AS CONEXÕES QUE IMPORTA
ESTABELECER
Aparentemente o título não faz qualquer sentido. Quem
acompanhou o debate quinzenal de hoje sabe que nem uma palavra foi dita sobre
as Forças Armadas, quer pelas bancadas, quer pelo Governo. E, todavia, as duas
questões estão ligadas como se perceberá melhor à medida que este post se for desenvolvendo.
O debate de hoje foi muito elucidativo, porventura o mais
elucidativo de todos os que até hoje se realizaram com Passos Coelho como
Primeiro Ministro. Para apreender o seu verdadeiro sentido é preciso vê-lo todo
e não apenas aqueles pequenos apontamentos que as televisões apresentam nos telejornais
e nos canais noticiosos.
Resumindo o mais possível o que se passou e tentando
simultaneamente ser fiel ao sentido dos diversos pronunciamentos, poderá
dizer-se:
Que o Governo não tem para Portugal nada de qualitativamente
diferente do que tem feito até agora; se alguma diferença há a esperar – e há –
ela será quantitativa: mais recessão, mais desemprego, mais falências; menos
poder de compra; mais reduções salariais; mais cortes nas pensões; menos
despesas sociais em todas as áreas (saúde, educação, segurança social e até no
assistencialismo). Foi isto o que Passos Coelho disse, com a mesma convicção
com que um cientista anuncia a última grande descoberta científica. Com uma
diferença de vulto: é que a convicção de Passos Coelho não tem nada de científico,
assentando antes numa crença (simultaneamente natural e servil) ideológica de
que depois da destruição renascerá um mundo novo. O futuro com o governo
PSD/CDS será este: arruinar até ao fim tudo o que existe, para renascer algo
novo – um novo que fará renascer o mundo liberal de há mais de cem anos com as
ferramentas de agora.
Que o PS não tem rigorosamente nenhuma alternativa a isto.
Seguro quer fazer umas cócegas na austeridade deixando completamente incólumes
as políticas em que ela assenta. O PS quer baixar o IVA na restauração para 13%
e arranjar umas obras na requalificação urbana (seguramente o grande contributo
ideológico prestado por Costa a Seguro) para as pequenas empresas de construção
civil para assim combater o desemprego e a falência. Sobre a dívida o PS quer mais
tempo, ou seja, quer mais dívida, mas simultaneamente quer rigor orçamental,
quer cumprir os objectivos impostos pela Troika, quer proibir Keynes (e já proibiu)
na política económica, como Seguro fez questão de frisar quando recordou ao
Primeiro Ministro o seu compromisso, o compromisso do seu partido, com a “regra
de ouro” inscrita na lei de enquadramento orçamental.
Que o PCP e o BE, embora com registos diferentes, sublinham o
crescente isolamento do Governo, a oposição do povo à sua política, enfim, a urgente
necessidade de mudar de governo e de política.
Foi perante o quadro assim descrito que Heloísa Apolónia
sintetizou muito bem o que estava vendo e ouvindo: Sr. Primeiro Ministro
explique-nos para onde vamos. O Senhor é contra os estímulos à economia porque
aumentaram o défice e a dívida, não estancaram o desemprego nem fizeram crescer
a economia. É pela austeridade, pela redução da procura e pelo corte
substancial da despesa pública, para contrariar os efeitos da política
anterior, mas a sua política não só tem mergulhado o país na recessão, como tem
aumentado o défice, a dívida e o desemprego. De maneira que a pergunta que eu
lhe ponho é esta: diga-nos, por favor, que medidas vai o senhor tomar para
aumentar o desemprego?
Este debate foi esclarecedor porque ele confronta o país com
duas opções incontornáveis: ou continuamos como estamos, sem qualquer saída,
sem qualquer domínio nem controlo sobre os factores que condicionam a nossa
situação, sem sequer termos a menor possibilidade de actuar sobre os constrangimentos
que pesam sobre a nossa economia; ou abrimos caminho para uma via diferente,
com a autonomia possível, mas sempre muito superior à que actualmente existe, recomeçando
de novo muitas das coisas que destruímos na louca e enganadora vertigem em que
vivemos nestes últimos vinte e cinco anos.
A primeira variante é defendida pelo PSD/CDS e pelo PS; a
segunda pelos partidos de esquerda, por sectores cada vez mais visíveis da
direita e por largas camadas da população que já aceita qualquer coisa, menos
isto.
Todavia, quem à esquerda acredita que é possível continuar onde
estamos, mudando radicalmente de política, tem primeiramente que explicar como
é que reestrutura a dívida para níveis de cumprimento de capital e juro suportáveis
por uma economia que nos últimos três, quatro anos, regrediu mais de cinco
anos. Tem que explicar como vai impor isto aos donos do euro e já agora como
vai fazer crescer uma economia que adoptou uma moeda cada vez mais alheia às suas
necessidades e à sua natureza e sobre a qual não exerce a mínima influência. Enquanto
estas questões não forem explicadas, não se poderá verdadeiramente dizer que
exista aqui uma alternativa.
Mudar radicalmente de política significa partir para uma negociação
com propostas que de antemão se sabe que não vão ser aceites, implicando a
insistência na sua praticabilidade na prévia aceitação de um quadro muito
diferente daquele em que temos vivido desde 1986. Só que não pode dar-se esse
passo sem um intenso diálogo com o povo que tem de perceber e aceitar a mudança
bem como os inevitáveis sacrifícios que de imediato tal mudança acarretará, apesar
de amplamente compensados pelas vantagens de uma via nova, autónoma e
prometedoramente democrática.
E é aqui que entram as Forças Armadas. Desde há muito que as Forças
Armadas se consideram o único repositório do pensamento estratégico nacional,
principalmente desde que a soberania foi sendo gradualmente transferida para um
ente não democrático que não presta contas e que todavia condiciona decisivamente
a vida nacional. Enquanto as coisas aparentemente iam correndo bem, a questão existia,
mas estava entre parênteses. A partir do momento em que ficou evidente para
todos que a perda de soberania não só não tinha qualquer contrapartida, como,
pelo contrário, implicava cada vez mais sacrifícios, sem que os portugueses
pudessem ter uma palavra por mínima que fosse nos destinos do conjunto a que
pertencem, tendo antes que obedecer servilmente a todas as imposições vindas de
fora, inclusive àquelas que põem em causa o próprio conceito de Pátria, é
natural que as Forças Armadas fiquem apreensivas. Muito apreensivas.
Dado o actual momento político e as alternativas que se
perfilam, o que se justifica dizer é que os militares com experiência política,
adquirida a duras penas, e com grande apego à democracia e ao seu povo, devem
assumir o papel que as circunstâncias dramáticas em que vivemos lhes impõem,
não deixando que sejam outros a liderar um processo que facilmente poderia ser
pervertido. Uma coisa parece cada vez mais certa: começam a estar criadas as
condições para que, mais mês menos mês, algo de novo aconteça na Europa do sul.
2 comentários:
Abrindo as hostilidades com sua licença:
1º Não há qualquer solidariedade europeia. Nenhum país do euro ou da CE está disposto a emprestar dinheiro a Portugal com taxas de juros a 1% ou equivalente. Portanto, nem sequer conseguimos ter disponibilidades para pagar os juros da dívida existente.
2º Qualquer cidadão estrangeiro olha-nos e pensa: para quê ajudar se esses senhores gastam mais que nós per capita no funcionamento dos seus serviços públicos? Sim, olhemos a estrutura do Estado português, comecemos tudo da base zero e comecemos pela AR reduzindo para metade o n.º de deputados, e indo adiante por todos esses serviços e direcções gerais que só atropelam. Dá desemprego na função pública? Lá isso dá. Mas não a podemos manter gorda assim, emperrando tudo, começando logo pelas Câmaras municipais, como a de Lisboa que segundo consta tem mais de 12.000 funcionários. Ah! Não querem tocar? Então, não têm solução. Será que na Suécia, a Câmara da capital tem este n.º? Se tem calo-me. Têm reparado nos organigramas das direcções gerais, serviços e de institutos que desde há muitos meses são publicados no DR? Por aí há crise? Preferem cortar na saúde? Ou preferem gerir os hospitais com mão de ferro que acabe com a situação existente de se poder fazer o mesmo por metade dos efectivos? Quem o afirmou é parvo?
3º É inevitável gerar mais desemprego no Estado e nas Câmaras, mas também é inevitável gerar novos empregos com mais industrialização e para isto precisamos de recursos, ou seja, mais empréstimos. Não há quem nos empreste? Não conseguiremos produzir mais em concorrência com os produtores dos países emergentes cujos produtos entram cá na Europa com baixas taxas aduaneiras ou sem elas porque subi-las significaria que a Alemanha e outros países como Portugal não colocariam os seus produtos lá? E o produtor de bonecos de peluche que deslocaliza em Portugal para ir para Marrocos continua a vender os mesmos na CE alegremente?
4º Os militares estão ansiosos por pôr o dente nisto! E para além deles alguém julga que isto tem solução, a comprar mais submarinos, carros de combate, aviões supersónicos. Abram lá os olhos senhores: a Suíça, precisa disso tudo? Precisar, precisamos. Mas temos dinheiro para manter aquartelamentos e todo o estadão de milhares de militares sentados à espera de sermos invadidos pelos espanhóis ou pelos ingleses ou outros bárbaros? Ou querem manter forças na bósnia etc. ou para forçar/manter a ordem constitucional na Guiné?
5º Esta solidariedade europeia sufoca-nos. O capitalismo internacional já ditou a nossa miséria. Salários e sistema social e garantias entre a média europeia e a indiana ou chinesa, de preferência no primeiro terço acima, nivelando por baixo.
6º Finalmente, nem os políticos portugueses querem mudar, nem deixaremos de ser esfolados até à miséria total. Com este enquadramento e com este PIB nem sequer os juros conseguiremos pagar.
7º A minha convicção de que estamos nas mãos do capitalismo selvagem, mas organizado baseia-se no seguinte: o Estado emperrado na justiça, na confusão das leis, nos licenciamentos etc., tem servido para manietar quem? Os pequenos! Porque os grandes interesses quando querem, saltam por cima de tudo. A sua empresa está a ser prejudicada pelos Impostos? deslocaliza e continua a vender ao mesmo preço! Quer construir em certo lugar e puseram lá um Parque natural? Sim, para que serve o Parque Natural? Para impedir que outrem construa ou ponha lá uma indústria de criação de peixes, porque há sempre uma solução para eles, os PIN e a corrupção? Eu se fosse capitalista também punha parques naturais a torto e a direito.
".......Enquanto estas questões não foram explicadas, não se poderá verdadeiramente dizer que exista aqui uma alternativa."
Nisto é que bate o ponto!
Por outro lado, os novos manisfestantes/descontentes ainda não estão maduros parao apoio à saída do euro. Penso que com os militares descontentes se passa mais ou menos o mesmo. Não devo entender o autor, porque não vejo o que é que os militares em Portugal poderiam fazer que contrariasse os ditames do grande Poder. Infelizmente para nós, somos uma economia muito fraca e muito dependente para temer terramoto que tal afrontamento significaria, é isto que fazz vacilar aqueles reformados e activos da classe média, militares incluídos.
lg
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