quinta-feira, 18 de outubro de 2012

OS “SINAIS” DA MUDANÇA EUROPEIA


 

MERKEL EM BUCARESTE E OUTRAS COISAS MAIS

 

Há quem com total irrealismo tenda a ver no que se está a passar na Europa “sinais” de uma mudança que aponta num sentido diferente daquele que até agora tem norteado a política europeia, designadamente a crise do euro que é o único assunto que realmente interessa.

Esses ingénuos visionários, entre os quais se conta o PS português, não têm factos em que basear as suas esperanças, salvo porventura a fé que é uma coisa que nestes assuntos de natureza económica não tem realmente muita importância. Podem porventura aduzir em sua defesa umas palavras de Hollande ditas aqui e ali, aliás em completa contradição com o que internamente está fazendo. De facto, o sr. Hollande não manda nada mas como não quer perder a face perante aqueles que nele acreditaram lá continua a dizer umas coisas que os nossos visionários tomam a sério, desobrigando-se não apenas de olhar para as coisas como elas são mas principalmente de tomarem a posição que se impõe.

As ilusões fundadas no Conselho Europeu de Junho passado que aqui comentámos em termos factuais revelaram-se totalmente infundadas como qualquer pessoa minimamente atenta logo teria concluído. De modo que os verdadeiros “sinais” que na Europa existem para “solucionar” a crise são os que a seguir, tão resumidamente quanto possível, passamos a enumerar:

1 – Merkel em Bucareste – No Congresso do PP Europeu, em Bucareste, Merkel, obviamente em resposta às medidas de raiz keynesiana preconizadas por Rajoy, disse o seguinte: “Falamos de crescimento, mas isso não se pode estabelecer numa directiva europeia. Isso está relacionado com a liberdade de quem tem uma ideia empresarial. Só os empresários criam emprego, por isso há que reduzir a burocracia e dar mais liberdade”.

Enfim, pode não se perceber muito de sinais, não saber interpretar o voo das aves e os augúrios que deles decorrem, mas se se tiver dois dedos de compreensão do mais básico de teoria económica percebe-se com toda a clareza o que isto quer dizer e o que isto significa como resposta a quem estava a pedir “medidas de crescimento”. Gaspar não faria melhor. Mais: os fundamentalistas neoliberais, como o Borges e outros do mesmo quilate, nem precisam de ser tão explícitos.

2 – Resgate dos bancos – Depois dos “consensos” propositadamente ambíguos do Conselho Europeu de Junho, os alemães e os seus satélites encarregaram-se de explicar que tão cedo o organismo europeu de supervisão bancária não entrará em funções. Logo, os bancos não podem resgatar-se directamento no MEEF (Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira), devendo ser os Estados a solicitar os respectivos empréstimos, aumentando assim correspondentemente a dívida pública. E aquele mecanismo, quando entrar em vigor (lá para 2014), também não ficará obrigado a assumir retroactivamente o crédito contra os bancos, desobrigando os Estados. Por outro lado, o tal supervisor bancário somente supervisionará os bancos de maior dimensão e não todos, como muitos ingenuamente supuseram. Portanto, os mais pequenos não poderão pedir resgates directos, tendo de ser os Estados a endividar-se por eles.

3 – Supercomissário europeu para controlo orçamental – Como resposta aos eurobonds a Alemanha propõe (e vai fazer o possível por impor) um supercomissário europeu com poder de veto sobre os orçamentos nacionais. Por outras palavras, a Alemanha quer um gauleiter em Bruxelas que se substitua aos parlamentos nacionais com poder de veto sobre os orçamentos aprovados no plano nacional. Obviamente, que o poder deste gauleiter não se exerceria do mesmo modo relativamente a todos os Estados. Sabe-se por experiência de muitos anos como a União Europeia funciona nestes domínios e as nuances que costuma estabelecer. E por isso também se sabe antecipadamente o que aconteceria aos mais fracos...

4 – Entrega da próxima tranche à Grécia – Depois de todas as pressões que sobre a Grécia têm sido exercidas, já na vigência deste governo, para a entrega da nova tranche do empréstimo acordado (semana de seis dias, liberalização completa dos despedimentos, mais cortes nas pensões, despedimento de mais umas dezenas de milhar de funcionários públicos, etc, etc.), os alemães querem agora que o dinheiro a entregar à Grécia seja posto numa conta à parte e se destine exclusivamente ao pagamento de juros e reembolso de capital aos credores!

Enfim, “sinais” muito interessantes e muito animadores. Por favor, vamos sair deste “filme” o mais depressa possível. Aqui já não há mais nada a fazer: perdeu-se a fazenda e está a perder-se irremediavelmente a dignidade. A luta já só pode travar-se fora. Dentro os constrangimentos são praticamente intransponíveis.

1 comentário:

Dias disse...

Esta UE está a revelar-se um logro. Vetos sobre orçamentos nacionais, "contas à parte" para pagar aos credores, tudo isto é inaceitável e anti-democrático (nem sufragado é!). Os governos dos países tornaram-se simplesmente "interessados funcionários"... do Reich.