POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS
Pela primeira vez um economista do establishment – Vítor Bento, Público de 3/10/12 – faz uma análise objectiva das causas
da crise e das possíveis saídas. Tudo o que Vítor Bento disse e escreveu é mais
do que conhecido pelas pessoas que se limitam a interpretar os fenómenos
económicos tal como eles são, mas é importante que alguém do establishment tenha, finalmente, chegado
às conclusões a que Vítor Bento chegou. Mais vale pensar lento e devagar do que
não pensar.
Vítor Bento explica em poucas palavras por que razão uns
países se endividaram e outros são credores; descreve com objectividade os
diversos mecanismos que têm sido postos em prática dentro da União Europeia
para fazer face a uma situação com que manifestamente se não contava – o que desde
logo dá uma ideia da excelência dos cérebros que “inventaram” e puseram em
circulação a moeda única – para a seguir concluir, não obstante tudo o que tem
sido feito, que a ideia que continua a prevalecer para fazer face à crise é a
ideia de punição.
Perante este quadro – que é o quadro que aqui (e noutros
lugares) tantas vezes tem sido apresentado – Vítor Bento acaba perguntando se o
“desígnio da integração europeia” não seria melhor servido nestes tempos de
crise mediante o regresso dos países em dificuldades às moedas nacionais e se a imposição de uma moeda
única num espaço tão altamente diversificado não acabará por ter efeitos
contraproducentes.
Infelizmente, por cá, o Governo, o PS e muita gente da
oposição continuam nos antípodas destas conclusões. Para todos eles a moeda
única não é uma questão intimamente relacionada com a economia real dos países
que a ela aderiram, é uma questão de fé. Ou, pior ainda, é um dogma político.
Outros entendem que alterando a superestrutura da União Europeia
se resolve o problema da moeda, como parece ser o caso do antigo Ministro dos
Negócios Estrangeiros da Alemanha, Joschka Fischer, para quem a Europa federal deve
começar a ser construída com base num “federalismo intergovernamental”, único
meio de favorecer a desejada integração política. Esta tentativa sui generis de “construção” de uma
superestrutura que continue a assegurar a hegemonia do mais forte só interessa ter
em conta na estrita medida em que permite ver até que ponto para certos
sectores da Alemanha, mesmo quando conotados com uma certa esquerda, é
importante a manutenção da moeda única. De facto, é muito fácil perceber quão
vantajoso é para a principal economia da Europa a existência do euro. Foi com o
euro que a Alemanha cresceu e se desenvolveu como em nenhum outro momento da sua
história e seria sem o euro ou com o euro circunscrito a um reduzido número de
países ricos que a Alemanha se debateria com uma fortíssima quebra da sua
actividade económica em consequência da inevitável valorização da moeda.
Por cá nada disto conta. O Governo (e não só) parece cada vez
mais alheio a tudo isto e não tem qualquer plano de acção estratégico
identificável com o interesse nacional. Ao Governo interessa apenas satisfazer
os credores nem que para isso tenha de arruinar completamente a economia
nacional. É isso que está a fazer e que vai continuar a fazer em doses reforçadas.
O grande objectivo do Governo é reduzir ao mínimo possível a
procura interna. Ainda esta noite no telejornal da RTP 1 a tonta da Secretária
de Estado das Finanças se vangloriava dos grandes êxitos alcançados pelas
finanças públicas portuguesas, entre os quais apontava a rapidez com que se
está fazendo o “ajustamento das contas externas portuguesas”.
De facto, com esta rajada de impostos que Gaspar acaba de
anunciar a procura interna vai levar no próximo ano um rombo ainda maior do que
o deste ano e isto acabará por ter consequências políticas devastadoras.
Quem tenha vivido a Revolução de Abril sabe, mesmo que
teoricamente lhe custe admiti-lo, que quem derrotou a Revolução foi a pequena burguesia.
Não foi o grande capital, não foi a CIA, não foi nenhum desses “tenebrosos
agentes” tão frequentemente referidos. Quem a derrotou foram os merceeiros, os
pequenos agricultores, os logistas em geral e a pequena burguesia urbana tão
receosa estava de perder o status que entretanto tinha adquirido nos últimos
anos da ditadura. Os ricos fugiram, foram nacionalizados, expropriados, a maior
parte deles já cá não estava.
Quem ficou com o poder a seguir é outra questão.
A pequena burguesia vitoriosa ficou com ele durante algum tempo mas a breve
trecho, tanto por força das alianças que entretanto foi fazendo, como,
principalmente, pela fragilidade do seu poder económico quando confrontado com
o do grande capital que a pouco e pouco se ia reconstituindo, acabou perdendo-o
para este que, a partir de Cavaco, passou, a ter uma posição dominante.
Hoje quem poderá vir a ter uma palavra decisiva no
desmantelamento desta aliança táctica entre o grande capital nacional actuando
em monopólio e em oligopólio e os credores estrangeiros é essa mesma pequena
burguesia fustigada directamente pelos impostos e indirectamente pela brutal
quebra da procura interna, tirando partido do enorme descontentamento popular e da situação em que se encontram as classes trabalhadoras.
Em Novembro de 1975 a Europa já não estava para ditaduras.
Mas o que vai acontecer agora com a crise do euro e com as profundas recessões
que os credores estão a impor a milhões e milhões de pessoas está mais para
isso do que para outra coisa. Aliás, o crescimento exponencial da dívida em
todos os países intervencionados (de facto ou de direito) só pode ter uma
saída: o seu repúdio, por muito que mentes brilhantes nos façam crer o contrário.
E por uma razão muito simples: é que é impossível pagá-la.
4 comentários:
Li-o atentamente...
Apodera-se de nós um sentimento de terror...
Abraço , Zé Manel
Bem me parecia que foram os merceeiros, lojistas em geral, burguesia urbana, etc. quem ditou o modelo. E continuam a ditar. Veja-se o caso da lei do arrendamento que só permite aos da habitação opor-se à renovação do contrato, pois que nos comerciais antigos nada podem os senhorios fazer mesmo que o contrato seja centenário. Estamos todos no mesmo barco e ninguém se quer molhar.Se sairmos do Euro lá se vão “os passeios” para a pequena burguesia, sejam comerciantes, assalariados ou pensionistas, pois que salários e as pensões passariam a ter um poder de compra em escudos de menos de metade do que hoje têm. Se ficarmos no Euro, com as taxas de juro que nos exigem e o que devemos em capital, o que vai suceder é que, hoje ainda poderemos levar o chapéu na mão, bater com ele na mesa e dizer que chega, somos honrados mas não aceitamos ser espoliados, ao passo que depois, vamos sair da CE com tudo vendido ao desbarato, sem honra nem dignidade.Nessa altura não vai haver democracia.
SMF
Mais uma vez V. Exa. faz uma análise/alerta muito correctos e pertinentes, sem embargo de na parte final do seu artigo me ressaltarem algumas dúvidas e receios. De facto, o desenrolar dos acontecimentos, a partir de Abril de 74, seguiu a regra geral do que se tem passado em situações similares, sempre que não foi instaurada, de imediato, uma ditadura. Quem faz as revoluções são sempre os idealistas, motivados de bons propósitos, mas quem, de facto, apanha o Poder é a pequena burguesia radical, cujos propósitos não têm nada a ver com as intenções dos primeiros: É claro que esta pequena burguesia radical para se cosolidar no poder tem que fazer promessas que, para se comprirem duradouramente, só à força de dinheiro que não há. Para o conseguir têm de contrair empréstimos e fazer alianças com o grande capital que, com o tempo, irá neutralizar essa pequena burguesia e instalar-se no poder, deixando as clientelas desse poder burguês, constituir uma classe de privilegiados para servir o grande capital. Isto foi o que se passou com o chamado PS e algum PPD e seria o que se iria passar com o tal de BE se alguma vez viesse a ser poder.
O “repúdio” pela dívida, só é viável em países que em situação de grande crise têm capacidade de alimentarem os seus povos, sem dependerem praticamente de terceiros como, por exemplo, a França, Itália ou a Espanha. Nunca estados como Portugal que destruiu o seu tecido produtivo e não tem capacidade de sobreviver sem a ajuda de terceiros. Se nos recordarmos que o Estado Novo, e através dum regime autoritário, precisou de mais de trinta anos para pôr o país 85% autosuficiente em géneros alimentares o quão difícil e problemático não seria enveredarmos por uma situação dessas de ânimo leve.
Há dias uma comentadora (socióloga?)fazia referência a que na manisfestações não se "gente pobre", poderia a doutora ter acrescentado, como a mim me pareceu, que se via, sobretudo, gente como pavor de vir a sê-lo em breve!
A ideia do autor, sobre quem efectivamente travou e dorrotou a revolução de 74/75, parece-me, a mim que presenciei os acontecimentos capitaneados pelo cónego Melo, absolutamente correcta.
Uns anos mais tarde já eu torcia o nariz quando me diziam que o Solidariedade mais não era que uma criação da CIA!Era muita CIA!
lg
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