EM LINHA COM O DÉFICE
DEMOCRÁTICO
Cavaco partilha os pontos de vista típicos da classe política
que efectivamente governa. Já era assim como Primeiro Ministro, assim continua
como Presidente da República.
Actuando Cavaco muito à semelhança dos que nos partidos defendem a
legitimidade decorrente do voto como um poder incontrolável pelo delegante
durante a duração do respectivo mandato, que entendem suficiente a prestação
de contas à posteriori, realmente uma
pseudo-prestação em virtude de muitos dos factos praticados já se terem tornado
irreversíveis e que além disso vêem o titular da soberania, o Povo, como uma
entidade mais ou menos abstracta, chamada pronunciar-se de x em x anos, sem legitimidade
para qualquer tipo de intervenção efectiva depois de se ter pronunciado, é natural
que também ele, Cavaco, considere que não tem de prestar contas durante o respectivo
mandato, podendo até, em homenagem a superiores interesses que só ele conhece, esconder
a sua acção por detrás do segredo.
Se o mandato representativo incondicionado já permite todo o
tipo de abusos, imagine-se o que poderá acontecer quando se actua a coberto do
segredo.
Este um dos velhos temas da filosofia política que está ainda longe
de ter na prática uma resposta completamente satisfatória.
De facto, a luta pela transparência, pela publicidade do
poder contra o poder invisível, o segredo, é uma luta secular que, apesar das
indiscutíveis conquistas dos tempos modernos, está ainda distante de constituir
uma prática seguida sem reticências.
A ideia de que o poder é tanto mais eficaz quanto mais
discreto for, quanto mais oculto estiver dos olhares do povo, é uma ideia que
tem muito a ver com concepções de poder que estão nos antípodas da soberania
popular. Mas a verdade é que, não
obstante a soberania popular estar hoje consolidada com princípio político do
qual deriva a legitimidade para governar, continua a haver – e até se pode
dizer que nos nossos dias se têm multiplicado – muitas reminiscências daquele
outro tipo de poder fundado noutras legitimidades. A toda a hora se ouve os
comentadores defenderem a simulação ou a dissimulação do governante
relativamente às medidas que toma. Quando hoje se diz que o problema com que
determinado agente do poder se defronta é um problema de comunicação o que na
maior parte das vezes se quer dizer é que o governante não soube mentir com
eficácia, quer escondendo aquilo que realmente está a fazer ou a provocar, quer
atribuindo ao que está a fazer um sentido completamente diferente daquele que a
acção realmente vai ter.
Pelo contrário, o que caracteriza o verdadeiro poder
democrático é a sua transparência, a publicidade das medidas adoptadas não
apenas no sentido de serem conhecidas, mas também de serem apresentadas com os
fins e os objectivos que realmente pretendem alcançar.
Por todos os malefícios associados ao poder invisível continua
a ser válida a máxima kantiniana segundo a qual “todas as acções relativas ao direito de outros homens que não sejam
conciliáveis com a publicidade é porque são injustas”.
No caso de Cavaco, o silêncio e o segredo até podem estar
mais associados à irrelevância da sua acção do que propriamente ao exercício de
um poder invisível, mas nem por isso deixa de ser significativo no plano
ideológico a justificação apresentada por ela estar muito em linha com o défice
democrático das democracias representativas.
2 comentários:
Que fazer?
Ainda ontem o prof. Marcelo apontava essa pecha, segundo ele sistemática, na actuação do Governo -a deficiente comunicação-. Agora o caso era a "boutade" de Passos/Borges sobre o SMN. Não se tratava de erro de juízo (para o professor também não haveria dúvidas sobre a relação virtuosa entre redução ou eliminação do salário mínimo e o efeitos (benéficos!) no emprego!!), o mal estava em tê-lo dito ou tê-lo dito tão explicitamente, isso não bolas, os ministros deviam ter tento na língua não andarem sempre a dar "tiros nos próprios pés" -expressão acrescentada/sugerida pela 1ª dama de Sintra -.
lg
ps
Mas o prof. presidente enganou alguém?
Enviar um comentário