CAVACO SILVA E PINTO MONTEIRO
Politicamente, houve duas declarações que marcaram a semana que hoje acaba. A declaração de Cavaco Silva sobre o desempenho da função legislativa pelo Parlamento e a do Procurador Geral da República sobre as liberdades.
Se houvesse uma verdadeira cultura democrática no nosso país e se entre a generalidade dos cidadão houvesse o culto da liberdade, do equilíbrio e da interdependência dos poderes aquelas declarações teriam dado lugar a um verdadeiro debate político. Debate a todos os níveis da sociedade, seja da classe política, seja da sociedade civil. Infelizmente, salvo uma ou outra esporádica referência, ambos os temas foram arquivados no esquecimento das coisas sem importância.
E, todavia, Cavaco Silva como Presidente da República teve a pretensão de dar conselhos vinculativos ao parlamento sobre como exercer a função legislativa. E os deputados ou nada disseram ou se algo disseram foi para manifestar uma mal disfarçada concordância com as palavras do Presidente.
Alguém está disposto a imaginar o que se passaria se uma delegação parlamentar fosse a Belém veicular uma resolução informal da Assembleia Legislativa sobre o modo como o Presidente da República deve exercer os poderes presidenciais constitucionalmente consagrados?
O sistema político português consagra um equilíbrio entre os diversos órgãos de soberania, que, uma vez rompido de facto a favor do Presidente da Republica, coloca este numa posição de supremacia sem precedentes em sistemas políticos democráticos. É que não se trata de por essa via se caminhar para o presidencialismo. Um regime presidencialista não confere ao presidente qualquer supremacia sobre o legislativo. Bem pelo contrário. Num regime presidencialista o presidente não pode dissolver o legislativo, seja ele composto por uma ou duas câmaras, mas pode, em circunstâncias excepcionais, ser destituído por uma delas ou por ambas. Daí os perigos de desequilíbrio do sistema por via de práticas inconstitucionais.
E voltamos sempre ao mesmo. Se os deputados gozassem de verdadeira autonomia e devessem o lugar que ocupam às suas capacidades políticas, eles desempenhariam com outro brio a função parlamentar. Assim, sentindo-se lá por beneplácito partidário, eles até têm dificuldade em interiorizar a ofensa.
Por outro lado, as declarações do Procurador Geral, proferidas em Coimbra, perante estudantes de direito, sobre o cerco de que a liberdade está sendo vítima para protecção da segurança são de extrema importância nos dias que correm. Também aqui o perigo vem dos próprios cidadãos, ou de uma parte significativa deles, que parecem aceitar sem dificuldades cada vez mais restrições à liberdade para se sentirem seguros. Esta lógica, que é historicamente uma lógica política de direita, penetrou hoje em amplas camadas da sociedade. E á medida que a sociedade teme o risco de viver em liberdade, a ponto de já não se conseguir conviver com ele, vai aceitando a certeza de perder a liberdade. Hoje admite-se um pequeno desvio, amanhã outro mais amplo, e depois ninguém estranhe que se, em vez de Guantánamos, lá mais para diante, tivermos verdadeiras medidas de segurança aplicadas com grande amplitude com base numa suspeita sobre o comportamento desviante de personalidades pretensamente associais. É só uma questão de grau. E, todavia, também as palavras do Procurador Geral ficaram sem o debate que mereciam.
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