quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A DIFICULDADE EM ACOMPANHAR CERTOS DISCURSOS




NÃO VER AS DIFERENÇAS

Nada pior em política do que não enxergar as diferenças, seja com base em considerações estratégicas, seja com fundamento num tacticismo conjuntural. É óbvio para qualquer pessoa minimamente atenta que há uma direita à direita do PS, da qual fazem parte Cavaco e sua gente, bem com o resto do PSD e o CDS, além da direita não partidária, influente, que está por detrás de quase tudo o que é poder económico e ideológico.
Toda esta direita, sem excepção, embora com palavras diferentes, quer a entrada do FMI em Portugal pelas razões sobejamente conhecidas e que podem sintetizar-se nas palavras já publicadas neste blogue.
A entrada do FMI em Portugal obedece a um objectivo estratégico de profunda alteração do regime político-constitucional português, nomeadamente em tudo o que diga respeito à consagração de direitos sociais, retirando-os da Constituição e deixando, em sua substituição, um conjunto reduzido de frases vagas susceptíveis de ser interpretadas segundo a vontade de quem governa.
A experiência diz-nos que em situações limite, que tenham a ver com os fundamentos socioeconómicos do regime, nem todos aqueles que em situação normal seriam capazes de opor resistência, conseguem, em estado de crise declarado, manter a mesma consistência.
Mesmo sem alterações constitucionais significativas, a probabilidade de o FMI, uma vez cá dentro, pôr em prática medidas anticonstitucionais e, em qualquer caso, altamente lesivas dos sectores mais frágeis e numerosos da sociedade portuguesa é altíssima, para não dizer que é uma certeza.
A direita, com Cavaco como principal porta-voz, ficou altamente decepcionada por não ter havido hoje um agravamento da taxa de juro que tornasse desde já irreversível o recurso ao FMI, como já tinha ficado ontem com os números preliminares das contas públicas.
Cavaco, bem interpretado, chegou quase a dizer aos predadores financeiros que não acreditassem completamente no que se estava a passar, advogando a necessidade de deixar correr mais algum tempo para se ver em que medida as tendências subjacentes aos anúncios de ontem se consolidavam. Simultaneamente, receoso de que as suas palavras não tivessem o eco devido, agitou o espantalho da altíssima probabilidade da crise política para por essa segunda via relançar a dúvida sobre a situação económico-financeira, com vista, objectivamente, a agravá-la.
Quem, à esquerda, desconsiderar estas questões, por mais justas e devidas que sejam as críticas à política do Governo, não insistindo, como ponto fulcral do discurso político, no desmascaramento da política de direita, antes privilegiando os ataques “às manobras” do Governo deixando subentendido que se recreou uma realidade que os factos desmentem, comete um grave erro estratégico que nenhuma consideração táctica pode justificar!

5 comentários:

jvcosta disse...

Como é bom ver como "les bons esprits se rencontrent"!

Ou ainda vamos fazer um blogue a dois?...

Raimundo Narciso disse...

A advertência faz todo o sentido. Mas não será pregar no deserto?
Apesar de tudo, nalguns, noto uma certa diferença, para melhor. Ou estarei a tomar os desejos pela realidade?

Maria de Fátima Filipe disse...

Que não lhe doam as mãos nem os dedos no teclado. Estes alertas são necessários e urgentes, como de pão para a boca.

V disse...

O Cavaco ficou tão ressabiado com o resultado do leilão que perdeu o controle emocional e antecipou aquilo que reservava para depois das eleições: a ameaça de crise política.
Acertaste na mouche, mas não tenhas ilusões: há muita gente na esquerda a quem o Sócrates conseguiu tirar o discernimento. Era o que ele queria. É pena que tenha ido tão longe.
Abraço
V

jvcosta disse...

V, tens toda a razão. Voltando ao meu comentário inicial e ao que escrevi no meu blogue, estes tipos até estão a conseguir psiquiatrizar muito boa gente, fazê-los masoquistas.

Ando com grande dificuldade de conversar com gente de qualidade, muito mais com gente que representa o homem comum. As pessoas estão zangadas, com toda a razão, mas ficam irracionais, fecham-se em chavões, não têm a cabeça aberta. Faz-me pena, por amizade, mas principalmente atemoriza-me.

É a mais clássica das alienações, a da zanga anarca. Pior, agora, a da zanga que até nem é anarca, é zanga de grunhir sentado defronte da televisão e a receber/mandar sound bites. É zanga à Homer Simpson.

É a melhor zanga para os que fazem a hegemonia. É válvula de escape que faz com que tudo volte ao mesmo no momento importante do voto.

Desculpa, Zé, fico com a impressão de que estou a ser cuco, fazendo mais um post à tua custa do que um comentário ao nosso amigo V que já não pode ser VM. Mas já que escrevi, agora custa-me apagar :-)