QUE POLÍTICA DA UE NA OMC?
Voltando à presidência francesa na União Europeia. Dos temas indicados por Sarkozy como prioritários, o que mais polémica suscitou é o que se prende com as negociações na Organização Mundial do Comércio, no quadro da Rodada de Doha, com vista à liberalização do comércio mundial.
Sarkozy, para efeitos práticos, na intervenção televisiva da passada terça-feira, desqualificou o Comissário (britânico) Peter Mandelson, conhecido pelo seu liberalismo económico, para conduzir as negociações em nome da Europa ao imputar-lhe a intenção de querer fechar com Pascal Lamy, presidente da OMC, um acordo que “sacrificaria a produção agrícola europeia no altar do liberalismo mundial”. Sarkozy disse ainda que o acordo que Mandelson e Lamy queriam fechar suporia a perda de 100.000 postos de trabalho e a redução de 20% da produção agrícola francesa. Ao comissário (britânico) do Comércio foi ainda imputada alguma responsabilidade pelo não irlandês.
Bruxelas já reagiu, tanto por intermédio do gabinete do comissário, que considera baseadas em falsos pressupostos as cifras apresentadas por Sarkozy, como através do próprio porta-voz da Comissão, que sublinhou a plena confiança da instituição em Mandelson, que “realiza um trabalho muito necessário e muito difícil”.
Esta intervenção de Sarkozy é a vários títulos importante, porque pela primeira vez, desde há muitos anos, um alto responsável europeu defende o proteccionismo da Europa, no seu conjunto, como instrumento de concorrência contra os que, por não estarem sujeitos às mesmas regras dos europeus, beneficiam de inequívocas vantagens comparativas. Além de ter também esgrimido o argumento da reciprocidade.
O argumento frequentemente apresentado pelos defensores das teses liberais de que a liberalização do comércio contribuiria decisivamente para a diminuição da pobreza a nível mundial e constituiria um poderoso instrumento de combate à fome só parcialmente é verdadeiro.
Em primeiro lugar, deve dizer-se que os grandes beneficiários de uma maior liberalização dos produtos agrícolas seriam alguns dos grandes países emergentes, como o Brasil, a Índia e a Argentina. Estes países, que se recusam a baixar as suas barreiras alfandegárias relativamente a outros sectores da actividade económica, têm crescido a taxas muito elevadas nos últimos sete anos, sem que a tal crescimento tenha correspondido proporcionalmente uma diminuição das desigualdades sociais e uma elevação do nível de vida das pessoas de mais baixos rendimentos. As vantagens da liberalização já existente no domínio da agro-indústria e de algumas indústrias transformadoras têm revertido fundamentalmente a favor dos detentores do capital que, beneficiando de salários muito baixos, fraca ou nula protecção social dos trabalhadores e desrespeito, para não dizer desprezo, pelas mais elementares regras de preservação ambiental, concorrem com a agricultura europeia em condições de profunda desigualdade.
Em segundo lugar, não são as políticas subsidiadas a Norte na agricultura que contribuem para a fome dos países mais pobres, mas antes as políticas do FMI e do BM, que, tendo apostado em culturas de exportação, para pagamento da dívida pública desses países, destruíram as culturas de subsistência, essas sim as que verdadeiramente combatem a fome dos países pobres.
Em terceiro lugar, seria inadmissível que em plena crise mundial de alimentos, quaisquer que sejam as suas causas, a Europa se despojasse do essencial da sua agricultura e se entregasse, em homenagem à famosa teoria das vantagens comparativas, nas mãos dos países emergentes em matéria alimentar.
Certamente que a Europa gasta proporcionalmente muito na Política Agrícola Comum, não tanto pelo facto de ser diminuta a população directamente por ela beneficiada – indirectamente é toda a Comunidade – mas em relação ao orçamento comunitário. Mas este desajustamento corrige-se com mais verbas para políticas comuns noutros sectores e com mais racionalidade nas despesas da própria PAC.
Os principais beneficiários da PAC são a França (22%), a Espanha (15%), a Alemanha (14%), a Itália (12%), o RU (9%), a Grécia (6%) e a Irlanda (4%). Os restantes 18% estão divididos pelos demais países.
O que se pretende fazer na agricultura, que certamente levantará fortíssimas oposições nos países do norte da Europa, é um exemplo do que se poderia fazer noutros domínios. O proteccionismo nacional tem hoje poucas hipóteses de vingar, a menos que se seja um grande, grande país, mas uma actuação conjugada no plano comunitário teria outras possibilidades e outros resultados. Mas como o que se faz é exactamente o contrário, com vista a favorecer apenas um dos termos dessa aberrante dicotomia – empresas/cidadãos – hoje tida como a coisa mais natural do mundo, é natural que os cidadãos europeus, desprotegidos e marginalizados pela política seguida, se afastem cada vez mais da União Europeia e tendam a abrigar-se na capa protectora do Estado, convencidos de que encontrarão no plano nacional o que lhes é recusado no plano comunitário.
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