O QUE ERA EVIDENTE…
Há coisas que tenho alguma dificuldade em perceber. Os políticos mais directamente interessados no assunto e os jornalistas portugueses que cobrem a UE, nomeadamente em Bruxelas, só há dias reconheceram os escolhos que se levantavam na eleição de Barroso para Presidente da Comissão Europeia. Não perceberam que o adiamento proposto por Sarkozy e depois secundado por Merkel tinha exactamente em vista dificultar ou inviabilizar a eleição de Barroso.
Nestas coisas dos blogues, entre muitas coisas positivas, há esta de a gente deixar a sua opinião no próprio dia em que as coisas acontecem. E as coisas em relação a Barroso aconteceram quando Sarkozy, à saída da reunião do G20, em Londres, respondeu ambiguamente à indigitação de Barroso. Logo nesse dia alertamos para o que se estava a passar e depois por várias vezes contrariámos a euforia pátria que do Governo aos jornalistas passando pelo PR dava Barroso como escolhido. Santa ingenuidade!
Pode até acontecer que Barroso venha a ser escolhido. Mas vai ser muito difícil. Pois se até Valéry Giscard D’Estaing, num telefonema, sugeria perfidamente a Cohn-Bendit: “Votre slogan pourrais être, plutôt que “Stop Barroso”: “Mieux que Barroso”, é de acreditar que a direita não está na disposição de travar uma grande batalha para impor Barroso como presidente.
Já aqui expusemos o nosso ponto de vista por mais de uma vez. A nova União Europeia, decorrente do alargamento, e os vários episódios que depois dele tiveram lugar, alteraram substancialmente a concepção europeia da Alemanha e da França. Nem uma nem outra estão na disposição de continuar a arcar com os pesados encargos da coesão comunitária numa União, cada vez mais pobre e mais desobediente. A sua concepção da Europa começa a aproximar-se cada vez mais da da Inglaterra, um amplo mercado livre com livre circulação de mercadorias, serviços e, na medida do possível, pessoas, gerido, no essencial, pelos governos. Para dar corpo a esta nova ideia convém-lhes um presidente da comissão oriundo de um país rico, menos sensível às questões periféricas e de coesão.
Tudo isto ficou muito facilitado pela hipotética entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Se Barroso tivesse que ser confirmado pelo Parlamento Europeu segundo o Tratado de Nice bastaria a maioria dos votos dos deputados presentes e a eleição estaria praticamente assegurada. Se tiver de esperar pelo Outono (pelo resultado do referendo irlandês) – e é isso que a deliberação do Conselho, bem interpretada, quis dizer – vai ter de ser confirmado de acordo com as regras do Tratado de Lisboa: a maioria absoluta dos deputados. Bem mais difícil de conseguir, já que o PPE não dispõe de lugares suficientes para garantir a eleição.
A hipocrisia dos líderes do Conselho está à vista. A designação de Barroso a dois tempos tem em vista assegurar que a sua nomeação só ocorrerá com o beneplácito do Parlamento. A posição do Parlamento vai depender muito dos liberais, que acabarão por ter uma palavra muito importante. Mas não será de excluir uma “marchandage”entre o PPE, a Aliança progressista de socialistas e democratas – S &D, os Verdes e alguns liberais com vista a apresentação de outro nome, hipótese que o telefonema de Giscard parece sugerir.
Barroso vai ter de se multiplicar em contactos e terá de elaborar um programa capaz de satisfazer as várias forças políticas representadas no Parlamento Europeu: quanto mais tempo passar, pior para ele, embora neste momento já seja certo que o Parlamento o não votará em Julho.
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