutos, como relativamente ao número de eleitores inscritos.
Com uma percentagem ligeiramente superior à obtida na primeira eleição, a menor de todas as reeleições presidenciais após o 25 de Abril, com cerca de menos meio milhão de votos do que há cinco anos, Cavaco Silva era, pela sua personalidade política, um candidato batível no quadro de uma estratégia completamente diferente daquela que acabou por ser adoptada para o defrontar.
Cavaco Silva não alargou a sua base de apoio de 2006 até hoje. Pelo contrário, diminuiu-a. Cavaco foi para uma parte significativa do eleitorado que o elegeu, nomeadamente o mais ligado aos partidos que o apoiaram, uma espécie de mal menor e inevitável. Não sendo um candidato do agrado da maior parte dos eleitores do CDS, nem de largos estratos do PSD, a começar pelas correntes hoje dominantes, Cavaco Silva acabou por ser eleito por se ter “imposto” àqueles partidos como uma inevitabilidade incontornável.
Menos do que a ideologia subjacente à candidatura de Cavaco Silva – ele é, de facto, um homem de direita -, o que verdadeiramente contou para esta falta de entusiasmo dos partidos que o apoiaram foi, por um lado, da parte dos sectores mais extremistas, a ausência de coragem política do candidato-Presidente para se opor a certas medidas aprovadas pela esquerda no Parlamento (de que são exemplo todos os diplomas legislativos relacionados com os chamados “costumes”); e, por outro, por parte dos dirigentes e dos militantes de direita, a profunda convicção de que Cavaco é um político que age no quadro de um grupo restrito que hegemoniza, perfilhando esse mesmo entendimento relativamente a todos os que a ele se juntam. Cavaco não é homem para concertar estratégias com os seus apoiantes; Cavaco exige dos seus apoiantes a adesão incondicional às estratégias que ele próprio elege. É mais um homem que se serve e que tem uma visão instrumental dos partidos, do que um homem de partido. Por todas estas razões, Cavaco Silva não seria nesta fase da vida política portuguesa um candidato apetecível para os partidos que o apoiaram, tendo havido, por isso, todas as condições para ser batido.
Hoje é fácil explicar por que razão Cavaco foi eleito e a esquerda derrotada. Mais difícil teria sido há mais de um ano dar corpo a uma estratégia vencedora que poderia inclusive ter levado à não apresentação de Cavaco Silva como candidato. Modéstia à parte, talvez valha a pena ler agora o que aqui se escreveu em 23/09/09; 01/10/09.
É lamentável que tenha havido uma errada interpretação dos resultados eleitorais de há cinco anos, tanto no plano individual como colectivo, e tenha havido quem jogando na possibilidade de colocar o PS entre a “espada e a parede” e de “obrigar” o PCP a apoiar um candidato que não escolheu, tenha deitado tudo a perder em mais uma triste manifestação de uma “doença infantil” que quando ataca os “homens maduros” deixa muitas dúvidas quanto à sua própria maturidade política.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

CAVACO SILVA: O DISCURSO DA VITÓRIA


AS PALAVRAS DE CAVACO

O discurso de vitória de Cavaco Silva não pode deixar de ser considerado surpreendente pelos seus mais importantes apoiantes políticos. Onde estes certamente esperariam palavras de grandeza à altura do cargo e da vitória, não muito diferentes daquelas que até hoje sempre pautaram os discursos dos Presidentes eleitos, proferidos na noite do desfecho eleitoral, depararam-se com palavras ressentidas, onde não era difícil perscrutar uma vontade de vingança reprimida, com algumas passagens ao nível de outras que já se tinham ouvido a políticos menores que foram a votos com questões patrimoniais de natureza pessoal por resolver. Também estes políticos se escudaram no voto popular para deixar sem resposta as questões que a democracia escrutinava.
Certamente que uma campanha política se faz em torno de ideias, de programas, de propostas. Mas não é indiferente a personalidade de quem defende as ideias, de quem apresenta os programas, de quem formula as propostas.
Cavaco Silva pode supor que as questões de natureza pessoal levantadas na campanha são indignas e que, como tal, podem ser plebescitadas pelo voto popular. Mas não podem!
Em aberto continuam questões sem resposta. A aquisição de acções, num aumento de capital de uma sociedade, por um preço privilegiado, apenas reservado a quatro entidades por deliberação da Assembleia Geral, é uma questão em aberto, diga Cavaco Silva o que disser. Tanto mais em aberto quanto se sabe que tais acções foram menos de dois anos mais tarde vendidas à sociedade que as emitiu, ou uma outra dela inteiramente dependente, por um lucro de 140% e se sabe ainda que essa mesma sociedade e o banco por ela detido a cem por cento incorreram numa das maiores fraudes da história da banca portuguesa. Que ambas as instituições eram geridas por amigos políticos de Cavaco Silva, alguns a contas com a justiça, e se sabe por fim que as consequências patrimoniais de tal descalabro não recaíram sobre os accionistas, como seria normal, mas sobre o contribuinte português, que será obrigado com o seu esforço a colmatar aquele prejuízo e, mais grave ainda, sobre os trabalhadores do sector público que por via de um confisco parcial do seu salário são igualmente chamados a pagar aquele e outros desmandos!
Esta questão não é uma calúnia. É uma questão política da maior importância.
Como em aberto continua a permuta declarada de uma vivenda por um terreno quando uma das pessoa intervenientes no negócio já declarou publicamente que houve uma permuta de vivenda por vivenda! Independentemente das questões de facto que tal negócio levanta, há questões fiscais que estão por resolver. E disso Cavaco Silva não pode livrar-se.
Mas as palavras de Cavaco não recordam apenas aqueles que pretendem encontrar nos votos todas as respostas a perguntas incómodas, elas recordam também a tristemente célebre “intentona das escutas” no desenvolvimento da qual Cavaco Silva exibiu perante todos os portugueses a sua capacidade para formular um raciocínio lógico, coerente e convincente. Também agora com o então Cavaco acredita que há por detrás das perguntas que os seus negócios suscitam uma cabala laboriosamente urdida por uma mente pérfida que o pretende denegrir.
A conta em que Cavaco Silva se tem ou em que gostaria que os outros o tivessem não corresponde mais à ideia que a partir destas eleições muitos milhões de portugueses dele terão. E Cavaco sabe disso. Daí a sua incontida revolta.
Cavaco Silva ficou, como muito bem disse Defensor Moura, definitivamente apeado do altar em que ele próprio se alcandorou. A partir destas eleições os portugueses conhecem-no melhor.
As palavras de Cavaco no dia da vitória são palavras crispadas, ressentidas, porventura premonitórias da crispação existente na sociedade portuguesa. Cavaco, como muito bem se sabe pelo seu passado político, não é homem para atenuar as diferenças e unir os portugueses. Pelo contrário, como ainda hoje ficou demonstrado há nele uma vontade de desforra ressentida de alguém que se sentiu tocado naquilo que mais laboriosamente havia construído durante toda a sua vida política: a imagem com que gostaria que os portugueses o vissem. Mas não foram os seus adversários políticos que lhe obscureceram a imagem, foi ele próprio com a sua obstinada recusa em se deixar democraticamente escrutinar.
A análise política da reeleição de Cavaco Silva fica para mais tarde…

domingo, 23 de janeiro de 2011

O "OLHAR DO TURISTA"



A PROPÓSITO DOS INDICADORES ECONÓMICOS DE DEZEMBRO

Já aqui abordámos este tema há mais de um ano. Não há olhar mais impreciso, mais imperfeito, menos rigoroso e, simultaneamente, mais convencido das suas verdades do que o do turista.
O turista olha, fotografa, contacta, mas não “vê” o país que visita em toda a sua complexidade, porque isso não é possível.
Ficaram famosas na pré-campanha eleitoral francesa das últimas presidenciais as observações de Ségolène Royal sobre a China, fundamentadas numa visita semi-turística que tinha feito ao grande país asiático.
Foi com um olhar semelhante ao do turista que no passado mês de Dezembro jornalistas, comentadores e muita outra gente asseguravam “com base no que se via” um consumo interno nunca visto em anos anteriores.
Forneciam-se dados parcelares do cartão multibanco, dissertava-se sobre o movimento nas lojas e concluía-se que, afinal, a crise ainda não tinha chegado. Pelo contrário, havia uma vitalidade nunca vista.
E, afinal, segundo os dados do Banco de Portugal, o que se passou foi exactamente o contrário: “a actividade económica entrou em queda em Dezembro de 2010, empurrada sobretudo pelo consumo privado, que recuou 0,5%, segundo os indicadores do Banco de Portugal, ontem divulgados”.
É que uma coisa é o que parece…outra o que é. E o que acontece em Portugal é que a riqueza está cada vez mais injustamente distribuída, há cada vez mais pobres e os ricos são cada vez mais ricos.
O país tem cerca de 10 milhões de habitantes e hoje há menos gente a consumir do que havia o ano passado e há dois anos. Quem olha com o “olhar do turista” não enxerga o que realmente se passa.

sábado, 22 de janeiro de 2011

CASAMENTOS


UMA PERGUNTA INOCENTE

Um cidadão da Arábia Saudita pode casar-se em Lisboa, no consulado do seu país, com três cidadãs portuguesas?
Creio que o casamento poligâmico, no sentido de casamento celebrado simultaneamente com duas ou mais mulheres (se fosse ao contrário seria poliândrico), sendo todos os nubentes solteiros, não é crime à luz do direito português (pelo menos, não está previsto no Código Penal), embora a bigamia seja.
E não sendo crime pode o acto, à luz do direito internacional, deixar de ser praticado, se o direito da Arábia Saudita o permitir?
É apenas uma pergunta para ajudar ao debate...sem qualquer intenção de nele continuar. O acto formal do casamento, em qualquer das suas múltiplas modalidades, não é certamente nos tempos correntes das questões mais mobilizadoras.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O BALANÇO DA CAMPANHA


O QUE DELA RESTA

A maioria dos comentadores considera a campanha para as presidenciais uma das mais desinteressantes de todo o regime democrático português.
É bom que se perceba por que está tão arreigada esta convicção na generalidade do povo português e por que razão a campanha constituiu uma desilusão para quase todos, não apenas para os que não participam em comícios, arruadas e outras tipo de acções, mas também para muitos destes, se não para os próprios candidatos, como resulta de algumas intervenções televisivas.
A primeira explicação deve buscar-se na profunda transformação ocorrida nestes últimos dez anos no seio da União Europeia, acentuada pela recente crise da dívida e do euro, que fez com os países menos influentes - na prática quase todos, com excepção dos que realmente mandam: a Alemanha, com o apoio da França, a abstenção da Inglaterra, a indiferença da Itália, e mais um ou dois países ricos - deixassem de ter uma palavra importante sobre quase tudo o que é importante para o seu próprio destino.
Esta ideia que corresponde ao que de facto se passa é claramente compreendida e interiorizada pelas classes dirigentes, mas é também intuída pelo povo em geral por via de um sentimento difuso de impotência e incapacidade para o arreigamento do qual muito têm contribuído aqueles que, tendo desistido de lutar em Bruxelas, apresentam as suas decisões como uma inevitabilidade resultante de algo que não podem comandar, nem sequer influenciar.
Perante este quadro numas eleições como as presidenciais, onde esse poder de intervenção é ainda menor e confuso – menor porque o Presidente não governa e confuso porque numa campanha presidencial surgem sempre propostas impossíveis de concretizar – é natural que o povo se afaste, tanto mais quanto menos interessantes são os candidatos e as propostas que eles apresentam.
Por outro lado, o povo também compreende que as propostas de ruptura para serem viáveis têm de ser realistas, exequíveis e não apenas demarcadoras de um terreno que se ocupa no quadro de um mero protesto destinado a não perdê-lo ou a ampliá-lo para fins futuros.
Em segundo lugar, mesmo nestes estritos limites em que a campanha tenderia sempre a realizar-se, a sua animação poderia ter sido outra se a demarcação esquerda/direita correspondesse, pelo lado da esquerda, a uma ruptura geracional capaz de entusiasmar largos estratos etários que dela estão completamente alheados e, por outro, reunisse em si potencialidades aglutinadoras de toda a esquerda, quanto mais não fosse numa segunda volta.
Como nada disto aconteceu, o saldo positivo que resulta desta campanha é o fim do mito Cavaco, como personalidade política apolítica, como individualidade acima de qualquer suspeita e relativamente à qual nem sequer havia a ousadia de a ligar a algo que fosse menos recomendável ou digno, e ainda a sua confirmação como político demagógico e limitado, incoerente e incapaz de compreender os grandes desafios que se põem ao futuro de Portugal, realidade excessivamente ilustrada pela repetição de banais lugares comuns que apenas atestam as suas limitações!

COELHA: ESTÁ DESFEITO O ENIGMA?


NÃO, NÃO ESTÁ.

Fernando Fantasia, amigo de Cavaco Silva e homem ligado à SLN, em entrevista concedida ao JN, explica o “negócio da Coelha”
Tal como se suspeitava, há uma clara divergência entre o negócio realmente efectuado e o negócio declarado - o que consta da escritura.
Da escritura consta a permuta de um prédio urbano (a vivenda Mariani) por um prédio rústico (o terreno onde está hoje edificada a Vivenda Gaivota Azul).
Ao contrário do que diz Fantasia, não houve troca entre dois prédios urbanos, porque à data – 1998 – só um existia, o de Montechoro.
O que realmente houve foi a permuta de um prédio urbano por um rústico, ficando o permutante deste obrigado a nele edificar uma vivenda nas condições acordadas pelas partes.
Esta divergência entre o que foi declarado e o que realmente foi acordado existe, indiscutivelmente, e era relevante para efeitos fiscais (sisa).
A segunda questão que se põe – e agora já há legitimidade para colocar todas as questões, porque um representante de uma das partes já confessou que o negócio efectivamente realizado não é o que consta da permuta – é saber o que realmente ficou acordado entre os contraentes: se o permutante do terreno ficou obrigado a construiu a vivenda que hoje lá existe nada mais recebendo, como contra-prestação, do que a “vivenda Mariani”; ou, se, além desta, Cavaco Silva ficou obrigado ao pagamento de qualquer quantia suplementar.
Na entrevista ao JN, Fantasia dá a entender que houve troca por troca, casa por casa. Assim sendo, de duas uma: ou as vivendas tinham o mesmo valor e não houve qualquer favor; ou, como muitos dizem, a da Coelha valia muito mais do que a de Montechoro e nesse caso Cavaco Silva, ao contrário do que ontem aqui se disse, terá feito um excelente negócio.
Se esse tiver sido o caso, a empresa de Fantasia, à época, como ele próprio diz, ainda não ligado à SLN, limitou-se a fazer um favor, um grande favor a um amigo – um favor porventura de muitos milhares de contos!
A dúvida persiste, mas como tudo se passou entre amigos é bem possível que assim tenha sido. Aliás, a Visão já demonstrou que,quem começou por comprar as sociedade off shores, proprietárias dos terrenos da urbanização da Coelha, foi uma sociedade constituída, além de Fantasia e outros, por um outro amigo de Cavaco - Carpeto Dias –, ao tempo seu assessor em São Bento! Tudo entre amigos, portanto!
Questão igualmente relevante para efeitos fiscais (e que ninguém tem abordado) é a do valor atribuído às prestações permutadas pelo contrato de 1998. Vinte e sete mil contos pela vivenda de Montechoro é pouco, muito pouco. Nem o dobro chegaria para a comprar! Mas como tudo foi negociado entre amigos o fisco será certamente compreensivo…
Enfim, as coisas são como são: certos sectores da imprensa não estão interessados em investigar nada, outros investigam mal ou não sabem investigar e tudo ficará na mesma depois das eleições. De seguro apenas uma certeza: após a passagem de Cavaco Silva por São Bento negócios e política nunca mais voltaram a ser o que eram antes. É a vida!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

CASA DA COELHA: ESTRANHO NEGÓCIO




FINALMENTE, A ESCRITURA PÚBLICA

Finalmente, a leitura da escritura pública da famosa permuta do terreno da Coelha pela Mariani.
A interpretação mais razoável do que nela vem escrito leva-nos à conclusão de que Cavaco Silva trocou a vivenda de Montechoro, a conhecida Mariani, por um terreno na Praia da Coelha, tendo sido atribuído a ambos os prédios o valor de 27 000 contos.
O conceito de ambos parece ser aqui sinónimo de "a cada um", embora não seja de excluir a interpretação mais literal segundo a qual se atribuiu aos dois em conjunto (ambos) aquele valor, ou seja, 13 500 contos a cada.
Seja uma ou outra a interpretação, há aqui qualquer coisa que não bate certo.
No primeiro entendimento, Cavaco Silva pagou pelo terreno 27 000 contos. Ou seja, fez um péssimo negócio, um negócio ruinoso, impróprio de quem nunca se engana e raramente tem dúvidas, porque em 1998 o preço de mercado para aquela área de terreno e respectiva localização era obviamente muito inferior.
No segundo entendimento, “ganhou” de um lado - o valor do terreno baixou - mas perdeu do outro - a casa foi vendida muito barata quase se podendo dizer ao desbarato (uma vivenda com jardim e piscina no centro de Montechoro por 13 500 contos seria, em 1998, uma verdadeira pechincha!). Ou seja, o negócio era igualmente ruinoso.
Às vezes acontece – não me estou a referir ao negócio em análise - este tipo de permutas encobrir um negócio simulado. Ou seja, as prestações trocadas não são as declaradas na escritura, mas outras. Por exemplo: o titular do prédio rústico, além da transferência deste, fica também com uma outra obrigação, por exemplo, a de edificar uma moradia, nas condições acordadas pelas partes em documento separado.
Normalmente, a simulação descobre-se porque há uma grande desproporção entre as prestações que se permutam ou porque há uma avaliação defeituosa (para menos) das prestações trocadas ou de uma delas.
Estes negócios simulados podem servir vários fins: podem servir para iludir o fisco, mas podem também encobrir um negócio de favor.
Imagine-se que a prestação a cargo de um dos permutantes, por exemplo, a daquele que tem que a obrigação de construir, é muito mais onerosa do que a do outro contraente. Ou seja, a simulação pode ser tão bem feita que aquele que aparentemente ficou a perder é o que afinal fica a ganhar e muito! É o que acontece, no exemplo dado, quando a nova construção vale muitíssimo mais do que a construção que foi dada em troca.
No “caso da Coelha” a única coisa que realmente se sabe é que a gente ligada à SLN/BPN tão acusada, a justo título, de praticar “imparidades” prejudiciais à sociedade, desta vez conseguiu uma “imparidade” de sentido inverso. Conseguiu trocar um terreno de cerca de 2000 m2 por uma vivenda, com piscina e jardim, no centro de Montechoro! Grande negócio!
Quem fica mal na fotografia é o economista Cavaco Silva…E fica tão mal que nem sequer vai querer exibir o contrato que fez com o empreiteiro para a construção da casa, nem os recibos dos respectivos pagamentos...
E...e…e..e..

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A COELHA VAI A VOTOS?



É O QUE DIZEM OS APOIANTES DE CAVACO SILVA

Quem ouve os apoiantes de Cavaco Silva nas televisões, na rua, na campanha não pode deixar de concluir que as questões a que Cavaco Silva não quer responder vão ficar esclarecidas no próximo dia 23.
É o que eles dizem: o povo português vai responder às vossas dúvidas no próximo domingo!
Grande democracia a nossa, não há dúvida: a democracia que leva a votos os negócios particulares de Cavaco Silva!
ADITAMENTO
Entretanto, corre na internet notícia de que uma revista, a Sábado, encontrou num cartório de Lisboa a escritura de aquisição da casa(?), terreno (?) da Praia da Coelha. Sem prejuízo de esclarecimentos mais detalhados que a revista amanhã possa publicar, o que hoje vem publicado não esclarece rigorosamente nada.
A questão está em saber o que se trocou, o que foi permutado entre os contraentes. Aparentemente (e digo aparentemente porque não tenho elementos para mais), a prestação de Cavaco Silva foi a vivenda que tinha no Algarve, em Montechoro, e a contra-prestação do outro permutante - aparentemente uma empresa (?) gerida (?), maioritariamente detida, (?) por Fernado Fantasia (?) - o que deu em troca? Esta é que é a questão. Ou seja, saber se há ou não correspectividade entre as prestações.
E claro que o problema põe-se - há que dizê-lo com toda a frontalidade, plagiando Baptista Bastos - porque os negócios feitos por gente ligada à SLN/BPN tinham tudo menos correspectividade (equilíbrio, equivalência) entre as prestações, como o inquérito parlamentar amplamente documentou, o Banco de Portugal confirmou e o erário público pagou!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CAVACO SILVA: ADENSAM-SE AS DÚVIDAS


COMO E A QUEM FOI ADQUIRIDO O TERRENO DA CASA DA COELHA?

Cavaco Silva pode continuar a não explicar, pode inclusive ser reeleito sem esclarecer qualquer dúvida, mas não pode eliminar as dúvidas que cada vez mais se adensam sobre as suas ligações a pessoas do BPN.
E estas dúvidas, se porventura for reeleito, irão acompanhá-lo durante todo o seu mandato. Um Presidente da República, instituição máxima do regime republicano, não pode conviver com dúvidas acerca da honorabilidade de negócios realizados pelo cidadão que conjunturalmente ocupa aquele cargo. Em nome da dignidade da República e do cargo, Cavaco Silva tem de explicar-se, porque nenhuma das explicações que até agora facultadas foi suficiente para esclarecer o que se passou com a compra das acções da SLN e com a aquisição do terreno da Casa da Coelha.
Na política, em democracia, todos são escrutinados. Cavaco não está, contrariamente ao que afirma, acima de qualquer suspeita. Nem ele, nem ninguém.
E, em vez de se vitimizar e de andar a espalhar aos quatro ventos que o querem caluniar, deveria pura e simplesmente explicar as dúvidas que os seus negócios suscitam. Ele, Cavaco Silva, como cidadão, e não remeter os jornalistas nem todos os outros que querem ser esclarecidos para o site da Presidência da República.
A Presidência da República não é para aqui chamada. Não foi como Presidente da República que ele celebrou os negócios que levantam dúvidas. Foi como Aníbal Cavaco Silva.
E as perguntas que continuam sem resposta são: A quem comprou Cavaco as acções da SNL? Desconhecia Cavaco que tais acções lhe estavam a ser vendidas a menos de metade do preço fixado para os não accionistas? Não se apercebeu Cavaco de que ao adquirir por aquele preço acções da SLN poderia estar a emprestar o seu nome à operação de aumento de capital então em curso? Pode Cavaco exibir o documento comprovativo da compra das acções?
Quanto ao terreno da Casa da Coelha não são menores as dúvidas que a transacção suscita. A Visão online tem matéria suficiente para exigir explicações. Em vez da fazer resumos, mais vale ler aqui o que a Visão apurou.
De qualquer modo não se percebe o que Cavaco permutou. Um terreno na Coelha por uma vivenda em Montechoro? Uma vivenda em Montechoro por um terreno na Coelha mais a respectiva construção de uma vivenda (T6) com logradouro? E o permutante é simultaneamente o titular do terreno e construtor civil da vivenda? Só de facto com a escritura de permuta, que Cavaco Silva não mostra, se poderiam esclarecer algumas dúvidas.
Por outro lado, seria interessante que a Visão investigasse em nome de quem está registada a casa que Cavaco tinha em Montechoro, aparentemente objecto desta permuta.
Sobre o que não há dúvida é que o espírito da SLN ronda Cavaco!

PRÓS E CONTRAS - AS LIMITAÇÕES DE UM DEBATE



APONTAMENTOS AO CORRER DA PENA


O “Prós e Contras” de ontem tratou essencialmente da crise portuguesa no contexto da crise da dívida e do euro.
Entre o discurso cavernícola dos economistas de serviço, que por acaso até não eram os mesmos do costume, e a mítica ideia de Europa, alimentada por um discurso aparentemente crítico, mas na realidade incapaz de compreender o que realmente se passa, tudo acaba, como sempre, na inevitável convergência sobre a necessidade de “rever” as leis do trabalho e a constatação da incapacidade de tomar “as medidas que se impõem”.
Criados no pensamento único, apesar de alguns terem protagonizado dentro dessa unicidade uma reviravolta coperniciana que os fez passar directamente de Mao Tse Tung para Milton Friedman, estes nossos comentadores foram “educados” num clima político e social tributário do pensamento neoliberal em luta contra o trabalho como factor de produção organizado. Tudo o que possa desagregar e isolar o trabalhador é bom para a economia, sem que sequer lhes passe pela cabeça saber quais as reais consequências desse constante e progressivo empobrecimento da grande maioria, ou seja, de quem trabalha a um nível de retribuição médio-baixo. Isso não importa. O que interessa é que o lucro aumente e, eventualmente, a economia cresça, quando cresce, nem que seja só em proveito de alguns.
Logo, as “medidas que se impõem” são as que garantem este resultado, independentemente das consequências.
Este é o primeiro grande preconceito. Entender que o que é bom para a economia é algo que tecnicamente se exprime numa maior taxa de lucro e, eventualmente, numa taxa de crescimento, independentemente do modo como essa riqueza se redistribui, constitui um grave erro que a actual situação dramaticamente ilustra, além de ter como consequência um resultado socialmente inaceitável.
É claro que não percebendo isto os “nossos comentadores” nunca irão perceber por que há divida e défice ou, quando muito, irão, como Cavaco, imputar essa responsabilidade ao desregramento comportamental dos diversos agentes económicos, situem-se eles no Estado, na direcção das empresas ou pura e simplesmente no plano do consumo! Enfim, tudo consequência de comportamentos que um “homem certinho” jamais teria!
No caso português, o preconceito acima aludido é tão grande que nem sequer lhes permite ver aquilo que as matemáticas demonstram: os salários em Portugal não só não subiram acima da competitividade da economia, como tão-pouco são os seus custos os que, proporcionalmente, mais oneram o custo final do produto, não advindo do custo desse factor de produção a perda de competitividade das empresas.
A segunda questão que os “comentadores oficiais” tratam como uma questão técnica, embora frequentemente a refiram como questão política, é a Europa, melhor dizendo a União Europeia.
Deixando de lado a questão da Europa em toda a sua complexidade, e atendendo apenas à questão da dívida, é preciso perceber que o que neste momento está em jogo é saber se a sua reestruturação (sim, porque a dívida não poderá deixar de, mais tarde ou mais cedo, ser reestruturada) se vai fazer sob a “égide dos devedores” ou sob a “égide dos credores”. E é isto e nada mais que explica a posição da Alemanha.
A própria actuação do BCE, ao contrário do que vulgarmente se pretende fazer crer, prossegue este mesmo objectivo, com uma nuance: a de salvar os grandes devedores dos grandes credores à custa dos contribuintes dos países endividados.
A divergência que possa haver entre o BCE e a Alemanha não tem a ver com os objectivos prosseguidos, que são os mesmos, mas com as consequências que podem resultar da opção por ele adoptada para os atingir. Por outras palavras, a Alemanha receia que a actuação do BCE provoque inflação. E, entre outras consequências socialmente inconvenientes, os credores perdem com a inflação.
Portanto, é completamente falso que o BCE esteja a “ajudar” Portugal (ou outro país) ao comprar dívida no mercado secundário. Quem o BCE está a ajudar são os grandes devedores dos grandes credores à custa dos contribuintes, aos quais, reflexamente, acaba por conceder uma pequena folga quando comparado o resultado da sua actuação com o que resultaria de uma actuação pura e dura como a que o Bundesbank propõe e Merkel defende!
Mas é ainda importante que se diga, principalmente numa altura em que ninguém o diz, que o Fundo de Estabilização Financeira, vulgo "FMI", tanto na sua versão rígida (a actual) como na versão flexível (a proposta por alguns) não resolve qualquer problema, como já se está a ver com a Grécia e com a Irlanda. De facto, os efeitos normalmente associados à intervenção do "FMI" - contracção orçamental, desvalorização, inflação, crescimento - não se verificarão na zona euro. Apenas ocorrererá o primeiro que isoladamente considerado nunca poderá gerar crescimento, mas apenas e só recessão. E sem crescimento e com empréstimos a uma "benemérita" taxa de juro de cerca de 6% - que é a do FEF - jamais a dívida poderá ser paga ou sequer aliviada.
Ou seja, todas as medidas que "estão em cima da mesa" não passam de paliativos.

Saber o que vem depois ou as consequências perversas que isto possa ter para todos, inclusive para quem impõe estas políticas, é uma questão que o capitalismo em regra não coloca quando o que está em causa no imediato é a estabilidade do seu próprio sistema financeiro. Além de que a Alemanha, como a História abundantemente demonstra, tem “vistas curtas”

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

QUEM NO GOVERNO QUER O FMI?


OU A PSEUDO-INGENUIDADE DOS DISSIDENTES

Ninguém acredita que quem está na política há mais de duas décadas actue ingenuamente em momentos cruciais para a “linha oficial” do partido a que pertence e do Governo que integra. Não é crível que quem não faz outra coisa senão política, nem tenha dado provas de saber fazer outra coisa senão política, cometa deslizes comprometedores por simples negligência.
Tudo na acção política tem um sentido. E quem anda nela sabe muito bem o sentido que pode ser dado às palavras que profere ou às acções que pratica.
Sócrates, independentemente de todas as responsabilidades que lhe possam ser atribuídas na condução de uma política económico-financeira nefasta para o interesse nacional, principalmente por não ter ousado inverter o “rumo das coisas” em Bruxelas, nem ter tido um discurso crítico relativamente aos diktats que de lá vinham, não quer a entrada do FMI em Portugal. E nem interessa agora discutir as motivações subjectivas que subjazem a esta atitude: se as dramáticas consequências daquela intervenção para os portugueses de baixo e médio rendimento; se as trágicas consequências para o seu Governo,inevitavelmente associado a tudo o que de pior ainda acontecesse a partir de então; se ambas, pura e simplesmente.
Por isso Sócrates se tem desdobrado em contactos nos quatro cantos do mundo, num esforço de diversificação das relações comerciais, económicas e financeiras, por há muito já ter chegado à conclusão de que com os nossos “mui estimados amigos” não iria a lado nenhum e teria mais dia, menos dia, que seguir o exemplo da Grécia e da Irlanda.
Também não pode constituir novidade para ninguém, a começar obviamente por Sócrates, que a colocação da dívida pública a um juro próximo dos 7%, mas claramente inferior à última taxa exigida para empréstimos da mesma natureza, não constitui um bom negócio nem garante a sustentabilidade da nossa economia, porque ninguém – indivíduo, empresa ou Estado – pode aguentar pagar uma taxa de juro várias vezes superior à sua taxa de aumento de rendimento, de lucro ou de crescimento.
Só que o problema que há uma semana se colocava não era obviamente este. O problema consistia em saber se se invertia a tendência, ou se, pelo contrário, se agravava, tornando de imediato inevitável o recurso ao eufemísticamente chamado “Fundo de Estabilização Financeira", com todas as consequências que daí decorrem, aqui já várias vezes referidas. A inversão da tendência, pelo contrário, embora em si nada resolvesse, teria a enorme vantagem de proporcionar um relativo alívio, que, além de poder ser aproveitado, como está a ser, para a diversificação das relações, poderia permitir também a eventual consolidação no seio da própria União Europeia, naquilo a que se poderia chamar um certo establishment relativamente dissidente, de certos desenvolvimentos tendentes a alterar a doutrina ultra ortodoxa defendida pela Alemanha e seus fiéis acólitos (Holanda, Áustria e Finlândia), como a flexibilização do tal “Fundo de Estabilização”, o aumento da sua capacidade de financiamento, a emissão de eurobonds, enfim, uma relativa alteração da política do BCE, tendente a proximá-lo da Reserva Federal ou do Banco de Inglaterra.
Mas, além disso, permitiria também – e aqui só mesmo a estupidez da habitual matilha de comentadores económicos não vê – aguentar o mais possível a situação de um pequeno país cujo resgate à “grega ou à irlandesa” não constituiria qualquer problema para a União Europeia e, simultaneamente, deixar agravar a situação da Espanha a ponto de exigir uma intervenção muito diferente daquela que tem sido feita até aqui, sob pena de tudo se desmoronar.
Percebendo isto em todos os seus detalhes ou simplesmente intuindo (o mais provável) que tudo o que possa atrasar a entrada do FMI é mau, a direita, com Cavaco à frente, e os seus aliados atrás, tudo tem feito para evitar que esta estratégia tenha êxito.
Cavaco na própria manhã da colocação da última partida de dívida logo desmereceu os resultados da operação e, seguramente guiado pelos seus altos padrões morais – os que lhe permitem comprar (?) acções a preços reservados a Oliveira e Costa ou às suas SLN; ou comprar (?), permutar (?) terrenos oriundos de empresas off shores (dedicadas à especulação fundiária) entretanto adquiridas por um seu amigo que à data da aquisição era seu assessor no gabinete da PCM; ou perceber três reformas, duas delas de trabalho a tempo inteiro –, a idoneidade dos compradores. “É preciso saber quem comprou”, disse ironicamente.
Muito louvável esta atitude de querer saber quem compra ao Estado títulos ao portador, por parte de quem desconhece, nos seus negócios particulares, a quem comprou, por quanto comprou e a quem vendeu!
Mas Cavaco não está só. Tem quem o apoie dentro do Governo. Tem dentro do Governo quem, como ele, ache que é preciso demonstrar muito respeitinho pelos “senhores investidores”; quem, como ele, se insurja contra o debate parlamentar que se seguiu à aprovação do Orçamento entre aqueles que o aprovaram; quem, como Merkel, ache que é preciso constitucionalizar os limites do défice e da dívida…porque é através de proibições defensoras da mais pura ortodoxia monetarista que se obtém a “salvação do euro” e a “prosperidade económica”.
Não admira, por isso, que Sócrates tenha sido publicamente desautorizado sobre o objectivo da sua recente visita ao Qatar! Que haja no Governo quem confirme o que ele negou…
Esta confissão ajuda a direita a atacar por uma de duas vias: ou porque falhou o objectivo da operação; ou porque o comprador não pertence ao “selecto grupo dos senhores investidores” de Frankfurt, Paris, Londres ou Nova York, tudo terras onde o “capital tem pátria”!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O "ESPÍRITO" DA SLN RONDA CAVACO



AS COINCIDÊNCIAS SUCEDEM-SE

Aquela de Cavaco Silva ter dito que era preciso nascer duas vezes para ser mais sério do que ele pressupõe, entre muitas outras coisas, uma excelente memória…ou então o poder suficiente para que impedir que alguém tenha o atrevimento de lhe solicitar publicamente o exercício daquela predestinada faculdade.
Acontece que Cavaco não tem uma coisa nem outra. E se lhe falta a primeira por dano irreparável da natureza, também não vai conseguir a segunda por muito que os “ventos da história” estejam ávidos de soprar nesse sentido.
Cavaco não se recorda de factos que agora são importantes para aqueles seus compatriotas que neste momento estão fazendo um grande esforço para não ter que nascer pela segunda vez.
Um “abastado investidor” que tenha comprado meia dúzia de acções nos “leilões” das privatizações e outros tantos títulos obrigacionistas é capaz de se recordar de quanto lhe custaram umas e outros, a quem e onde os comprou.
Cavaco, um “mísero professor”, tão cheio de qualidades e de requisitos para o exercício do cargo de PR, não se recorda de nada que diga respeito às acções da SLN adquiridas em 2001. Entregou-se completamente nas mãos do BPN. E se assim fez para a compra outro tanto seria de esperar para a venda!
Também não é capaz de explicar como é que um funcionário do Banco de Portugal pode exercer a docência a tempo inteiro na Universidade. Primeiro, ou a partir de certa altura, na Nova; depois na Nova e na Católica.
E também a este respeito o que não sobram são dúvidas que a memória não dissipa. Em primeiro lugar, como se podem exercer dois empregos a tempo inteiro, desde que um seja público? Em segundo, que fundamento tem a notícia veiculada à época de que a partir de determinada altura passou a exercer funções na Católica, mantendo na Nova apenas o ordenado? E o que teria acontecido ao processo disciplinar remetido pelo reitor Alfredo de Sousa ao Ministro da Educação (Deus Pinheiro)?
Factos que a memória de Cavaco Silva, se fosse boa, certamente ajudaria a esclarecer.
Mas é seguramente pedir-lhe muito. Como se pode pedir tal coisa a uma pessoa que, segundo a Visão, se não recorda da escritura de compra (ou permuta) do terreno que na década de 90 adquiriu na Coelha?
O esquecimento é o mundo das trevas. Aqueles que afadigadamente buscam luzes nas respostas de Cavaco para ficarem a saber se vão ter que nascer pela segunda vez podem ficar descansados: Cavaco nada esclarecerá ou não fosse ele um anti-iluminista!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

SINAIS DOS TEMPOS



A REVOLUÇÃO E A SUBCULTURA

Foi com alguma mágoa que no passado fim-de-semana se assistiu ao quase silenciamento da morte de Vítor Alves, um revolucionário de Abril, suplantada na generalidade dos media pelo destaque dado a certos fenómenos de uma subcultura muito em voga nos nossos dias.
Já ontem Sousa Duarte, no Público, em artigo de opinião, tinha chamado a atenção para aquele relativo silenciamento em detrimento de outras notícias que hoje alimentam preferencialmente os famigerados “critérios jornalísticos” de que os detentores dos media e seus fiéis validos se prevalecem para nos fazer mergulhar numa subcultura social, política e até económica com que nos preenchem o dia e lavam o cérebro.
Não admira por isso que Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de cronista "social" da política, tenha dedicado na sua pregação dominical mais tempo à lamentável morte de Nova York do que ao desaparecimento de Vítor Alves.
Felizmente, nem todos os maus exemplos fazem escola. Ainda ontem o El Pais dedicou quase uma página à morte de Vítor Alves.
ADITAMENTO
Sobre questões aqui abordadas incidentalmente, a não perder Carlos Amaral Dias na Grande Entrevista.

A DIFICULDADE EM ACOMPANHAR CERTOS DISCURSOS




NÃO VER AS DIFERENÇAS

Nada pior em política do que não enxergar as diferenças, seja com base em considerações estratégicas, seja com fundamento num tacticismo conjuntural. É óbvio para qualquer pessoa minimamente atenta que há uma direita à direita do PS, da qual fazem parte Cavaco e sua gente, bem com o resto do PSD e o CDS, além da direita não partidária, influente, que está por detrás de quase tudo o que é poder económico e ideológico.
Toda esta direita, sem excepção, embora com palavras diferentes, quer a entrada do FMI em Portugal pelas razões sobejamente conhecidas e que podem sintetizar-se nas palavras já publicadas neste blogue.
A entrada do FMI em Portugal obedece a um objectivo estratégico de profunda alteração do regime político-constitucional português, nomeadamente em tudo o que diga respeito à consagração de direitos sociais, retirando-os da Constituição e deixando, em sua substituição, um conjunto reduzido de frases vagas susceptíveis de ser interpretadas segundo a vontade de quem governa.
A experiência diz-nos que em situações limite, que tenham a ver com os fundamentos socioeconómicos do regime, nem todos aqueles que em situação normal seriam capazes de opor resistência, conseguem, em estado de crise declarado, manter a mesma consistência.
Mesmo sem alterações constitucionais significativas, a probabilidade de o FMI, uma vez cá dentro, pôr em prática medidas anticonstitucionais e, em qualquer caso, altamente lesivas dos sectores mais frágeis e numerosos da sociedade portuguesa é altíssima, para não dizer que é uma certeza.
A direita, com Cavaco como principal porta-voz, ficou altamente decepcionada por não ter havido hoje um agravamento da taxa de juro que tornasse desde já irreversível o recurso ao FMI, como já tinha ficado ontem com os números preliminares das contas públicas.
Cavaco, bem interpretado, chegou quase a dizer aos predadores financeiros que não acreditassem completamente no que se estava a passar, advogando a necessidade de deixar correr mais algum tempo para se ver em que medida as tendências subjacentes aos anúncios de ontem se consolidavam. Simultaneamente, receoso de que as suas palavras não tivessem o eco devido, agitou o espantalho da altíssima probabilidade da crise política para por essa segunda via relançar a dúvida sobre a situação económico-financeira, com vista, objectivamente, a agravá-la.
Quem, à esquerda, desconsiderar estas questões, por mais justas e devidas que sejam as críticas à política do Governo, não insistindo, como ponto fulcral do discurso político, no desmascaramento da política de direita, antes privilegiando os ataques “às manobras” do Governo deixando subentendido que se recreou uma realidade que os factos desmentem, comete um grave erro estratégico que nenhuma consideração táctica pode justificar!

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O ERRO DE KRUGMAN




PARA ALÉM DO ERRO DE ANÁLISE ECONÓMICA

Logo que me chegou a notícia do post de Krugman sobre Portugal – Portugal? O nao! -, minutos depois de publicado no seu blog do NYT, fiquei apreensivo com o seu teor e mais ainda quando horas depois foi transcrito no Estado de S. Paulo, em português, pelo aproveitamento que seguramente iria ter por parte da direita.
Krugman, que sem hipocrisia nutre simpatia pelo nosso país, demonstra pela forma relativamente titubeante como começa o post, que não tem um conhecimento profundo da situação macro-económica portuguesa, contrariamente ao que se passa, por exemplo, com a situação da Grécia, da Irlanda e da Espanha que domina melhor.
A referência ao abaixamento de salários que aqui há cerca de seis meses já havia feito num contexto diferente, e que rapidamente foi aproveitado pela direita que o execra, é agora repetida, sem outro contexto que não seja o que resulta do post, embora se saiba que as propostas de Krugman para a crise da dívida na zona euro passam por uma alteração estrutural da União Económica e Monetária, devendo aquela sua ideia interpretar-se no quadro do imobilismo reinante entre os principais Estados da zona euro, nomeadamente a Alemanha, que rejeitam qualquer outra concepção político-económica do euro, bem como qualquer outra saída da crise que não seja através de políticas recessivas, altamente penalizadoras da procura interna e do emprego.
Independentemente deste facto, de que a direita não quer saber, e independentemente do erro de análise económica de Krugman – um erro factual, de facto a perda de competitividade da economia portuguesa não resulta de nenhuma subida desproporcionada dos salários, contrariamente ao que se passa noutros países -, o erro substancial de Krugman é de natureza essencialmente política.
Uma personalidade como Krugman, que luta consequentemente contra a direita no seu país, ouvida em todo o mundo pelos seus atributos científicos e posições políticas, não pode “oferecer de bandeja” à direita portuguesa e europeia argumentos para agravar ainda mais o fosso que separa os ricos dos pobres e para tornar o trabalho no bode expiatório da crise da dívida, fazendo dele o alvo fácil e indefeso por que toda direita aspira.
Talvez Krugman não saiba que a direita portuguesa é social e politicamente falando tão ou mais cavernícola que a direita do seu país, e não é por ela não ter um discurso ostensivamente tão violento, do ponto de vista do confronto político, quanto a americana que ela deixa de olhar com desprezo para os direitos do trabalho e demais direitos sociais, estando sempre à espera que se lhe depare uma boa oportunidade (FMI, descalabro económico-financeiro, etc.) para poder pôr em prática o seu verdadeiro programa.
Mesmo involuntariamente, como é seguramente o caso, Krugman não pode prestar-se a esse papel.
Essa ideia muito difundida na América de que há na Europa, nomeadamente na Ocidental, uma espécie de “pacto” mínimo entre o capital e o trabalho com vista à institucionalização e manutenção de um Estado social amortecedor dos grandes desmandos do capitalismo pertence ao passado. É uma ideia que teve concretização prática entre o fim da guerra e a Queda do Muro de Berlim. Depois de 1989, principalmente depois de 1991, tudo mudou. Que Krugman não tenha ilusões: o grande inspirador do “pacto social” era o “espectro do comunismo”. Hoje o programa da direita é destrui-lo!