POR QUE NÃO HÁ INDIGNAÇÃO NUM CASO E HÁ NOUTRO
No Público de ontem, José Manuel Fernandes dá a entender que a diferença de comportamentos relativamente aos salários milionários dos gestores e dos jogadores de futebol se explica porque no primeiro caso impera a razão e no segundo a paixão.
Não posso estar mais em desacordo. As diferenças de comportamento nada tem a ver com a paixão, mas antes com a interiorização de uma racionalidade que poderá, relativamente à maior parte das pessoas, não ser completamente assumida, mas é facilmente percepcionável.
As pessoas percebem que a prestação de um jogador de futebol é objectivamente controlável pelas suas exibições, de tal modo que, se estas baixam, logo o rendimento dos jogadores se ressente directa ou indirectamente – veja-se o caso dos craques do Barcelona, Deco, Ronaldinho, Eto, etc. – e, por outro, lado, têm a convicção de que os altos salários dos jogadores não são pagos directa nem indirectamente à sua custa.
Nenhuma destas percepções vale para o caso dos gestores. Não somente não são objectivamente controláveis as prestações dos gestores, como as pessoas têm consciência de que os altíssimos vencimentos que auferem são obtidos à custa da exploração do trabalho alheio, além de saberem também que são elas, como consumidores completamente à mercê das grandes empresas, que pagam aqueles salários.
Isto para além de outras diferenças igualmente percepcionáveis por toda a gente: o jogador de futebol viaja, muitas vezes contrariado, por todo o mundo ou muitíssimo dentro de um continente, em classe económica, sempre vigiadíssimo, do avião para o hotel, do hotel para o estádio, do estádio para o avião. O gestor, para fugir ao tédio lisboeta (falando apenas dos de cá…), inventa dezenas e dezenas de reuniões inúteis durante o ano, viaja nas classes mais caras dos aviões, aloja-se em luxuosíssimos hotéis, frequenta caríssimos restaurantes e ainda recebe ajudas de custo, tudo por conta da empresa…ou seja, por conta de quem paga à empresa!
Há alguma paixão na diferente percepção que as pessoas têm das coisas?
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