quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O CORTE NA DESPESA E AS ENTREVISTAS PROMOCIONAIS DE VÍTOR GONÇALVES


 

A DEMAGOGIA DA NOVA CONTESTAÇÃO

 

De há uns tempos a esta parte, a RTP 1, em certos dias da semana, depois do Telejornal da noite, massacra os portugueses com uma entrevista, normalmente a personalidades de direita, conduzida pelo sr. Vítor Gonçalves com uma de duas finalidades: ou para promover politicamente o entrevistado (cheira por todo o lado a novo governo e não faltam candidatos a ministros, ao contrário do que pensa Mário Soares) ou para fazer a propaganda das teses do governo apesar da sua validade e eficácia estar mais que demonstrada pelo próprio resultado da acção governativa.

Hoje o convidado foi o sr. Pires de Lima do CDS. A entrevista do ponto de vista jornalístico foi uma vergonha. O entrevistador, babado com o entrevistado, não tendo uma verdadeira questão a pôr-lhe, limitou-se a umas pobres deixas que permitissem ao entrevistado fazer a sua propaganda e acima de tudo perfilar-se para o lugar por que há muito almeja (o de ministro da economia – imagine-se por que será…).

Pires de Lima, é bom recordá-lo, disse em Agosto, na TVI 24, que a Troika deveria “impor ao Estado português a revisão da Constituição, porque com esta Constituição não se pode cumprir o Memorandum de Entendimento”. Pires de Lima vociferava, então, possesso, contra o acórdão do Tribunal Constitucional por ter inviabilizado o caminho que o Governo havia escolhido para reduzir o défice.

Esta ideia que hoje voltou a ser repetida, embora com uma configuração diferente, é um acto de pura vigarice política. Deixando de lado a apreciação política do “comportamento patriótico” desta direita que apela ostensivamente ao estrangeiro para alterar a lei fundamental do país e deixando também de parte a avaliação penal de semelhante comportamento, importa dizer que o agravamento do défice em 2012 não tem nada a ver com a decisão do Tribunal Constitucional, a qual, como se sabe, não terá qualquer eficácia no ano em curso, mas antes resulta (aquele agravamento) da imposição de uma política económica assente em teorias pré-keynesiana, velhas, com cerca de anos, que estão a produzir agora exactamente os mesmo resultados que já haviam produzido logo depois da Primeira Guerra Mundial. A única diferença é que quando estas políticas foram postas em prática naquela época, apesar de tudo com um pouco menos de selvageria, o capitalismo corria o risco de ser varrido por movimentos orgânicos muito fortes que advogavam a construção de uma sociedade completamente diferente. E foi por isso que os sectores não apenas mais lúcidos mas também humanistas do status quo depressa concluíram que era necessário dar um volte face à política económica, promovendo em larga escala o emprego, sob pena de tudo poder ruir a breve trecho.

Hoje os capitalistas e, principalmente, os lacaios que nos governos os representam, sabem que não há nem se perspectivam forças organizadas capazes de alterar radicalmente o status quo. A preocupação deles está, portanto, circunscrita à ameaça de rotatividade que a todo custo querem evitar para poderem retirar todas as vantagens dos lugares que ocupam e aos efeitos da contestação inorgânica que causa incómodos e aborrecimentos de vária ordem, até de imagem (aspecto que eles muito prezam), mas que, tal como a rotatividade, não põe em causa a essência do sistema económico. Pode até no limite potenciar um golpe de Estado, mas o sistema, na sua essência, permaneceria idêntico.

Mas voltando à falsa argumentação de Pires de Lima. Se relativamente a 2012 o acórdão do TC nada tem a ver com o défice, o mesmo se pode dizer relativamente a 2013. De facto, o TC, contrariamente ao que deveria ter feito, não defendeu nos seus considerandos a tese de que os ordenados dos funcionários públicos e as pensões dos reformados não poderiam pura e simplesmente ser “cortados” por força de uma imposição legislativa decretada em sede não tributária, tendo-se antes limitado a dizer o mínimo que nas circunstâncias concretas do caso sub judice poderia ter dito: ou seja, que tem de haver alguma equidade nos sacrifícios, não sendo juridicamente aceitável que eles recaiam exclusivamente sobre aqueles que têm uma específica relação com o Estado.

Se o governo fosse constituído por gente de bem, se o governo não fosse composto simultaneamente por fanáticos neoliberais e por inescrupulosos ministros desprovidos dos mais elementares valores de ética social não seria certamente necessário qualquer decisão do TC para impedir semelhante enormidade porque qualquer governante minimamente imbuído de princípios elementares de justiça rejeitaria, sequer como hipótese, a solução encontrada pelo Governo Passos Coelho e tão acaloradamente defendida por Pires de Lima e seus iguais.

O que acontece é que a prevista redução do défice de 2013, pelas razões acima explicitadas, não pode ser alcançada apenas com o famigerado “corte” dos salários e das pensões dos funcionários públicos e dos pensionistas, sendo necessário ir muito mais além. E então o governo, demonstrando a sua total falta de ética – a tal falta de princípios elementares de justiça que leva o povo a chamar-lhes “gatunos” de cada vez que se cruza com eles – aliada à imbecil convicção de que conseguiria relançar a actividade económica transferindo para a “oferta” (isto é, para as empresas) uma vultosa quantia líquida extorquida à “procura” (isto é, ao salário dos trabalhadores), tentou pôr em prática um saque nunca antes visto em nenhuma outra parte do mundo - pôr a cargo do salário a maior parte da contribuição para a segurança social que cabia a capital. 

Sabe-se o que aconteceu. Posto perante a rejeição inequívoca do “extraordinário povo português”, agora também promovido a “melhor povo do mundo”, o governo perdeu o rumo e verdadeiramente ainda não sabe bem o que há-de fazer. A primeira ideia que lhe ocorreu foi pôr em prática uma enorme carga fiscal seguramente paralisadora da actividade económica. Postos perante esta situação aqueles que até aqui não tinham contribuído com nada, nem sequer com o receio de ver perigar o lugar que ocupam, começaram a protestar em voz muito alta tentando abafar a voz sofrida daqueles que desde há muito vêm arcando com todos os sacrifícios.

E aqui é preciso distinguir com muita lucidez o protesto dos que já não podem suportar mais impostos do protesto daqueles que tendo altos rendimentos não querem pagar mais impostos. São estes que demagogicamente fazem campanha contra os impostos e pugnam pelo corte na despesa. Que ninguém iluda e que ninguém se deixe enganar em alianças de ocasião com a demagogia do CDS e com os apelos daqueles que recusam o aumento de impostos para agravar o corte na despesa. O que eles realmente querem dizer quando pedem mais cortes na despesa é: confisco de salários e de pensões de funcionários públicos e de pensionistas; despedimento de dezenas de milhares de funcionários públicos; eliminação ou drástica redução de prestações sociais (RSI; subsídio de desemprego, etc.); e, finalmente, cortes na saúde e no ensino.

Uma coisa, porém, é certa: esta política com mais ou menos impostos, com mais ou menos cortes na despesa, levará o país à desgraça. Ela tem de ser rápida e radicalmente alterada, mesmo que para isso seja necessário promover profundas mudanças naquilo que até agora tem sido o posicionamento de Portugal posterior a 25 de Abril de 1974.

1 comentário:

jvcosta disse...

O teu dedo na ferida: a economia faz-se pelo lado da oferta ou pelo lado da procura? É isto, essencialmente, que separa os economistas - e, claro, os politicos.

E, curiosamente, nunca vi uma definição, em equação, de uma qualquer "oferta agregada"...