O DESRESPEITO PELA FUNÇÃO PARLAMENTAR
Independentemente do juízo que os deputados individualmente nos mereçam, independentemente das limitações da democracia representativa de base parlamentar, independentemente do contexto ideológico em que sempre se realizam as eleições, uma coisa temos por certo: o Parlamento enquanto órgão de soberania legitimamente eleito de acordo com os procedimentos vigentes tem de ser respeitado como matriz insubstituível da democracia política.
É certo que nem sempre o Parlamento, ou a maioria parlamentar que apoia o governo, se respeita a si próprio, como acontece nos casos em que à revelia do sentimento popular dominante aprova conclusões infirmadas pelos factos apurados em comissões parlamentares de inquérito, como recentemente ocorreu no inquérito à situação do BPN. Mas mesmo nestes casos, legitimadores das mais ásperas críticas por parte da opinião pública, não se pode permitir que outros órgãos de soberania ou aqueles que ocupam as mais altas funções do Estado por designação do executivo, com ou sem a homologação do Presidente da República, se arroguem o direito de publicamente criticar a acção parlamentar, como ontem fez arrogantemente o Governador do Banco de Portugal.
Em países como os Estados Unidos, o Reino Unido ou a França, Constâncio (e o menino prodígio que desde a infância o tem acompanhado até à maturidade, sempre menino e nunca prodígio) teria terminado ontem mesmo de vez a sua carreira. Mas nada disso vai acontecer, porque em Portugal a democracia é, sob muitos aspectos, apenas uma fachada sob a qual se acobertam os sentimentos mais primariamente anti-democráticos. O próprio executivo, se prezasse realmente a democracia e a função parlamentar, teria ontem mesmo demitido Constâncio.
Não o fez, nem o fará, porque para além desse muito vago apego democrático a questões fundamentais, Constâncio está protegido pelos banqueiros e pelo capital financeiro de cuja protecção o actual governo, até ver, também beneficia.
Em Constâncio, à arrogância e desrespeito que as suas declarações representam, acresce a total falta de vergonha de quem consabidamente agiu mal, irresponsável e tardiamente, causando com a sua negligência um grave dano ao erário público.
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